A escola Hanbali, uma das quatro principais escolas de jurisprudência (fiqh) dentro do Islam sunita, é conhecida por sua ênfase na tradição (hadith) como fonte primária da lei islâmica (sharia).
Fundada por Ahmad ibn Hanbal no século IX, esta escola distingue-se pelo seu por uma teologia literalista, o que reflete na interpretação jurídicas dos textos islâmicos, incluindo o Alcorão e os hadiths.
Ahmad ibn Hanbal, nascido em Bagdá em 780 d.C., era um erudito proeminente conhecido por sua profunda devoção e conhecimento enciclopédico dos hadiths.
Seu compromisso com a literalidade dos textos e a rejeição da racionalização excessiva em questões religiosas se tornaram características definidoras da escola Hanbali.
Esta escola de pensamento ganhou uma influência significativa, especialmente na região da Arábia Saudita, onde suas interpretações da lei islâmica são influentes.
A escola Hanbali enfatiza a importância do consenso dos companheiros do Profeta Muhammad e dos primeiros muçulmanos (Salaf) na interpretação da lei.
Ao contrário de outras escolas sunitas, que podem dar maior peso à analogia (qiyas) e ao consenso jurídico (ijma), a escola Hanbali mantém uma posição mais rígida em relação à admissão de tais fontes secundárias.
Esta escola também é conhecida por sua influência no movimento wahhabi, um movimento de reforma islâmica que surgiu na Arábia Saudita no século XVIII.
Apesar de ser a menos difundida entre as quatro principais escolas sunitas, a escola Hanbali continua a ter um impacto significativo no mundo islâmico contemporâneo, especialmente nas regiões onde suas interpretações são adotadas oficialmente.
O Imam Ahmad Ibn Hanbal nasceu em Bagdá, a capital do califado abássida, em 780 d.C. Sua infância foi marcada pelo estudo do Islam, especialmente o hadith, que são relatos da vida e dos ensinamentos do Profeta Muhammad.
Desde cedo, ele se dedicou a estudar sob a orientação de numerosos eruditos, viajando extensivamente através do mundo islâmico, inclusive para cidades como Meca, Medina e Kufa, coletando hadiths e aprofundando seu conhecimento religioso.
Ahmad ibn Hanbal teve a oportunidade de estudar com Al-Shafi em Bagdá. Esta experiência foi crucial para o desenvolvimento intelectual de Ahmad ibn Hanbal.
Ele adquiriu uma apreciação profunda pela importância dos hadiths e pela metodologia jurídica durante seu tempo com Al-Shafi.
No entanto, Ahmad ibn Hanbal seguiu um caminho que enfatizava ainda mais a adesão estrita ao texto dos hadiths, priorizando o consenso dos companheiros do Profeta (sahaba) ao invés do raciocínio analógico quando possível, diferenciando-se assim do seu mentor.
Ibn Hanbal é talvez mais conhecido por sua compilação de hadiths, conhecida como "Musnad Ahmad ibn Hanbal", uma das maiores e mais respeitadas coleções de hadiths no Islam.
O "Musnad Ahmad" contém cerca de 30.000 relatos individuais. A vasta quantidade de hadiths abrange uma ampla gama de temas, incluindo jurisprudência, ética, história, e práticas religiosas.
Ahmad ibn Hanbal foi meticuloso em sua coleta e verificação dos hadiths. Ele priorizou a cadeia de transmissão e a confiabilidade dos narradores.
No entanto, é importante notar que, ao contrário de coleções como Sahih Bukhari e Sahih Muslim, o "Musnad" não se limita apenas a hadiths considerados sahih (autênticos); ele também inclui relatos de variados graus de autenticidade.
O objetivo do seu compilado era listar a maior quantidade de sunnahs possíveis para os estudiosos.
Esta obra monumental é altamente valorizada por sua abrangência e pela meticulosidade na seleção dos hadiths considerados autênticos.
Durante o califado abássida, surgiu uma controvérsia teológica conhecida como a "Mihna", que girava em torno da questão da criação do Alcorão.
Os Mutazilas, um grupo racionalista, afirmavam que o Alcorão era criado e não eterno. Ibn Hanbal, defendendo a crença tradicional de que o Alcorão era coeterno com Deus, recusou-se a concordar com a visão Mutazila, apoiada pelo califa abássida al-Mamun.
Sua firme resistência à pressão do califado, mesmo sob tortura e prisão, ganhou-lhe grande estima e admiração em toda a comunidade muçulmana.
A situação começou a mudar após a morte do califa al-Wathiq em 847 d.C. e a ascensão de seu irmão, al-Mutawakkil, ao califado.
Al-Mutawakkil tinha uma visão menos favorável às doutrinas Mutazilitas e estava mais inclinado a adotar uma abordagem ortodoxa.
Al-Mutawakkil efetivamente encerrou a Mihna, e isso levou à libertação de Ahmad ibn Hanbal.
A escola Hanbali de pensamento, que enfatiza a primazia do Alcorão e dos hadiths sobre a racionalização e a analogia na interpretação da lei islâmica, foi profundamente influenciada por Ibn Hanbal.
Ibn Hanbal morreu em 855 d.C. em Bagdá. Sua morte marcou o fim de uma era, mas seu legado continua a influenciar o pensamento e a prática islâmicos até os dias de hoje.
Ele é lembrado não apenas por sua erudição, mas também por seu caráter e integridade, servindo como um modelo para muçulmanos em todo o mundo.
Embora tenha surgido em Bagdá, a escola Hanbali acabou desaparecendo da cidade devido à expansão da influência xiita.
Sua difusão se deve principalmente ao estabelecimento de centros educacionais que ensinavam a jurisprudência Hanbali.
Acabou sendo difundida para vários países, sobretudo árabes, como os territórios que hoje fazem parte da Síria, Palestina, Egito, Iraque e Arábia Saudita.
A escola Hanbali, no entanto, nunca foi predominante em nenhum país, como é o caso das outras três jurisprudências sunitas.
A influência Hanbali nos juristas da atual Arábia Saudita é considerável, porém, não se pode considerá-los em sua maioria como adeptos da escola do Imam Ahmad ibn Hanbal, mas sim da doutrina wahhabi ou salafista.
Os wahhabis valorizam determinados aspectos da teologia literalista e da jurisprudência Hanbali, mas rechaçam outros de forma irreconciliável, portanto, não são partes da mesma escola.
O Alcorão e a Sunnah do Profeta Muhammad são as principais fontes para garantir embasamento jurídico.
Após o Alcorão e a Sunnah, a escola Hanbali dá ênfase ao consenso dos companheiros (sahabas) do Profeta Muhammad sobre determinado assunto.
Se não houver consenso, então a preferência é de qualquer opinião de um ou alguns companheiros que não houver oposição a ela.
Caso haja disputa de opiniões entre dois ou mais companheiros, a escola dará prioridade a aquela que estiver mais próxima do Alcorão e da Sunnah.
Quando não houver consistência sobre um determinado assunto, pode-se recorrer aos relatos do Profeta Muhammad (hadith) cuja a cadeia de transmissão é pouco confiável.
A razão para usar esse artifício é simples: é melhor se basear em uma evidência profética, ainda que pouco confiável, do que em uma opinião pessoal.
Embora a escola Hanbali enfatiza menos o uso da analogia para vereditos jurídicos do que as outras jurisprudências, este recurso pode ser utilizado quando os outros se esgotarem.
Da mesma forma que não há predominância da escola Hanbali em nenhum país, o mesmo ocorre com ordens sufis.
No entanto, podemos destacar o papel da Ordem Qadiriyya, que foi fundada com base nos princípios jurídicos da escola Hanbali por Abdul Qadir al-Jilani, atraindo outros juristas importantes da escola, como Ibn Taymiyyah, Ibn al-Qayyim e Ibn Qudamah.
Pode-se considerar que há presença de membros Hanbali em diversas tariqas (ordens sufis) presentes no mundo árabe.
Um exemplo é o próprio Muhammad Hayyat al-Sindhi, que foi um dos professores de Muhammad ibn Abdul Wahhab, era um Hanbali membro da ordem Naqshabandi.
Al-Hallaj, uma figura notória e controversa do sufismo que também seguia a escola Hanbali. A tariqa de qual ele fazia parte é motivo de controvérsia, embora reivindicada por algumas delas, como é o caso da ordem Bektashi.
O wahhabismo se apropria de parte significativa da metologia jurídica Hanbali e da teologia literalista (athari) que é adotada de forma predominante pelos adeptos desta escola.
Essa proximidade entre os dois faz com que muitas vezes o wahhabismo se aproprie da escola Hanbali e seja confundido com ela, mas em um ponto de vista da ortodoxia, há diferenças claras entre os dois.
Os wahhabis de modo geral rechaçam a necessidade de uma jurisprudência ou ao menos minimizam muito mais do que os ortodoxos da escola Hanbali.
Enquanto o Alcorão, a Sunnah e o Ijma são recursos para a metodologia Hanbali, para os wahhabis são as próprias justificativas para dispensar a necessidade de uma jurisprudência.
Ou seja, a interpretação dos sábios acaba se tornando algo secundário ou até mesmo dispensável e, na prática, isso abre espaço para interpretação pessoal, algo que é rechaçado na ortodoxia Hanbali.
Embora os primeiros wahhabis não considerassem o sufismo como algo propriamente herético, este é um pensamento normativo entre os entusiastas de Ibn Abdul Wahhab nos dias atuais, e é impulsionado pelo foco excessivo em não praticar o que está fora das fontes primárias.
Este posicionamento nunca foi algo convencional entre os sábios da escola Hanbali que aceitavam o tasawwuf (sufismo) como uma ciência islâmica e até integravam tariqas, como já vimos anteriormente.
A teologia literalista é abordada de modo muito diferente por ambas partes. Os Hanbali quando se vêem em uma controvérsia teológica, eles aplicam o conceito de Bila Kayf, que pode ser traduzido como "sem perguntar como".
Através deste conceito, eles evitam interpretar versículos que, se interpretados ao pé da letra, podem ser entendidos como antropomorfismo de Allah, ou que Allah está em um determinado local, o que é proibido de ser afirmado no Islam, pois isso implica em limitação.
Esta ressalva não é feita pelos wahhabis, que fazem afirmações literalistas ao pé da letra, com isso, versos como os que falam que Allah está em seu trono acima dos céus, ou sobre as mãos de Allah são muitas vezes entendidos de forma literal.
Os Hanbali não consideram as diferenças teológicas e jurídicas com outras escolas como interpretações heterodoxas, mas os wahhabis frequentemente consideram Asharis, Maturidis e sufis como inovadores e incrédulos.
Por essas e outras razões, os Hanbali fazem parte da ortodoxia sunita, mas os wahhabis não.
A escola Hanbali, uma das quatro principais escolas de jurisprudência dentro do Islã sunita, ocupa um lugar de destaque na história e na prática do Islam, principalmente devido ao profundo impacto do seu fundador, Imam Ahmad Ibn Hanbal.
Esta escola é notória por sua aderência aos textos fundamentais do Islam - o Alcorão e os Hadiths - e considerada mais conservadora por não levar tanto em consideração outros recursos além das fontes primárias, como ocorre em outras escolas.
Imam Ahmad Ibn Hanbal, com sua erudição excepcional e dedicação à autenticidade dos hadiths, estabeleceu um legado duradouro que continua a moldar o pensamento islâmico.
Seu compromisso inabalável com os princípios do Islam durante o período da Mihna, onde resistiu firmemente à pressão política e teológica, cimentou sua reputação como um defensor da fé e da tradição autêntica.
A escola Hanbali destaca-se pela sua ênfase na autoridade incontestável dos textos sagrados e pela cautela no uso de raciocínio analógico e opinião pessoal em questões religiosas.
A escola Hanbali, portanto, não é apenas uma tradição jurídica, mas também um emblema da fidelidade à tradição islâmica e ao exemplo do Profeta Muhammad.
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