Escola Shafi: Um Resumo de sua História e Metodologia

• A escola Shafi possui uma metodologia revolucionária, que utiliza os hadiths e o consenso dos sábios como base jurídica.

• Esta metodologia foi desenvolvida pelo imam que deu nome à escola, Al-Shafi, que estudou jurisprudência Maliki e Hanafi.

• A escola Shafi pode ser considerada mais rigorosa por suas bases interpretativas, mas ela divide elementos fundamentais com as demais.

• Ela hoje é seguida na África Oriental, e países como Iêmen, Indonésia e Malásia.

 

A Escola Shafi de jurisprudência islâmica é uma das quatro escolas de jurisprudência dentro do Islam sunita Fundada por Imam Al-Shafi (767-820 d.C.), um renomado estudioso islâmico e jurista

Esta escola desempenhou um papel significativo no desenvolvimento do pensamento jurídico islâmico ao longo da história. 

A Escola Shafi tem suas próprias interpretações e metodologias para a aplicação da lei islâmica (sharia) e é seguida por uma considerável parcela da população muçulmana, principalmente na região da Península Arábica, partes do Sudeste Asiático e África Oriental. 

Neste texto, exploraremos as principais características e influências da Escola Shafi, bem como seu impacto na vida cotidiana dos muçulmanos que a seguem.

Origens da Escola Shafi

Imam Al-Shafi nasceu em Gaza, na Palestina, em 767 d.C. Ele pertencia à tribo Quraysh, a mesma tribo à qual o Profeta Muhammad pertencia. 

Desde jovem, ele mostrou grande aptidão para a aprendizagem e memorização do Alcorão e dos hadiths (ditos e ações do Profeta Muhammad). Ele estudou com vários professores respeitados em sua juventude.

Al-Shafi viajou extensivamente em busca de conhecimento islâmico. Ele estudou em Meca, Medina, Iraque e Egito, onde teve a oportunidade de aprender com os principais estudiosos de sua época. 

Al-Shafi estudou com Imam Malik, fundador da escola Maliki, por um período de tempo considerável e absorveu muito de seu conhecimento e métodos de interpretação jurídica. 

A influência de Imam Malik foi tão significativa que Al-Shafi costumava dizer: "Todo estudioso de jurisprudência é um dependente de Imam Malik em jurisprudência até o Dia do Juízo."

Ele também aprendeu sobre jurisprudência Hanafi em Bagdá, com al-Shaybani, um importante jurista Hanafi. Esta influência pode ser percebida na adoção de qiyas (analogia) como parte de sua metodologia jurídica.

Além disso, ele reconheceu a importância do Alcorão e dos hadiths autênticos como fontes fundamentais da lei islâmica e enfatizou o consenso dos sábios como base jurídica, algo revolucionário que sistematizou as jurisprudências islâmicas de forma coerente. 

Essas contribuições e diferenciações acabaram levando à formação da Escola Shafi de jurisprudência.

Ele escreveu sua obra mais famosa, "Al-Risala" (O Livro da Mensagem), onde estabeleceu princípios para a interpretação da sharia, enfatizando a importância do Alcorão, dos hadiths autênticos e do consenso dos estudiosos como fontes autorizadas da lei islâmica.

Imam Al-Shafi faleceu em 820 d.C. no Egito, deixando um legado duradouro como um dos mais importantes juristas islâmicos e fundador de uma das quatro principais escolas de jurisprudência islâmica.

Difusão da Escola Shafi Pelo Mundo Islâmico

A difusão da Escola Shafi ao longo da história islâmica foi influenciada por vários fatores, incluindo a migração de estudiosos, a aceitação por comunidades locais e fatores políticos.

A Escola Shafi ganhou uma forte presença no Egito e na região do Levante (incluindo a Síria e a Palestina) desde os primeiros tempos do Islam. 

Essa difusão foi em parte devido à influência de estudiosos Shafi, como Al-Muzani, que se estabeleceram nessas áreas e compartilharam as ideias da escola.

A Península Arábica, berço do Islam, também abraçou a Escola Shafi, especialmente em regiões como o Iêmen, onde a escola tem uma forte presença até os dias de hoje.

 A migração de estudiosos Shafi e a aceitação da escola pelas comunidades locais contribuíram para sua difusão na região.

A Escola Shafi é prevalente em muitos países do Sudeste Asiático, como Indonésia, Malásia e partes das Filipinas. 

Essa disseminação ocorreu em grande parte através do comércio e das interações culturais com o mundo muçulmano, bem como por meio de missionários e estudiosos que trouxeram a tradição Shafi para a região.

Países como Somália, Djibuti, Eritreia, e partes do Quênia e da Tanzânia também abraçaram a Escola Shafi. 

A migração de estudiosos e a influência do comércio e do Islam ajudaram na difusão da escola nessa parte da África.

Metodologia da Escola Shafi

Fontes da Lei

• Alcorão: A Escola Shafi considera o Alcorão Sagrado como a fonte primária da lei islâmica. Todos os ensinamentos do Alcorão têm precedência sobre qualquer outra fonte.
• Hadith: Os hadiths autênticos (ditos e ações do Profeta Muhammad) têm um papel crucial na Escola Shafi. Al-Shafi foi o primeiro a defender a autoridade dos hadiths como base para a tomada de decisões legais.

Qiyas (Analogia)

A Escola Shafi reconhece o uso do qiyas como um método válido de dedução legal.

Isso significa que, quando uma questão não é diretamente abordada no Alcorão ou nos hadiths, os estudiosos da Escola Shafi podem fazer analogias com base em questões semelhantes que já foram tratadas nas fontes primárias da lei.

Ijma (Consenso)

O consenso dos estudiosos muçulmanos é uma fonte importante de autoridade na Escola Shafi. 

Quando há um acordo unânime entre os estudiosos sobre uma questão legal, isso é considerado uma autoridade legal definitiva.

Ijtihad (Análise Independente):

Al-Shafi permitiu certa flexibilidade no ijtihad, que é a interpretação e aplicação independentes da lei islâmica. No entanto, ele defendia que o ijtihad deveria ser guiado pelos princípios do Alcorão, dos hadiths autênticos e do qiyas.

Rejeição ao Istihsan (Preferência):

A Escola Shafi rejeita o conceito de istihsan, que é a preferência por uma interpretação ou decisão legal que seja considerada mais justa ou benéfica em uma situação particular, pois não estritamente baseada nas fontes tradicionais da lei islâmica.

Rejeição ao Istislah (Interesse Público)

A consideração do bem-estar público e dos interesses da comunidade (maslaha) é um aspecto descartado na metodologia Shafi, pois o Imam al-Shafi não reconhecia bases jurídicas para tal.

Rejeição do Ray (Opinião pessoal)

Uma característica distintiva da Escola Shafi é a rejeição do ray, que se refere à opinião pessoal ou especulação arbitrária dos juristas. 

Al-Shafi defendia que as decisões legais devem ser fundamentadas em evidências concretas das fontes primárias da lei, por isso rejeitou os três últimos elementos que citamos.

Alguns Posicionamentos Característicos da Escola Shafi

Direção da oração

Em geral, as outras escolas islâmicas determinam que se não houver modos de definir a direção da oração de forma exata ou aproximada, é permitido orar em qualquer direção. 

Isso não ocorre na escola Shafi, e se alguém que segue essa jurisprudência não conseguir determinar a direção da qiblah, ainda que seja aproximada, ela precisará repor esta oração depois.

Toque em pessoas do sexo oposto

Na escola Shafi, tocar uma pessoa adulta do sexo oposto que não seja um parente próximo (não inclui cônjuge) anula a pureza ritual (wudu).

Outras escolas podem levar em consideração se houve intenção no toque, ou se houve objetivo de buscar prazer no toque, no entanto a escola Shafi não leva em conta essas nuances.

Produtos com álcool

A escola Shafi considera qualquer tipo de álcool como impuro ritualmente, isso torna as regras sobre pureza muito difíceis de serem seguidas nos tempos modernos. 

O problema é que uma forma que o álcool está disponível - o etanol- que está presente em estágio desnaturado em uma série de produtos, como: sucos de frutas, tintas, corantes, produtos de limpeza para as mãos, sabonetes, cremes e loções.

Por causa disso, muitos juristas Shafi nos tempos modernos tendem a não seguir a opinião majoritária da escola, apenas fixam a regra de se evitar o máximo possível de produtos que contenham qualquer forma de álcool, ainda que sua finalidade não seja bebê-lo.

Saliva de cães

A escola Shafi, além de considerar a saliva do cão como uma impureza ritual, ainda prescreve que o local tocado pela saliva seja lavado sete vezes, uma delas com areia.

Quando não há disponibilidade de areia, ela pode ser substituída por sabão.

Importantes Juristas da Escola Shafi

• Imam Al-Shafi (767-820 d.C.): Fundador da Escola Shafi, Imam Al-Shafi é uma figura central na jurisprudência islâmica. Suas obras, como "Al-Risala," serviram de base para o desenvolvimento dessa escola.
• Al-Muzani (791-878 d.C.): Um dos principais alunos de Imam Al-Shafi, Al-Muzani desempenhou um papel importante na disseminação das ideias da escola e na elaboração de seu sistema jurídico.
• Ibn Abi Zayd al-Qayrawani (922-996 d.C.): Ibn Abi Zayd foi um destacado jurista Shafi do norte da África. Sua obra "Al-Risala" é uma compilação das opiniões da escola e ainda é estudada amplamente hoje.
• Al-Ghazali (1058-1111 d.C.): Embora Al-Ghazali também fez contribuições significativas para a jurisprudência islâmica, especialmente na tradição Shafi.
• Al-Nawawi (1233-1277 d.C.): Imam Al-Nawawi é famoso por sua compilação dos "Quarenta Hadiths de Nawawi," que são considerados uma coleção essencial de hadiths autênticos. Ele também escreveu comentários importantes sobre as obras de Imam Al-Shafi.
• Ibn Hajar al-Asqalani (1372-1449 d.C.): Ibn Hajar foi um renomado estudioso Shafi e um especialista em hadiths. Sua obra "Fath al-Bari" é uma das mais respeitadas explicações do Sahih al-Bukhari, uma coleção de hadiths.
• Ibn Kathir (1301-1373 d.C.): Ibn Kathir é conhecido por suas obras históricas e exegéticas do Alcorão, mas também era um jurista Shafi e contribuiu para a jurisprudência islâmica.
• Ibn Qudamah al-Maqdisi (1147-1223 d.C.): Embora tenha nascido em Jerusalém, Ibn Qudamah era um seguidor da Escola Shafi e é lembrado por suas obras jurídicas e teológicas, incluindo "Al-Mughni," um tratado sobre jurisprudência.

Ordens Sufis Adeptas da Escola Shafi

• Tariqa Qadiriyya: Embora a Tariqa Qadiriyya não esteja diretamente associada a uma escola jurídica específica, adeptos da escola Shafi são predominantes nesta tariqa em locais como Indonésia ou na África Oriental.
• Tariqa Rifaiyya: A Tariqa Rifaiyya é uma ordem sufi que tem raízes na Península Arábica e é conhecida por atrair muitos seguidores da Escola Shafi, devido à sua influência predominante em regiões como o Egito e outros locais da África.
• Tariqa Balawi: A Tariqa Balawi é uma ordem sufis de grande importância no Iêmen, e se expande para além de suas fronteiras, para locais como a Indonésia e África do Sul, onde também predominam a escola Shafi.

Conclusão

A Escola Shafi de jurisprudência islâmica é uma das quatro escolas de pensamento jurídico islâmico sunita e desempenha um papel fundamental na interpretação e aplicação da lei islâmica (sharia). 

A importância do Imam Al-Shafi, o fundador desta escola, é imprescindível, pois ele desempenhou um papel pioneiro no desenvolvimento de uma metodologia jurídica coerente e sistemática dentro do Islam.

Imam Al-Shafi foi um erudito islâmico notável que buscou consolidar a jurisprudência islâmica em um sistema lógico e claro. 

Sua obra mais famosa, "Al-Risala," estabeleceu os princípios fundamentais da Escola Shafi e delineou métodos para a interpretação e aplicação da sharia. 

Sua ênfase na importância do Alcorão, dos hadiths autênticos, do consenso dos estudiosos (ijma), da analogia (qiyas) e do ijtihad influenciou profundamente a abordagem jurídica de sua escola e a tornou uma das mais respeitadas tradições jurídicas no mundo muçulmano.

A Escola Shafi continua a ser seguida por muitos muçulmanos em várias partes do mundo, incluindo a Península Arábica, partes do Sudeste Asiático e África Oriental. 

Sua metodologia jurídica enfatiza uma abordagem rigorosa e fundamentada nas fontes primárias da lei islâmica, enquanto também reconhece a importância de princípios como o consenso e a analogia. 

Isso fornece um quadro sólido para a tomada de decisões legais, mantendo a flexibilidade para se adaptar às mudanças sociais e culturais ao longo do tempo.

Portanto, a Escola Shafi e o legado do Imam Al-Shafi continuam a influenciar profundamente a vida cotidiana dos muçulmanos que a seguem, fornecendo orientação jurídica e ética, bem como uma base sólida para o estudo e a prática do Islam. 

Links Para Leitura

• Imam al-Shafi’i era contra o Sufismo?
• A Mentora Espiritual do Imam Shafi’i
• Série sobre a história do Imam Ahmad Ibn Hanbal chega ao Brasil