Em um país como o Brasil, onde a comunidade muçulmana representa uma parcela pequena da população, é difícil imaginar que há artistas muçulmanos profissionais fazendo trabalhos com ricas referências e grande significado religioso. No entanto, as redes sociais revelaram três mulheres que usam critério estético e abusam da criatividade para criar obras que encantam o público.
As referências vão desde o clássico até o contemporâneo, mas a presença e o amor pelo Islam são comuns a todas elas. As obras são uma forma de inspirar muçulmanos com o legado artístico da religião, que é uma das grandes heranças culturais dos países islâmicos e, em alguns casos, são também uma forma de atrair os olhares de não-muçulmanos para as belezas desta tradição.
Farhah Gomes, 26, é muçulmana convertida nascida em São Paulo e, durante muitos anos, teve interesse pela arte e principalmente por mandalas. Quando entrou para o Islam, se encantou com as artes e a tradição da religião e começou a se aprofundar nos estudos e na criação de obras com esta estética.
“Fiz cursos da professora Samira Mian, da Inglaterra. Depois, fiz várias aulas com a professora Amina Quraishi, que vive em Seattle, e ainda estou estudando com ela. O estudo dessas artes é algo constante e gradual. Acredito que sempre estarei aprendendo algo novo, mesmo quando já tiver anos de experiência”, afirma Farhah.
Atualmente, a principal referência dela é a estética da antiga Andaluzia do período Nasrid, cujos princípais registros ainda embelezam o castelo de Alhambra, na Espanha. Essas expressões refletem um período de imensas contribuições artísticas dos muçulmanos que se tornaram um dos marcos daquele povo na Europa.
Sandalha do Profeta, um dos trabalhos mais populares de Farhah
“As artes tradicionais islâmicas englobam toda uma gama de estilos dentro das suas três bases principais de estudo e criação, sendo esses a caligrafia, a geometria e a iluminura. Desse modo, estou voltando todo o meu foco para o aprendizado dessas bases e suas vertentes de estilo, que acredito já oferecerem material suficiente para uma vida de estudos”, conta Farhah.
Ela planeja ministrar cursos e aceitar encomendas em um futuro próximo. Entre seus trabalhos, destaca uma arte que fez para a capa de um livro da Editora Bismillah que ainda não foi lançado. Suas obras possuem vários detalhes que chamam a atenção, tanto pelas cores, como pelas formas geométricas e riqueza de detalhes.
Entre os que mais despertam a curiosidade do público, ela destaca a Sandalha do Profeta Muhammad, uma representação repleta de significados que exaltam a grandiosidade do Mensageiro de Allah. Ela também ilustra padrões geométricos islâmicos e já fez uma obra com o nome de Muhammad em caligrafia árabe em um estilo típico da região do Magrebe.
Nome do Profeta Muhammad em caligrafia árabe no estilo da região do Magrebe
Ao usar o Islam como expressão artística, é difícil deixar de lado o rico legado desta tradição que influenciou tantos artistas ao longo da história. Esta referência também é parte do trabalho de Maryam Souza, 27. Ela nasceu em Salvador, no estado da Bahia, se converteu ao Islam no ano de 2012 e sempre teve amor por artes plásticas.
No ano de 2020, ela começou a trabalhar como artista profissional e passou a mostrar alguns de seus trabalhos no Instagram. O trabalho encantou o público pela riqueza de cores e detalhes e muitos muçulmanos a procuraram para adquirir seus trabalhos, que também possuem grande significado religioso.
“Expressar minha fé através da arte foi a maneira que encontrei de expor meus sentimentos. Além disso, respeitar as regras e limites do Alcorão e da Sunnah é uma maneira de expressar minha fé. Eu sempre tomo muito cuidado para não ultrapassar os limites islâmicos através do meu trabalho, já que, muitas vezes, a arte com cunho religioso pode tender a se tornar uma forma de idolatria”, diz Maryam.
Profissão de fé islâmica pintada por Maryam
Suas influências são diversificadas: desde a artista iraniana Borna Manesh, que possui um trabalho voltado para arte clássica islâmica e com grande foco na estética persa, até artistas como Adam Williamson, que tem um grande apelo tradicional, mas cujo trabalho possui uma abordagem que muitas vezes é bastante contemporânea.
As cores vibrantes da Pérsia e a estética clássica sob o olhar de uma artista do século XXI se destacam no trabalho de Maryam. Além de obras de profundo significado religioso, contendo o nome de Allah, do Profeta Muhammad e a profissão de fé islâmica, há outros trabalhos que destacam as belezas do Islam.
Um de seus trabalhos mais populares foi uma homenagem à Palestina em que a famosa mesquita de Al Aqsa, um dos maiores cartões postais de Jerusalém, aparece contornada pelas fronteiras reivindicadas pelos palestinos. Seu estilo notável lhe rendeu 19 vendas desde o período em que começou a atuar profissionalmente.
Mesquita Al-Aqsa pintada por Maryam
As expressões artísticas, muitas vezes, são uma forma de mostrar os dilemas e a vida das muçulmanas brasileiras. Este é o caso de Alessandra Lopes, que nasceu em Boa Vista, no Estado de Roraima. Ela também é muçulmana convertida desde 2019 e, há três anos, trabalha com arte profissionalmente, lidando com uma estética contemporânea e tratando de temas abrangentes do cotidiano.
Ela estudou design gráfico na Rússia, mas não concluiu o curso, e também fez um curso de ilustração no Sesc Glória, no Espírito Santo. Suas principais referências são artistas que possuem uma proposta semelhante à sua, como Anja Watercolor, que é da Indonésia e reside na Inglaterra, a quadrinista americana Huda F. e a ilustradora Mariam Aldacher, dos Estados Unidos.
Suas técnicas são a aquarela, a pintura a óleo e a arte digital e, apesar de não retratar assuntos islâmicos em todas suas obras, quando este tema é abordado, ela sempre trata de temas sensíveis à maioria das muçulmanas e leva conhecimento desta realidade para pessoas que seguem outras religiões para sensibilizá-las e, também, como uma forma de proselitismo (dawah).
Alessandra exibindo algumas de suas obras
Além das telas e designs, ela também faz diversos quadrinhos para suas redes sociais.
“As tirinhas são as mais famosas. Acho que é porque as pessoas se relacionam com o assunto abordado e se identificam”, afirma Alessandra. “Há coisas que eu posto que são justamente para explicar aos não-muçulmanos a sabedoria por trás de nossas práticas”, conclui a artista.
Os assuntos tratados na arte de Alessandra muitas vezes são mais pertinentes ao público feminino, fazendo com que o seu público seja majoritariamente de mulheres. “Eu acho que é porque minha arte tem um tom mais feminino devido à minha paleta de cores”, afirmou. Devido aos temas tratados, ela enfrenta algumas invasões com comentários preconceitusos, mas afirma que isso não a abala.
Um dos quadrinhos de Alessandra
Seu trabalho já atraiu mais de 3,6 mil seguidores em sua página no Instagram. Ela também já vendeu duas obras originais e já fez várias outras artes sob encomenda. “Eu considero as minhas tirinhas uma forma mais descontraída de fazer dawah. A pessoa pode adquirir informação estando em casa, sentada no sofá”, conclui Alessandra.
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