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Muçulmanos Estão exterminando os Cristãos na Nigéria?

Personalidades sionistas afirmam que os muçulmanos estão massacrando os cristãos na Nigéria, mas qual é a realidade por trás desses fatos? Veja mais.
  • Os pastores de gado na Nigéria são, em sua maioria, pertencentes à etnia fulani, que é predominantemente islâmica.
  • Nas últimas décadas, este grupo testemunhou uma queda abrupta de terras disponíveis para a pastagem de gado.
  • Isso causou uma disputa por terras com os agricultores de outras etnias e, atualmente, este é o principal fator de casos de violência na Nigéria.
  • Embora o conflito seja agravado pelas diferenças culturais e religiosas, a razão por trás dele se deve meramente ao problema das terras.

No dia 28 de novembro de 2023, o porta-voz do governo israelense Hananya Naftali afirmou que 52 mil cristãos foram mortos nos últimos 14 anos por muçulmanos na Nigéria, mas não citou nenhuma fonte para embasar sua fala.

Na tentativa de justificar os ataques israelenses contra Gaza, outros veículos pró-sionistas começaram a repercutir os capítulos mais recentes do conflito étnico na Nigéria, como o caso do veículo de extrema-direita polonês Visegrád 24, que mostrou os protestos dos cristãos nigerianos em Londres no dia 10 de janeiro.

O drama dos cristãos da Nigéria poderia ser uma excelente oportunidade para que o mundo conhecesse mais de perto os problemas deste que é um dos mais importantes países da África.

No entanto, a situação dessas pessoas está sendo usada como mais uma massa de manobra para justificar a brutalidade contra os muçulmanos.

A estratégia é simples: desumanizar os seguidores do Islam através de campanhas que mostrem o quanto eles são violentos e inimigos de uma sociedade harmoniosa, o que justificaria outros ataques como o que Israel promove da Palestina.

Essas notícias, no entanto, ignoram propositalmente que a raiz do problema que ocorre principalmente nas zonas rurais da Nigéria pouco tem a ver com a religião e se relaciona com a escassez de terras para o cultivo.

Há pouco mais de um século, o Islam já estava estabelecido na atual região da Nigéria, no entanto, a situação não era violenta como hoje e apenas este fato já seria o suficiente para mostrar que a narrativa anti-islâmica é falsa.

A Origem dos Fulani

Os fulanis compõem uma etnia majoritariamente islâmica e que compreende a principal parcela do pastoreio de gado na Nigéria, uma atividade tradicional que já dura séculos entre este grupo.

Eles vivem predominantemente nas áreas semiáridas em toda a região norte do país até a região central e precisam usufruir das pastagens para poder alimentar o gado e conseguir sobreviver desta função.

Esse povo fica muito restrito a colonizar determinadas áreas, pois mais ao norte o clima é desértico e mais ao sul há proliferação de doenças que prejudicam o rebanho, como a presença de moscas tsé-tsé.

Junto a fatores ecológicos, eles conseguiram se assentar em algumas áreas ao leste do país por causa de laços culturais com outros povos muçulmanos, como os de etnia iorubá.

Isso permitiu o estabelecimento de relações comerciais, o que é bem menos comum entre povos nos quais o Islam não possui muito apelo, como no caso dos igbos, o que torna essas comunidades mais suscetíveis a conflitos.

Há também outros assentamentos mais modernos que começaram a ocorrer a partir da década de 1960, em que proprietários Iorubás trouxeram fulanis para cuidar dos gados de sua propriedade e estabeleceram vínculos trabalhistas por meio de contratos que garantem a eles uma parte da cria e das produções.

Desde então, esses homens se tornaram fazendeiros de pequenos rebanhos e esses assentamentos continuam sendo estabelecidos até os dias atuais.

Razões do Extremismo Fulani

O extremismo fulani ocorre por uma série de razões, mas a maior parte delas está relacionada às mudanças sociais ocorridas entre o período pré -colonial e após a independência.

A perda de terras fulani nas planícies ao leste da Nigéria

Uma das primeiras rixas por terra foi observada no período pré-colonial, ainda no século XIX, pois as planícies entre a Nigéria e o Camarões eram colonizadas pelo povo mambila, enquanto os fulani buscavam conquistar novas terras para a pastagem do gado.

Entre o final do século XIX e quase todo o século XX, a influência fulani na planície foi dominante devido à falta de fiscalização das autoridades tanto no período colonial quanto na época da conquista da independência.

Quando a Nigéria alcançou a democracia, em 1979, os tribunais que antes costumavam emitir decisões favoráveis aos fulani começaram a revogar os certificados de ocupação das terras em favor do povo mambila.

Isso provocou as primeiras ondas de violência fulani nos anos 1980 e 1990 e a situação evoluiu nas décadas seguintes.

A perda de rotas migratórias do pastoreio fulani

Os fulani dependiam de rotas de imigração para garantir o pastoreio do gado. Por isso, faziam acordos com autoridades locais ao longo da rota para garantir a sua locomoção.

Isso assegurava que, se o gado prejudicasse a colheita, haveria um comitê que garantia que o problema fosse resolvido sem violência.

A partir da década de 1970, o governo nigeriano começou a tirar o poder das autoridades locais, que determinavam o local da pastagem para o gado em terras abandonadas ou não utilizadas.

Isso basicamente suspendeu o acordo entre agricultores e pastores, fazendo com que os primeiros demandassem cada vez mais terras cultiváveis e acabando com a rota do pastoreio.

Os fulani criaram novas rotas mais ao sul, o que também demandava contato com novas propriedades. Porém, os fulani não tinham nenhum elo de confiança com esses agricultores, pois não os conheciam.

À medida que o gado começou a vagar por essas novas propriedades, o atrito entre os fulanis e os agricultores dessas comunidades começou a crescer.

Paralelo a isso, a perda de rotas também pode ser atribuída aos novos métodos de irrigação de terra, que permitiu a expansão das fazendas de arroz e hortaliças para locais que antes eram utilizados para a pastagem na região sul durante o período de seca, sem que houvesse nenhum acordo entre as partes envolvidas, o que também causou incidentes.

Complicadores do problema

Além da competição por terras e do fim das rotas de pastoreio, a crise ficou ainda pior com o acesso das comunidades rurais às armas de fogo, o que tornou os conflitos altamente destrutivos.

A falta de territórios para o pastoreio é agravada por causa do efeito estufa, que torna o clima do semiárido ainda mais hostil e reduz a porção de terrenos férteis para a pastagem.

O governo nigeriano não consegue propor soluções para a situação e a falta de arbitragem nas zonas rurais facilita a propagação do problema.
A receita que envolve o desespero dos pastores, as disputas com os agricultores com idioma e culturas diferentes, a falta de acordos, o acesso às armas de fogo e a falta de soluções do governo resulta no problema que há atualmente.

Hostilidades Entre Pastores e Agricultores

São diversos os episódios de agressões entre pastores e agricultores. De acordo com um relatório de 2018 da Anistia Internacional, mais de 3600 pessoas morreram devido ao conflito nos últimos três anos.

Este já é o principal fator de violência na Nigéria, superando até mesmo os ataques do Boko Haram (este, sim, podemos afirmar que possui razões religiosas como principal fator para o uso da violência). O grupo fundamentalista, no entanto, não possui relação com o fenômeno que estamos descrevendo.

Embora o extremismo de milícias fulani esteja bem documentado, grupos cristãos ocidentais tentam acusar as etnias majoritariamente islâmicas de deterem o monopólio da violência.

No entanto, há episódios de violência igualmente catastróficos contra os próprios fulani. 

Como exemplo, um deles foi registrado no relatório da Anistia Internacional e ocorreu entre os dias 26 e 28 de abril de 2018 nas aldeias de Yerimaru, Kachalla-sa e Wuro-Alhaji, além da cidade de Nguroje.

Nesses ataques, pelo menos 141 fulani e origem islâmica morreram em agressões perpetradas pelo povo mambila. Este número, no entanto, pode ser bem maior.

Uma testemunha do caso relatou à Anistia que uma mulher grávida foi degolada durante o ataque, sua barriga foi aberta e o bebê também foi degolado. Outro homem teria sido morto em frente à mesquita onde costumava orar. 

Casos de ataques a indivíduos da tribo fulani também são recorrentes segundo o relatório da Anistia, bem como o roubo de gados utilizados no pastoreio.

Outro ataque contra os fulani que pode ser utilizado como exemplo da violência sofrida por este grupo ocorreu na aldeia Bidda, no estado de Adamawa, onde 27 pessoas foram mortas e mais de 200 casas foram queimadas.

Dados da ONG Muslim Rights Concern, divulgados em 2022, indicam que cerca de 32 mil muçulmanos foram assassinados na Nigéria em três anos.

Já a Armed Conflict Location & Event Data Project afirma que quase 3700 cristãos morreram em 2022 no país.

É impossível listar todos os ataques ocorridos entre pastores e agricultores, pois os casos são muito recorrentes.

Mas também podemos dizer que muitos dos responsáveis são membros da etnia fulani. Entre alguns dos ataques, podemos citar como exemplo:

  • Pelo menos 140 pessoas morreram em um ataque atribuído a pastores no estado de Plateau entre os dias 23 e 25 de dezembro, de acordo com a Associated Press.
  • 23 pessoas foram assassinadas em Benue no dia 20 de outubro de 2022 como forma de represália após cinco pastores fulani serem assassinados e terem seus gados roubado no dia 17 de outubro, segundo informações da Agência Anadolu.
  • Nos dias 26 e 27 de janeiro de 2020, 32 aldeões foram assassinados em dois ataques diferentes.
  • No dia 15 de fevereiro de 2019, houve um anúncio que confirmava a morte de 130 pessoas da etnia fulani no estado de Kaduna. O ataque foi uma represália pela morte de 11 pessoas da etnia Adara, tribo predominantemente cristã, em outubro de 2018. As informações foram repassadas pela VOA News em 19 de fevereiro de 2019.

Integrações Entre Fulanis e Outros Povos

Embora o fato de a Nigéria ser um país multiétnico contribua para o aumento do problema, devido às grandes diferenças culturais entre seus distintos povos, não é o caso de afirmar que o conflito desta situação se deve a um supremacismo étnico ou religioso.

Tampouco se pode afirmar que os fulani estão, de modo geral, empenhados em perseguir as outras etnias do país. 

Trata-se de um problema social que os afetou de modo muito particular, mas não há um sentimento generalizado que gerou reações desproporcionais por parte dos agressores.

No entanto, ao mesmo tempo, se observa em diferentes regiões do país que o colapso dos antigos sistemas de pastoreio motivou muitos fulani e buscarem novas alternativas que acabaram resultando em maior integração social a outros povos.

Em comunidades onde os fulani são contratados para cuidar dos gados, eles conseguem se integrar plenamente, e isso acontece em lugares como no oeste de Oyo, em Sooro, e sudeste de Kisi, onde há uma forte relação comercial entre as diferentes etnias.

Tentativas de Solucionar o Problema

Em 2019, o governo nigeriano tentou criar um programa de assentamento para áreas de pastagem, que recebeu o nome de RUGA. 

O programa foi bem avaliado por especialistas e visto como uma boa alternativa para a redução dos conflitos no país, mas acabou sendo descontinuado após fortes críticas da população.

Houve receio de que o governo exercesse influência sobre terras que não lhe pertencessem e uma teoria da conspiração de que o projeto seria uma forma de islamização do país, como mostra reportagem da DW do dia 16 de julho de 2019.

Outra medida foi a Declaração de Asaba, assinada pelos governadores dos estados do sul, que não visava solucionar a disputa entre agricultores e pastores, mas apenas proibir a pastagem aberta de gados nos estados do sul.

A medida foi criticada pela associação dos pastores nigerianos, Miyetti Allah, que a considerou como uma declaração de guerra.

A dificuldade de encontrar um acordo que agrade ambas as partes e a ineficiência do governo em tentar solucionar o problema são alarmantes e o conflito continua se agravando no país.

Sem dúvidas, as diferenças culturais e religiosas e os discursos inflamados são coisas que contribuem para o aumento da violência, mas não se pode dizer que a razão dos conflitos é religiosa.

Conclusão

A acusação de que muçulmanos estão exterminando cristãos na Nigéria é uma simplificação grosseira e oportunista para pintar os muçulmanos e africanos como bárbaros.

A disputa entre agricultores e pastores é um problema antigo motivado pelas disputas de terras cultiváveis.

Este problema há anos está se agravando pelas mudanças sociais e ambientais da Nigéria, que fizeram com que os criadores de gado perdessem vários de seus territórios usados para a pastagem dos animais.

A falta de acordos para resolver o problema levou os pastores a lidarem com um problema enorme da diminuição e até mesmo a falta de perspectiva para poderem trabalhar.

Esses pastores, em sua maioria muçulmanos, se envolveram em conflitos com os agricultores, o que aos poucos evoluiu para hostilidades cada vez mais violentas.

Tanto as comunidades de pastores quanto as de agricultores foram responsáveis por ataques brutais e não se pode dizer que apenas um é o agressor, enquanto somente o outro é a vítima.

O problema foi agravado pelas diferenças culturais presentes entre esses dois grupos, mas a razão do conflito não é motivada pela religião.

Fontes

-BLENCH, Roger. "Conflict Between Pastoralist And Cultivators In Nigeria". Kay Williamson Educational Foundation, 2010.

-"Harvest of Death: Three Years of Bloody Clashes Between Farmers and Herders in Nigeria". Anistia Internacional, 2018.

-"2022 Report on International Religious Freedom: Nigeria". Office of International Religious Freedom, U.S Departament Of State, 2022.

-"Nigeria: The politicized herders and farmers conflict". Gansler, Katrin. DW, 16 de Julho de 2019.

-"Southern Governors' Ban On Open Grazing Is Declaration Of War On Herders —Miyetti Allah". Sahara Reporters. 17 de Maio de 2021.

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