Nenhuma guerra teve um impacto tão grande sobre o Oriente Médio moderno como a Primeira Guerra Mundial, que durou de 1914 a 1918. A guerra marcou o fim do Império Otomano, uma grande potência mundial desde o século XV e a vitória final do imperialismo europeu ocidental. No rescaldo da guerra, quase todo o mundo muçulmano foi ocupado por forças estrangeiras, algo que nunca tinha acontecido antes, nem durante as Cruzadas, a invasão mongol ou a Reconquista espanhola. Um dos aspectos mais importantes (e mais debatidos) da Primeira Guerra Mundial foi a revolta dos árabes contra o Império Otomano. Foi esta revolta uma manifestação de resistência árabe esmagadora contra o Império Turco Otomano ou apenas um pequeno grupo de guerreiros que não representavam o sentimento árabe em geral?
O Império Otomano governou grande parte do mundo árabe desde que o Sultão Yavuz Selim conquistou o império mameluco nos anos 1510. A Síria, Iraque e Egito tinham sido províncias centrais do Estado Otomano durante séculos mas o controle otomano também se estendeu para regiões distantes árabes na Península Arábica e no Norte de África.
Na sua essência, o Império Otomano era um Estado multiétnico. A família governante era turca mas a população era composta de turcos, curdos, gregos, armênios, bósnios, sérvios, persas, árabes e outros. E na maioria das vezes, este império multiétnico não sofria por sua diversidade. Nos anos 1800, no entanto, uma onda de nacionalismo europeu começou a chegar no domínio otomano. Em 1832, os gregos (com forte apoio britânico) conseguiram conquistar a independência dos otomanos. Os sérvios tentaram a seguir, apoiados por armas russas e dinheiro.
O sentimento nacionalista também se espalhou entre os próprios turcos. Muitos jovens estudantes turcos estudaram em cidades europeias como Paris e Londres nos anos 1800 e adotaram ideias europeias de nacionalismo, que era contrária à natureza multi-étnica do Império Otomano. O nacionalismo turco foi abrandado um pouco pelo reinado do Califa Abdulhamid II, que reinou de 1876 a 1908. Ele enfatizou o pan-islamismo e a unidade de assuntos do império baseado em sua filiação religiosa, não suas identidades étnicas.
Mas até mesmo o regime autoritário de Abdulhamid não pode contra a crescente onda de pensamento nacionalista. Um grupo de oficiais educados no ocidente do exército otomano, conhecidos como o Comitê de União e Progresso ou os Jovens Turcos, derrubou Abdulhamid em 1908. Os jovens turcos tomaram o controle do governo otomano e iniciaram um processo de “enturquecimento” do império, ao custo de marginalizar outros grupos do império.
Enquanto isso, as regiões árabes do império não estavam imunes a qualquer nacionalismo. As principais cidades árabes como Damasco, Beirute e Cairo tornaram-se centros de pensamento ocidental, onde o conceito de nacionalismo árabe começou a tomar forma. Eles foram especialmente auxiliados por missionários americanos, que foram incapazes de converter muçulmanos locais ao protestantismo mas conseguiram estabelecer numerosos institutos educacionais que imbuíam um sentimento de identidade nacional entre os estudantes árabes.
É importante notar, entretanto, que enquanto a ideia nacionalista começava a se instalar entre os turcos e árabes ocidentalizados, o nacionalismo era dificilmente uma ideologia dominante. A maioria dos árabes e turcos estavam contentes por fazerem parte de um império multiétnico. Alguns simplesmente exigiam mais autonomia para os grupos étnicos no interior do Estado otomano. Uma grande variedade de crenças nacionalistas existiu mas é seguro dizer que os que defendiam uma ruptura completa da história Otomana e o estabelecimento de estados-nação étnicos eram uma pequena minoria.
As potências européias, no entanto, acreditavam que era apenas uma questão de tempo antes que as tensões étnicas começassem a se tornarem movimentos de independência. Assim, quando a Primeira Guerra Mundial começou no verão de 1914 e estando o Império Otomano do lado oposto à Grã-Bretanha, França e Rússia, os britânicos acharam que poderiam usar o que eles acreditavam ser o sentimento popular árabe para a independência à sua vantagem. Eles acreditavam que o apoio a uma revolta popular árabe contra os otomanos ajudaria significativamente os seus esforços de guerra no Oriente Médio.
Os britânicos não precisaram procurar muito para acharem um homem árabe disposto a liderar essa suposta revolta árabe. O emir descontente local (governador) de Meca, Sharif Hussein, foi um excelente candidato. Ele foi nomeado pelo sultão otomano ao seu posto mas tinha medo de que eles logo o substituissem. Ele também tinha sonhos de se tornar um governante independente do Hejaz (a oeste da Península Arábica) e talvez até mesmo rei de todos os árabes.
Devido à descendência de Sharif Hussein dos Banu Hashim (da mesma tribo do Profeta Muhammad) e sua vontade de se revoltar contra os otomanos, os britânicos acreditavam que ele poderia reunir os milhões de árabes do Império Otomano às armas contra seus senhores turcos. Em uma série de cartadas entre o final de 1915 e início de 1916, os britânicos seduziram o emir Hashemita para se rebelar e prometeu entregar-lhe dinheiro, armas, navios e homens, considerando que isso poderia evoluir para uma revolta árabe em grande escala. Sharif Hussein e seu filho Feisal incentivaram tal pensamento britânico e até mesmo se gabaram com os agentes britânicos de que eles seriam capazes de obter entre 100.000 a 250.000 soldados árabes do exército otomano por desertação.
Sharif Hussein declarou sua rebelião contra o Império Otomano no início de junho de 1916. A palavra foi enviada (com a ajuda britânica) para os árabes em todo o império para se juntarem a Sharif Hussein pois ele iria construir um novo reino árabe, livre da dominação otomana. A resposta foi medíocre, para dizer no mínimo. Além de alguns milhares de guerreiros do deserto da própria tribo de Sharif Hussein, absolutamente não haviam árabes reunindo-se sob o comando de Sharif Hussein. Na verdade, os únicos soldados não-Hejazis que participaram da revolta árabe eram prisioneiros árabes de guerra capturados pelos britânicos e seduzidos a mudarem de lado.
Continuando a decepcionar os britânicos, Sharif Hussein não parecia estar interessado em nacionalismo árabe na realidade. Sua única motivação parecia ser ter sido a de criar um reino que ele, pessoalmente, seria o governante. O ressurgimento da identidade árabe, literatura e cultura não lhe interessavam tanto quanto o poder pessoal. Os britânicos não estavam buscando criar uma poderosa monarquia independente. Eles queriam uma forma leve de nacionalismo árabe que poderiam controlar como outra parte de seu império. Mas o apoio para tal ideia não existia, ao contrário dos seus cálculos do pré-guerra.Mas, apesar de ficarem quase sem nenhum apoio da população árabe em geral, a revolta de Sharif Hussein não foi um total fracasso. Com a tecnologia britânica, dinheiro e poder naval, ele foi capaz de ganhar o controle do Hejaz rapidamente, com a exceção de Medina, onde o comandante otomano Fakhri Pasha defendeu a cidade do Profeta para o Império Otomano até 1919, bem depois que a guerra terminou. Assim, as unidades do exército otomano estavam fixas no Hejaz, em vez de protegerem outras frentes na Palestina e no Iraque, que estavam sob ataque pelos britânicos.
É importante notar que os britânicos também estavam em contato com os arquirrivais dos hashemitas, os sauditas, que controlavam a parte oriental da Península Arábica. Os sauditas haviam se revoltado contra os otomanos antes, notadamente no início dos anos 1800, mas os britânicos queriam apenas mantê-los neutros, para impedi-los de serem prejudiciais para a revolta de Sharif Hussein. O papel dos Sauditas na Primeira Guerra Mundial era pequeno e as tentativas de atribuir toda a queda do Império Otomano a uma revolta Saudita são baseadas em não mais do que uma conjectura e difamação.
À medida em que a guerra encaminhava, o apoio britânico à revolta hashemita continuou a crescer, especialmente quando Sharif Hussein mostrou a sua incapacidade para liderar uma grande rebelião. Seu pequeno grupo de membros de tribos não tinham artilharia ou metralhadoras, que tiveram de ser fornecidas e utilizadas por soldados britânicos, geralmente do Egito e Índia. Também instrumental foi o papel desempenhado por um jovem oficial do exército britânico, que viria a ser notoriamente conhecido como Lawrence da Arábia. É duvidoso que sem esse apoio britânico, o esforço de Sharif Hussein teria sequer sobrevivido aos primeiros meses após a revolta ter sido declarada.
À medida que o exército britânico fez o seu caminho até a costa palestina em 1917, os rebeldes árabes ajudaram assediando as cadeias de abastecimento otomanas que conduziam às linhas de frente. Em dezembro de 1917, os britânicos capturaram Jerusalém já que a resistência Otomana entrou em colapso. Os britânicos e os seus aliados árabes continuaram a avançar com a guerra já em decadência, capturando as antigas cidades de Damasco e Aleppo, em outubro de 1918. Até então, quase todas as regiões árabes do Império Otomano tinham sido conquistadas e submetidas a autoridade britânica. Neste ponto, as promessas feitas pelos britânicos à Sharif Hussein a respeito de um reino árabe unido começou a ser um grande problema.
Em troca de sua rebelião contra os otomanos, Sharif Hussein deveria receber o controle da Península Árabe, Síria e Iraque pelos britânicos. Mas de acordo com as tradições imperiais britânicas, suas promessas não significavam muito. As terras árabes foram divididas após a guerra pela nova Liga das Nações. A Grã-Bretanha já tinha o controle do Egito desde os anos 1800, mas agora também recebeu mandatos sobre a Palestina, Transjordânia e Iraque, enquanto a França tinha mandatos sobre a Síria e Líbano.
O filho de Sharif Hussein, Feisal, foi coroado rei da Síria em 1920 mas foi rapidamente derrubado pelos franceses quando ele procurou estabelecer a verdadeira autoridade, independente da Europa. No ano seguinte, a Grã-Bretanha o instalou como rei do Iraque, apesar do fato de que poucas pessoas no Iraque sabiam quem ele era. Feisal e seus descendentes governaram o Iraque com forte apoio britânico, até que foram deposto em 1958 por membros do exército iraquiano.
Enquanto isso, no Hejaz, onde a revolta começou, Sharif Hussein ainda estava tentando estabelecer-se como um poderoso monarca. Ele declarou-se califa depois que Atatürk aboliu o califado otomano em 1924 mas também como sua revolta uma década antes, ninguém levou a sério as pretensões de Hussein fora da sua própria tribo. Ele morreu no final de 1924 e foi sucedido por seu filho mais velho Ali, mas o controle sobre o Hejaz hashemita estava chegando ao fim. Em 1925, os sauditas conquistaram o Hejaz e estabeleceram o Estado da Arábia Saudita. O único lugar onde o controle hashemita durou foi na Jordânia, onde o descendente de Sharif Hussein, o rei Abdullah, ainda governa o país hoje.
Em conclusão, enquanto a revolta árabe foi, sem dúvida, um grande evento na história moderna do Oriente Médio, ela não foi tão impactante como muitos dizem ser. Estava longe de uma rebelião árabe geral contra o Império Otomano, cuja queda tinha mais a ver com a capacidade militar britânica e o declínio do poder otomano que já acontecia há séculos. Ao mesmo tempo, os responsáveis políticos do Império Otomano na época certamente criaram uma atmosfera onde eram esperadas revoltas contra o governo turco dominante. Identidades políticas e étnicas hoje dirigem a grande parte da retórica sobre a revolta, mas pode ser melhor visualizá-la simplesmente como um evento histórico menor no grande declínio do Império Otomano e ascensão do imperialismo europeu em vez de um ponto de discórdia entre árabe e muçulmanos turcos.
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Hodgson, Marshall G. S. The Venture of Islam: Conscience and History in a World Civilization. Vol. 3. Chicago: U of Chicago, 1974.
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Fonte: Lost Islamic History
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