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O Islã após o Profeta

O Islã estourou na cena global no século VII e tranformou um povo nômade em motores primários de uma civilização mundial. O Profeta Muhammad (s.a.w.s.) foi o arquiteto dessa transformação. Sua morte em 632 apresentou à comunidade islâmica seu primeiro maior desafio. Os muçulmanos resolveram esse desafio estabelecendo a instituição do califado e afirmando a continuidade do Islã histórico. O nascente estado islâmico, com sua capital em Medina, se defendeu com sucesso do alcance predatório dos impérios bizantino e sassânida. Mas esse mesmo sucesso lançou as sementes da dissensão na comunidade. A riqueza capturada da Pérsia trouxe avareza e nepotismo e resultou no assassinato do terceiro califa ‘Uthmân bin Affân (r). O quarto califa ‘Ali ibn Abu Tâlib (r) tentou estancar a onda de corrupção e retornar a pureza pristina da fé mas ele foi varrido pelos redemoinhos criados pelo assassinato de ‘Uthmân (r). Com a morte de ‘Ali (r), a curtina caiu na era da fé na história islâmica.

Civilizações são testadas com crises assim como indivíduos são testados com adversidades. São esses momentos críticos que trazem para fora o caráter de uma civilização, tal como testes individuais trazem para fora o caráter do indivíduo. Grandes civilizações se medem pelos seus desafios e se tornam mais resilientes com cada crise, transformando adversidade em oportunidade. É bem do mesmo jeito com indivíduos. Momentos críticos na história testam a vivacidade dos humanos. Grandes homens e mulheres fizeram a história se curvar segundo sua vontade, enquanto os mais fracos são engolidos pelas convulsões do tempo.

É uma premissa básica desse artigo que a dialética primária do mundo do Islã é interna. Seus triunfos e tribulações são amarradas inextricavelmente com o modo pelo qual essa comunidade universal de crentes tem se atido aos valores transcendentais ensinados pelo Profeta (s.a.w.s.). É a coesão da divisão interna dessa comunidade global que tem determinado sua sorte com o destino. Quando os seguidores do Islã se ativeram às injunções divinas do Alcorão e o legado do Profeta (s.a.w.s.), eles triunfaram. Quando eles perderam de vista o legado, caíram em desordem e foram marginalizados pela história.

A morte do Profeta Muhammad (s.a.w.s.) foi a primeira crise histórica encarada pela comunidade islâmica. O processo pelo qual a comunidade lidou com a crise determinou suas forças e fraquezas nos séculos subsequentes. A forma do edifício histórico do Islã foi lançada naquela hora. A morte do Profeta (s.a.w.s.) trouxe à tona grandiosas personalidades de Abu Bakr as-Siddîq (r), ‘Omar ibn al-Khattâb (r), ‘Uthmân bin Affân (r) e ‘Ali ibn Abu Tâlib (r) ao processo histórico. O que esses Companheiros fizeram e não fizeram influenciou o curso da história islâmica pelos 1400 anos subsequentes.

O Profeta (s.a.w.s.) era a fonte da vida muçulmana. Nenhuma outra pessoa na história ocupou uma posição em relação a seu povo como o Profeta Mumhammad (s.a.w.s.) quanto a isso. Ele era o foco de todas as atividades sociais, espirituais, políticas econômicas, militares e judiciais. Foi o fundador e arquiteto da comunidade nascente. Foi o Profeta e Mensageiro de Deus. Quando ele faleceu, deixou um vácuo que foi impossível de preencher. Seu legado foi testado imediatamente na sua morte. Em jogo estava a continuidade do processo histórico. O Profeta (s.a.w.s.) soldou uma comunidade de crentes transcendendo sua aliança de tribo, raça ou nacionalidade. A cola que cimentou esse processo foi o Alcorão e Sunna do Profeta (s.a.w.s.). Agora o Profeta (s.a.w.s.) se foi e parecia que as forças divisórias que o Islã tinha superado ressurgiriam e despedaçariam o comunidade recém-nascida.

A primeira reação à morte do Profeta (s.a.w.s.) foi choque, descrença e negação. Tão grande era o amor dos Companheiros pelo Profeta (s.a.w.s.) que eles não conseguiam se separar de seu amor. Tão central era ele para a vida da comunidade que eles não conseguiam imaginar uma vida sem sua presença. Quando ‘Omar ibn al-Khattâb (r) escutou que o Profeta (s.a.w.s.) tinha falecido, ficou tão perturbado que sacou sua espada e declarou: “alguns hipócritas estão fingindo que o Profeta de Deus – que a paz e bênção de Deus estejam sobre ele – morreu. Por Deus eu juro que ele não morreu; que ele foi embora para se reunir com seu Senhor, tal como outros Profetas foram antes. Moisés esteve ausente de seu povo por quarenta noites e retornou a eles depois de eles o terem declarado morto. Por Deus, o Profeta de Deus retornará tal como Moisés retornou. Qualquer homem que ouse perpetrar um falso rumor tal como a morte de Muhammad deve ter seus braços e pernas amputados por essa mão.” As pessoas ouviram a ‘Omar (r), estupefatas demais para crer que o homem que transformou a Arábia da ressaca da história para a vanguarda do processo histórico estava morto. A situação era grave de fato.

A resiliência do Islã mostrou a si mesma na pessoa de Abu Bakr (r). Depois de confirmar que o Profeta (s.a.w.s.) de fato faleceu, ele entrou na mesquita onde ‘Omar (r) estava falando às pessoas e recitando a seguinte passagem do Alcorão: “Muhammad não é senão um Mensageiro, a quem outros mensageiros precederam. Porventura, se morresse ou fosse morto, voltaríeis à incredulidade? Mas quem voltar a ela em nada prejudicará Allah; e Allah recompensará os agradecidos.” (Alcorão 3:144). Foi como se o povo tivesse escutado essa passagem pela primeira vez; acertou-os como um raio. ‘Omar (r) relatou mais tarde que quando ele escutou isso, suas pernas tremeram como se ele tivesse percebido que o Mensageiro de Deus de fato partiu desse mundo. A mortalidade do Profeta (s.a.w.s.) foi estabelecida, enquanto a transcendência de Deus foi reafirmada. A civilização do Islã era teocêntrica, não antropocêntrica. O Islã era para ter sua âncora em Deus e em Sua Palavra. O Profeta (s.a.w.s.), como o homem que trouxe a Palavra Divina e completou sua missão histórica, partiu, mas a luz que brilhou através dele foi para mostrar o caminho para as gerações sucessivas. O Islã reteve seu caráter transcendente. Foi para sobreviver à ausência física do Profeta (s.a.w.s.) e foi para se lançar como uma força dinâmica ao processo histórico.

A situação foi fluida, incerta e carregada de riscos graves. O corpo do Mensageiro (s.a.w.s.) que liderou uma das mais grandiosas revoluções espirituais conhecidas pela humanidade estava no canto de um quarto pequeno. Eis o homem que transformou uma sociedade tribal em uma comunidade de crentes e os fez mestres de seu prórpio destino. Levas após levas de homens passaram pelo corpo, soluçando, balançando suas cabeças, incertos sobre o futuro. Eles estava agora sem a âncora que os apoiava sem o líder que os sustentou, sem o professor que os ensinou, sem o estadista que os guiou, sem o Profeta que trouxe a menssagem da transcendência divina.

O processo de sucessão e seu legado para as gerações futuras estava em jogo. O Islã estabeleceu para si mesmo uma missão de criar uma comunidade global se atendo ao correto, proibindo o que é mal e crendo em Deus. Como seria essa missão cumprida na matriz da história sem a presença física do Profeta (s.a.w.s.)? Como o edifício de uma comunidade consciente de Deus seria erigido sem o arquiteto que o concebeu? Teria o Profeta (s.a.w.s.) deixado para trás instruções específicas sobre o problema da sucessão? Se não, qual era a sabedoria atrás dessa decisão?

Imediatamente após a morte do Profeta (s.a.w.s.), posições competitivas emergiram quanto ao problema da sucessão. A primeira posição era aquela a dos Ansâr, os residentes de Medina que proveram proteção e alívio aos Muhâjirs de Meca. Eles sentiram que como anfitriões que se puseram ao lado do Profeta (s.a.w.s.) na hora da necessidade, eles mereciam a liderança da comunidade. No mínimo, eles argumentaram que a liderança deveria ser compartilhada. Eles proporam um comitê de dois, composto de uma pessoa dos Muhâjirs e uma dos Ansâr, para liderar a comunidade. A segunda posição era aquela dos apoiadores de Abu Bakr as-Siddîq (r). Eles basearam sua posição no fato de que o Profeta (s.a.w.s.), quando ele ficou doente antes de sua morte para guiar as rezas congregacionais, nomeou Abu Bakr (r) como o Imâm. Abu Bakr (r) foi o primeiro homem a aceitar o Islã e também um dos mais próximos de seus Companheiros. Os ahâdîth autênticos confirmam a alta afeição e estima que o Profeta (s.a.w.s.) tinha por Abu Bakr (r). A terceira posição era aquela a dos apoiadores de ‘Ali ibn Abu Tâlib (r). ‘Ali (r) era um primo do Profeta (s.a.w.s.) e era casado com Fâtima az-Zahrâ (r), a amada filha do Profeta (s.a.w.s.). Ele era o primeiro jovem a ter abraçado o Islã e o Profeta (s.a.w.s.) se referia a ele como seu herdeiro e seu irmão. A comunidade islâmica reconciliou as duas primeiras posições nas primeiras horas seguindo a morte do Profeta (s.a.w.s.) mas as diferenças de opinião permaneceram no terceiro problema. Essas diferenças levaram, anos mais tarde, ao cisma xiita-sunita, que funciona como uma grande cratera de terremoto por toda a história islâmica. Seu poder divisório recorrente e destrutivo mostrou a si mesmo em momentos críticos tal como o massacre de Karbalâ’ (680), a batalha de Chaldiran (1517) e a guerra Irã-Iraque (1979-1987).

Havia sabedoria na decisão do Profeta (s.a.w.s.) em deixar o problema da sucessão ao julgamento coletivo da comunidade. Uma religião universal deve ter validade para todos os povos e em todos os tempos. Deve ter relevância para as pessoas do século XXI assim como teve para aqueles que viveram no tempo do Profeta (s.a.w.s.). Deve ter significado para a pessoa mais sofisticada assim como para o bosquímano na floresta. A sabedoria do Profeta (s.a.w.s.) jaz no fato que enquanto os princípios do Islã são soletrados em sua forma completa no Alcorão e são exemplificados na Sunna do Profeta (s.a.w.s.), sua implementação em tempos específicos e em localidades específicas é deixada para o processo histórico. Em outras palavras, o Islã é uma religião existencial. Sua realização e finalização é um processo que é eterno e incumbente a cada geração de crentes. A posição de que o Profeta (s.a.w.s.) deixou instruções específicas quanto ao assunto da sucessão política não se correlaciona com os aspectos existenciais do Islã. Entretanto, nem todos os muçulmanos compartilham dessa visão. Posições partidárias no assunto da sucessão têm sido tomadas baseadas somente naqueles ahâdîth que apoiam essa posição. Mas a história é um juiz sem misericórdia. com a passagem do tempo, as diferenças no assunto da sucessão foram solidificadas, levando a dissensão recorrente, rebelião, repressão e guerra civil.

Incitado pelos líderes da comunidade a evitar uma ruptura clara, Abu Bakr (r), junto com ‘Omar ibn al-Khattab (r), procedendo ao pátio de Banu Saida onde os Ansâr estavam congregados para eleger seu líder. Um dos Ansâr disse sua posição então: “Nós somos os Ansâr — os ajudantes de Deus e o exército do Islã. Vocês, os Muhâjirûn são somente uma brigada do exército. Apesar disso alguns dentre vocês foram ao extremo de buscarem nos privar de nossa liderança natural e de nos negar nossos direitos.” Abu Bakr (r) falou aos Ansâr: “Ó homens dos Ansâr! Nós, os Muhâjirûn fomos os primeiros a aceitar o Islã. Gozamos da linhagem e descendência mais nobre. Somos os mais reputáveis e os mais bem estimados assim como os mais numerosos na Arábia, Além do mais, somos os mais próximos por elos de sangue ao Profeta. O Alcorão mesmo tem nos dado preferência. Pois é Deus — que Ele seja exaltado e louvado — Quem disse: “Primeiramente e acima de tudo estão al-Muhâjirûn, então al-Ansâr e então quem que tenha seguido esses dois grupos em virtude e retidão.” Então tomando as mãos de ‘Omar (r) e Abu ‘Ubaida, que estava sentado em cada um dos lados dele, Abu Bakr (r) disse: “Qualquer um desses dois homens é aceitável para nós como líder da comunidade muçulmana. Escolha quem quer que lhe agrade”. Nessa hora ‘Omar (r) ergueu a mão de Abu Bakr (r) e disse: “ Ó Abu Bakr! O Profeta não te comandou para liderar os muçulmanos na reza? Você, assim, é seu sucessor. Elegendo você, nós estamos elegendo o melhor de todos que o Profeta de Deus amava e confiava”. Os Ansâr e os Muhâjirûn então deram um passo à frente e fizeram o juramento de aliança (bai’a) a Abu Bakr (r).

Assim foi que a comunidade islâmica nascente resolveu a questão da sucessão e embarcou em construir o edifício de sua história. O processo não satisfez exatamente a ‘Ali ibn Abu Tâlib (r), Talha ibn ‘Ubaidallah e Zubair ibn al Awwam. ‘Ali (r), representando a família do Profeta, estava ocupada com as preparações funerárias. Talha e Zubair não estavam nas consultas preliminares. Inicialmente, ‘Ali (r) reteve seu juramento de aliança. Mas quando Abu Sufyân se aproximou dele para declará-lo ele mesmo o califa, ‘Ali (r) viu os perigos da divisão na comunidade e aceitou o califado de Abu Bakr (r). De acordo com Ibn Khaldûn, ‘Ali ibn Abu Tâlib (r) tomou sua bai’a quarenta dias depois da morte do Profeta (s.a.w.s.). De acordo com Ibn Kathîr, isso aconteceu somente depois da morte de Fâtima (r), seis meses depois da morte do Profeta (s.a.w.s.). Talha ibn ‘Ubaidallah e Zubair ibn al Awwam deram sua bai’a logo depois.

Os cronistas xiitas não aceitam a versão majoritária, mantendo em vez disso que o califado era por direito de ‘Ali (r) por delegação do Profeta (s.a.w.s.). Entretanto, há o consenso entre todos os cronistas de que quaisquer diferenças quanto ao assunto da sucessão estavam tranquilos durante a época de Abu Bakr (r) e ‘Omar (r) e não veio à toma até o califado de ‘Uthmân (r). Foi muito mais tarde, com as posições se endurecendo durante as dinastias omíada (665-750) e abássida (750-1258), que ambos os lados avançaram com argumentações doutrinárias para apoiar as visões partidárias sobre o califado e a wilâya/imamato. Assim era que as diferenças xiitas-sunitas eram baseadas não em religião ou fé mas em sua origem na política de sucessão e história.

Alguns sufis ligam ainda outra dimensão a esse assunto da sucessão. Os sufis representam a dimensão espiritual e esotérica do Islã. Seu enorme impacto profundamente influenciou o curso da história islâmica. Em sua visão, a espiritualidade da humanidade revolve em volta dum Qutub em cada época. A palavra Qutub significa pivô, polo, chefe e líder. Quando há um Profeta na terra, ele é o Qutub. Ele purifica a consciência da humanidade de tal modo que ele se torna digno de receber Iluminação Divina. Moisés (a.s.) foi o Qutub para a espiritualidade da humanidade quando ele estava vivo, como foram Davi, Salomão, José e Jesus (a.s.) em suas épocas. Enquanto Muhammad (s.a.w.s.) estava vivo, ele era o polo espiritual para a humanidade. Com sua morte, o manto da da espiritualidade passou para Fâtima (r), filha do Profeta (s.a.w.s.). Depois de Fâtima (r), o manto passou para ‘Ali ibn Abu Tâlib (r). A maioria das ordens sufis alega que sua espiritualidade veio de ‘Ali (r) e pela virtude da continuidade, através de Fâtima (r) é por último do Profeta Muhammad (s.a.w.s.). Enquanto Fâtima (r) estava viva, os sufis mantêm que ‘Ali (r) não teria dado sua bai’a a Abu Bakr (r). Foi só depois de Fâtima (r) ter falecido, seis meses depois da morte do Profeta (s.a.w.s.), que ‘Ali (r) finalmente deu sua aliança a Abu Bakr (r). De acordo com essa visão, o manto da espiritualidade continua residindo em ‘Ali ibn Abu Tâlib (r) a quem questões jurídicas importantes eram referidas pelos califas Abu Bakr (r), ‘Omar (r) e ‘Uthmân (r) e mesmo pela facção encabeçada por Mu’âwiya.

Selecionando Abu Bakr (r), os Companheiros estabeleceram vários precedentes. Eles demonstraram que os muçulmanos eram uma comunidade viva capaz de articular seu próprio destino através de um processo consultivo coletivo na ausência do Profeta (s.a.w.s.). Eles estabeleceram que o califa, como o governante temporário da comunidade islâmica, tem que ser um homem de piedade, confiança, conhecimento, força, justiça, integridade e retidão. A comunidade era como uma criança recém-nascida respirando pela primeira vez depois de ser cortada do cordão umbilical a conectando ao seu progenitor espiritual.

Depois da adesão ao califado, Abu Bakr (r) foi defrontado com várias crises. O assunto imediato era o despacho do exército para o norte para encarar os bizantinos. Os muçulmanos encararam um impasse com os bizantino na batalha de Tabuk e perderam seu líder Zaid bin Haris. Uma expedição defensiva seguinte foi iniciada pelo Profeta (s.a.w.s.) para resguardar as proximidades do norte para Medina. Abu Bakr (r) reafirmou a decisão do Profeta (s.a.w.s.) e despachou uma expedição sob Usama bin Zaid. A espedição foi bem sucedida e demonstrava a força e coesão dos muçulmanos mesmo na ausência do Profeta (s.a.w.s.).

O segundo desafio era a recusa de certas tribos árabes em pagar o zakat. A Arábia Pré-Islâmica era tribal. Muitas dessas tribos aceitaram o Islã relutantemente pelos últimos dias do Profeta (s.a.w.s.). Quando ele faleceu, eles viram uma oportunidade para parar de pagar o zakat mandatório, que foi mal entendido como outra forma de imposto.

Zakat não é só uma obrigação moral no Islã; é também uma obrigação legal. É um ato de pureza. É visto como um dos cincos pilares do Islã e é um artigo da fé. No Islã, o bem estar econômico da comunidade é tão importante quando o do indivíduo. A crença de nenhum homem está completa ao menos que ele deseje para seu irmão o que ele deseja para si próprio. O Islã desencoraja a acumulação e encoraja o compartilhamento e investimento. O zakat funciona para circular dinheiro e opera contra a acumulação. Onde quer que o Alcorão enfatize o estabelecimento da reza, ele também enfatiza o pagamento de zakat. O zakat anterior teria destruído a fundação moral do estado islâmico e teria reduzido o Islã a uma litania de crenças pessoais e observâncias. Abu Bakr (r) conduziu uma ação policial vigorosa contra os não pagantes de zakat. Ele foi pessoalmente em muitas expedições e trouxe as tribos rebeladas sob a autoridade do estado.

A terceira crise encarada por Abu Bakr (r) foi aquela dos falsos profetas. Vendo o sucesso e prosperidade dos muçulmanos, muitos falsos profetas (e profetisas) brotaram por toda a Arábia. A religião era e continua sendo até hoje… um bom negócio. Muitos impostores viram no sucesso do Islã uma oportunidade para estabelecer sua própria religião e ficarem ricos no processo. Abu Bakr (r) declarou guerra aos falsos profetas. Mandou onze expedições contra muitos impostores. Dessas a mais famosa foi a expedição de Khâlid bin Walîd contra Musailima al-Kazzâb, que culminou na Batalha de Yamâma. Expedições semelhantes foram mandadas para o Iêmen, Ammân e Hazîfa. Todas essas expedições foram bem sucedidas.

Foi na campanha contra Musailima al-Kazzâb que um grande número de Companheiros do Profeta (s.a.w.s.) pereceram. Muitos deles eram huffâdh (aqueles que memorizaram o Alcorão). O Alcorão foi revelado ao Profeta (s.a.w.s.) como a Palavra falada, que era então memorizada por centenas de companheiros. O martírio de tantos huffâdh na Batalha de Yamâma foi um assunto de grande preocupação aos Companheiros. Seguindo o conselho de ‘Omar (r), Abu Bakr (r) ordenou a escrita do Alcorão para preservá-lo, tal como foi revelado ao Profeta (s.a.w.s.), para as gerações vindouras. A primeira cópia escrita do Alcorão é conhecida com o título de Mushaf as-Siddîqi.

Na geopolítica da Ásia Ocidental, nem os bizantinos nem os persas poderiam tolerar uma Arábia independente, unida e forte. Ambos os poderes cobiçaram a Península Arábica por séculos. Os romanos ocuparam a Síria e a Jordânia enquanto os persas subjugaram o Iraque, Iêmen e Hijâz. Ao elemento geopolítico agora se somou o elemento religioso. O Profeta Muhammad (s.a.w.s.), em cumprimento de sua missão como o Mensageiro de Deus, enviou saudações aos governantes dos dois poderes os convidando a aceitar o Islã. Heráclio, o chefe bizantino, enviou uma resposta polida mas ordenou suas tropas para a ação nas fronteiras do norte da Arábia. Cosroé, o imperador persa, rasgou a carta do Profeta (s.a.w.s.) e mandou suas forças no Iêmen marcharem para Medina e renderem o Profeta (s.a.w.s.). Foi para prevenir as ambições dos bizantinos e dos persas que o Profeta (s.a.w.s.) iniciou ações defensivas ao norte e ao leste. As campanhas realizadas por Abu Bakr (r) contra os bizantinos e os persas foram assim uma continuação àquelas que foram iniciadas pelo próprio Profeta (s.a.w.s.).

Desenvolvimentos políticos na Ásia Ocidental logo funcionaram em favor do estado islâmico emergente. A Pérsia estava tumultuada. Havia assassinatos e caos na corte imperial. Sheroya, o filho mais velho de Cosroé Pervez assassinou seu pai e todos os seus próprios irmãos e usurpou o trono. Oito meses depois, Sheroya morreu em circunstâncias misteriosas e seu filho criança foi feito o monarca. O filho criança foi também morto e um número de cortesãos reivindicaram o trono, somente para serem assassinados um atrás do outro. Finalmente, o único jovem sobrevivente da dinastia persa, Yazdgar, foi feito o imperador e uma mulher da casa real foi apontada como seu regente.

A fraqueza da Pérsia criou oportunidades militares para seus vizinhos. Heráclio, o novo imperador bizantino, perpetrou uma série de campanhas (625-635) e ganhou de volta alguns dos territórios que seu predecessor tinha perdido para os persas. O crescimento explosivo do estado islâmico desde a Hégira (622) trouxe suas fronteiras para o Rio Eufrates, que marcava a fronteira sudoeste do Império Persa. As tribos árabes próximas da fronteira persa, centralizadas na cidade de Hira, estavam inquietas. Desfrutaram por um longo período um status autônomo sob a proteção da corte persa. Mas Cosroé, o monarca persa, revogou essa autonomia e tornou as áreas colônias imperiais. O ressentimento cresceu depois de aumentarem os impostos. Algumas dessas tribos aceitaram o Islã durante a vida do Profeta (s.a.w.s.) mas se tornaram apóstatas com o passar do tempo. Abu Bakr (r) estava ciente desses desenvolvimentos. Então, quando Al-Muthanna ibn Haritha, chefe do clã dos Banu Shaibân no leste da Arábia, se aproximou dele uma proposta para reunir as tribos árabes contra a Pérsia, o califa concordou. Lembrando de suas lealdades mutáveis, Abu Bakr (r) aconselhou Al-Muthanna para recrutar somente aquelas tribos que não se tornaram antes apóstatas.

Enquanto isso, Khâlid bin Walîd tinha completado suas operações contra os árabes apóstatas no leste da Arábia. Abu Bakr (r) mandou que ele se juntasse com Al-Muthanna. Os dois juntos avançaram pelo sul do Iraque. Um convite foi enviado para Humuz, o governador persa da província, convidando-o a aceitar o Islã e se juntar nessa missão global. Se ele se recusasse, seriam dadas as alternativas de aceitar a proteção do estado islâmico ou guerra. o governador Humuz rejeitou todas essas alternativas e as hostilidades começaram. Os exércitos árabes primeiramente subjugaram Khadima (633) próxima do Kuwait moderno. Dali, eles se deslocaram para a cidade portuária de Ubullah (Basra modernamente) próxima da boca do Shatt al-‘Arab. Voltando-se para o norte seguindo a orla ocidental do Rio Eufrates, as forças de Khâlid rapidamente superaram a resistência persa em Al-Hira e Al-Anbar. As tribos árabes da área deram as boas-vindas para seus companheiros árabes como libertadores do domínio imperial persa. O avanço rápido de Khâlid deixou seu flanco do norte aberto. Essa área, chamada de Domat al-Jandal pelos árabes, era localizada próxima da confluência da Síria e Iraque e era habitada por árabes cristãos que abertamente estavam do lado dos bizantinos. Depois de subjugarem Domat al-Jandal, Khâlid e suas tropas retornaram para Meca e fizeram o Hajj. Quando Khâlid voltou para o campo de batalha, Abu Bakr (r) mandou-o para o fronte sírio onde um confronto decisivo estava se assomando com o Império Bizantino.

A emergência de um estado árabe unido sob o Islã não era mais aceitável para os bizantinos como era para os persas. Os bizantinos testaram as defesas muçulmanas no tempo do Profeta (s.a.w.s.) em preparação para uma possível invasão da Arábia. Foi para conter essa ameaça que o Profeta (s.a.w.s.) conduziu a campanha de Tabuk. A pressão bizantina contínua impeliu o Profeta (s.a.w.s.) a mandar uma expedição sob Zaid bin Haris. Como já havia sido mencionado, o embate se provou indecisivo e Zaid bin Haris foi morto na campanha. O Profeta (s.a.w.s.) organizou uma segunda campanha sob Usama bin Zaid, mas ele faleceu antes da campa0nha acontecer.

Abu Bakr (r) reafirmou a decisão do Profeta (s.a.w.s.) de mandar um exército para as fornteiras do norte. As instruções dadas por Abu Bakr (r) para Usama bin Zaid, comandante das forças muçulmanas, eram notáveis por seu conteúdo ético:

Não matem as crianças, mulheres e idosos.
Não firam os incapacitados e não desfigurem os corpos daqueles mortos em batalha.
Não destruam as colheitas em pé e não cortem fora árvores frutíferas.
Não sejam desonestos e desapropriem espólios de guerra.
Não matem os animais exceto se necessário para comer.

Essas injunções têm servido, tanto para reis quanto para soldados, como uma base canônica para um código de ética muçulmano durante os últimos 1400 anos.

As campanhas sob Usama bin Zaid também foram inconclusivas. A ameaça de uma invasão pelo norte cresceu a cada dia enquanto os bizantinos se preparavam para a guerra. Abu Bakr (r) decidiu se prevenir o inimigo e ordenou uma invasão à Síria. Um exército de 27000 foi reunido e organizado em três corporações sob o comando total de Abu ‘Ubaida bin Jarrâh. Abu ‘Ubaidah era responsável pessoalmente pela corporação do exército central direcionado à Síria. Apoiando-o havia uma corporação encabeçada por Amr bin al-‘As direcionada à Palestina e uma encabeçada por Shurahbil ibn Hasana diricionada à Jordânia. Escaramuças iniciais ocorreram em Wadi’ ‘Araba e Gaza. Os três exércitos então procederam em direção a Damasco. As forças bizantinas principais sob Teodoro, irmão do imperador bizantino Heráclio, bloquearam um avanço posterior dos exércitos muçulmanos na garganta estreita entre o Monte Hermon e Monte Haurân.

Foi aqui que Khâlid bin Walîd venceu uma de suas vitórias mais memoráveis. Marchando rapidamente para o oeste vindo do Iraque, Khâlid superou uma resistência minoritária pelo caminho. Chegando no campo de batalha, ele se deslocou num arco envolvente ultrapassando o exército bizantino assim como as divisões muçulmanas sob Abu ‘Ubaida fazendo um ataque frontal. Tomados de surpresa, as colunas bizantinas dispersaram. Os exércitos muçulmanos perseguiram os bizantinos e inflingiram baixas pesadas no inimigo em retirada. Damasco caiu em 635. Em alguns meses, as cidades de Balbak e Hama também estavam em mãos muçulmanas.

Heráclio não estava disposto a conceder a província estratégica da Síria tão facilmente. Ele era um dos generais mais respeitados de seu tempo e derrotou os persas em numerosas batalhas. Ele levantou um novo exército de 200.000 e marchou para o sul pela costa, esperando alcançar Beersheba e cortar as rotas de suprimentos dos exércitos muçulmanos. Quando ele ouviu sobre esse deslocamento de seu braço de inteligência, Khâlid fez outro arco amplo e juntou forças com Amr bin al-‘Âs, alcançando Beersheba e tendo coletado tropas adicionais da guarnição ali, marchou para o norte para encontrar Heráclio. Os dois exércitos se encontraram em Ajnadain onde os bizantinos sofreram outra derrota.

Heráclio estava agora numa posição militar perigosa. Suas rotas de fuga ambas do norte e do sul foram cortadas. Ele ordenou suas tropas para se reagruparem nos bancos do Rio Yarmuk perto da cidade de Dir’a. Demonstrando seu domínio de movimentos de envolvimento rápido, Khâlid bin Walîd ultrapassou as linhas inimigas e atacou vindo do norte enquanto os bizantinos encaravam as divisões de Abu ‘Ubaida no sul. Como se a providência tivesse algo a dizer sobre o assunto, uma tempestade de areia violenta cegou as tropas bizantinas, enquanto os árabes, acostumados com o deserto, tomaram passo. A resistência bizantina desabou.

A Batalha de Yarmuk, lutada em 636, foi uma das batalhas decisivas na história. Marcou o fim do governo bizantino na Ásia Ocidental e pavimentou o caminho para as conquistas muçulmanas vindouras no Egito e África do Norte. Abu Bakr (r) morreu alguns dias depois da Batalha de Yarmuk. Ele tinha 63 anos e seu califado durou dois anos e três meses.

Abu Bakr (r) proveu a ponte entre o Profeta Muhammad (s.a.w.s.) e o Islã histórico. Sem sua liderança, o zakat teria desaparecido como uma instituição e a natureza da religião em si mesma teria sido alterada. A base leal do estado teria sido seriamente abalada e a comunidade teria se ruído. Abu Bakr (r) continuou as tradições do Profeta (s.a.w.s.), evitando inovações, superando dissensões internas, estabelecendo o governo pela lei, suprimindo falsos profetas e defendendo com sucesso o estado nascente contra os Impérios Bizantino e Persa. Ele demonstrou que os muçulmanos eram uma comunidade viva e dinâmica. Sob sua liderança, o Islã embarcou num processo da história desprovido de seu Profeta mas animado pela mensagem do Alcorão e sua Sunna.

Fonte: https://historyofislam.com/contents/the-age-of-faith/the-death-of-prophet-muhammed-pbuh/

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