A Escola de Jurisprudência Hanafi é uma das quatro principais escolas de pensamento jurídico no Islam sunita, nomeada em referência ao jurista Abu Hanifa an-Numan, seu principal formulador.
É reconhecida por sua abordagem flexível e racional para a interpretação da lei islâmica- a Sharia.
Não há uma estimativa precisa ou atualizada do percentual exato de muçulmanos que aderem à Escola Hanafi em todo o mundo, pois a adesão a uma escola jurídica específica pode variar significativamente entre diferentes países e regiões.
No entanto, é amplamente reconhecido que a Escola Hanafi é uma das escolas de jurisprudência mais prevalentes entre os muçulmanos. Estima-se que a maioria dos muçulmanos sigam esta escola.
Alguns dos países mais populosos do mundo, a adesão à escola hanafi é absoluta, como é o caso da Índia, Paquistão, Bangladesh e Turquia.
Também há presença de maciça hanafi em locais como Síria, Afeganistão, Palestina, Egito, Iraque, Cazaquistão, Uzbequistão e outros.
Imam Abu Hanifa, cujo nome completo é Numan ibn Thabit ibn Zuta ibn Marzuban, foi um proeminente erudito islâmico nascido por volta do ano 699 d.C. (80 a.H.) em Kufa, no atual Iraque.
Abu Hanifa cresceu em uma época em que a cidade de Kufa estava florescendo como um centro intelectual e cultural no mundo muçulmano.
Desde jovem, ele mostrou uma inclinação notável para a busca do conhecimento, e sua educação inicial abrangeu uma variedade de disciplinas, incluindo filosofia, teologia, lógica e, é claro, jurisprudência islâmica.
Após a conclusão de seus estudos, Abu Hanifa estabeleceu um círculo de ensino em Kufa, que atraiu estudiosos e alunos de diversas partes do mundo muçulmano.
Seu método de ensino era marcado pela ênfase na razão, analogia (qiyas) e racionalidade na interpretação da Sharia, características que se tornaram distintivas da Escola Hanafi.
Naquela época, o mundo muçulmano estava marcado por turbulências políticas.
Após o assassinato do terceiro califa, Uthman ibn Affan, e a subsequente batalha do camelo e Batalha de Siffin, ocorreu uma divisão significativa entre os muçulmanos.
Isso motivou a formação de diferentes grupos e facções, como os xiitas, kharijitas e o ramo que Abu Hanifa fazia parte, que mais tarde se tornaria o que hoje chamamos de sunitas.
Esses conflitos políticos afetaram profundamente a estabilidade e a coesão da comunidade muçulmana, e isso dificultava a busca dos leigos por orientação religiosa.
Algo que também contribuiu para esta desunião foi o fato que o Islam estava em uma fase de expansão territorial de forma muito rápida.
A administração de um império em rápido crescimento enfrentou desafios significativos relacionados à gestão de vastos territórios e comunidades culturalmente diversas.
O crescimento do império islâmico trouxe consigo desafios sociais e econômicos, incluindo questões relacionadas à distribuição de recursos, justiça social e governança.
Essas questões contribuíram para debates sobre a aplicação da lei islâmica em contextos variados.
A era testemunhou debates e controvérsias teológicas e jurídicas, especialmente em relação à compreensão da natureza do Alcorão, do Profeta Muhammad e das questões legais.
As diferentes escolas de pensamento começaram a se formar, cada uma com suas interpretações específicas das fontes do Islam, incluindo a Escola Hanafi.
Nesse cenário complexo o Imam Abu Hanifa emergiu como um erudito cujo compromisso com a justiça e a busca pelo conhecimento proporcionou uma influência significativa na formação do pensamento jurídico islâmico.
Ele recusou ofertas de cargos oficiais do governo, mantendo sua independência e integridade acadêmica.
Sua recusa em emitir fatwas (opiniões legais) que seriam usadas para apoiar agendas políticas também enfatiza sua dedicação à neutralidade e justiça.
Em 750, os Abássidas ascenderam ao poder, substituindo os Omíadas como a dinastia dominante.
Esse período foi marcado pela mudança da capital do califado de Damasco para Bagdá. Essa transição trouxe mudanças políticas e culturais, afetando a dinâmica do mundo islâmico.
Abu Hanifa foi preso durante o califado de Al-Mansur, o segundo califa abássida, que governou de 754 a 775 d.C.
Durante seu reinado, houve tensões entre as autoridades e alguns grupos de oposição, incluindo alguns membros proeminentes da comunidade jurídica e religiosa.
Abu Hanifa foi percebido como uma figura respeitada e influente nesse cenário.
Mesmo assim, ele não quis o cargo de juiz oferecido por Al-Mansur, pois temia que tal papel o comprometesse com decisões que não estivessem em conformidade com suas convicções jurídicas.
Essa recusa, no entanto, foi vista como desafio à autoridade califal. Ele foi preso, e enfrentou pressões para mudar suas posições jurídicas e se alinhar às políticas do califado, no entanto, manteve sua postura.
Na prisão, Abu Hanifa enfrentou dificuldades e tratamento rigoroso, mas sua dedicação ao conhecimento e à justiça permaneceu inabalável.
Ele não cedeu às pressões políticas e manteve suas posições independentes em questões jurídicas e teológicas.Ele morreu em 767 d.C. (150 a.H.),
Alguns relatos sugerem que ele foi envenenado, enquanto outras fontes mencionam que ele morreu em consequência dos maus tratos durante seu encarceramento.
Durante o califado Abássida, a escola recebeu apoio significativo, uma vez que os califas abássidas favoreceram suas doutrinas.
Essa era uma época de grande expansão e consolidação do poder islâmico, o que facilitou a propagação da escola Hanafi através do vasto império.
Entre os séculos 10 a 15, a escola Hanafi se expandiu para além do Oriente Médio, alcançando a Ásia Central, o Subcontinente Indiano e partes da Europa Oriental.
Essa expansão foi impulsionada em grande parte pelo comércio, pela fundação de madrassas (escolas islâmicas) e pela adoção da escola Hanafi por várias dinastias e governantes regionais.
A partir do século 13, a ascensão e expansão do Império Otomano, que adotou a escola Hanafi como sua jurisprudência oficial, foi um ponto de virada.
O império estendia-se por vastas áreas da Europa, Ásia e África, e sua influência ajudou a consolidar a escola Hanafi como uma das principais escolas de pensamento islâmico nessas regiões.
Já no século 16, o Império Mugal adotou a escola Hanafi como a forma oficial de jurisprudência islâmica.
Esta adoção não apenas solidificou a presença da escola Hanafi no subcontinente indiano, mas também deu-lhe uma plataforma institucional para influenciar a sociedade e a cultura locais.
No mundo contemporâneo, a escola Hanafi continua a ser uma das mais seguidas no Islam sunita, especialmente no Sul da Ásia, Turquia, Balcãs e partes do Oriente Médio.
A metodologia da Escola Hanafi é uma das principais abordagens dentro da jurisprudência islâmica, e é caracterizada por sua flexibilidade, racionalidade e ênfase na analogia.
O papel da razão distingue essa escola de jurisprudência islâmica das outras.
Os juristas Hanafi acreditam que a razão humana é um dom de Allah e, portanto, pode ser usada para compreender e aplicar a Sharia.
A razão é usada para resolver ambiguidades nos textos legais e para garantir que as decisões legais sejam justas e consistentes.
Quando um texto é vago ou ambíguo, os juristas Hanafi recorrem à razão para determinar a melhor interpretação de acordo com os princípios gerais da Sharia.
A Escola Hanafi não ignora os textos sagrados, mas busca equilíbrio entre a autoridade dos textos e a aplicação da razão.
Baseando-se nisso, os juristas Hanafi buscam harmonizar as duas fontes para chegar a decisões legais coerentes e justas.
Os juristas podem chegar a conclusões diferentes, mas todas são fundamentadas em princípios racionais e lógicos, o que permite um espaço para o debate e a variação de interpretações.
Em parte, é graças a isso que a escola hanafi conseguiu ter aderência em tantos locais com culturas tão diversas.
A escola Hanafi não difere das outras nas questões religiosas elementares, como: fontes primárias de jurisprudência, os cinco pilares do Islam, crenças básicas, práticas de adoração, proibições éticas e morais, etc.
No entanto, existem algumas divergências entre as escolas que fazem com que as práticas e os hábitos dos muçulmanos sejam divergentes.
Entre alguns posicionamentos mais característicos da escola Hanafi, nós podemos destacar:
É uma opinião comum no Islam sunita de que os viajantes podem juntar as orações do meio-dia (Dhur) e tarde (Asr) e a do pôr do sol (Maghreb) e noite (Isha), no entanto esta interpretação não é dominante na escola Hanafi, cujo os estudiosos geralmente não permitem essas junções de oração.
Existem duas opiniões principais sobre como calcular o tempo Asr. Na escola Shafi, Maliki e Hanbali dizem que é no momento em que o comprimento da sombra de qualquer objeto é igual ao comprimento do próprio objeto mais o comprimento da sombra desse objeto ao meio-dia.
A opinião dominante na escola Hanafi diz que Asr começa quando o comprimento da sombra de qualquer objeto é duas vezes o comprimento do objeto mais o comprimento da sombra desse objeto ao meio-dia.
Isso faz com que o início deste oração comece mais tarde em relação ao das outras escolas.
A escola Hanafi tem normas específicas quanto à purificação e ao uso da água, e não considera obrigatório esfregar os membros ao fazer o wudu, apenas é preciso despejar água em toda região que deve ser purificada.
Em termos de leis dietéticas, os Hanafis têm uma interpretação mais restritiva de quais animais são considerados halal, especialmente em relação a certos tipos de animais marinhos.
No caso, alguns juristas consideram apenas peixes e camarões como alimentos permitidos para consumo, e consideram caranguejos, sapos, cobras, lagostas e lulas como alimentos proibidos.
Vários juristas se destacaram na história da escola Hanafi, contribuindo significativamente para o seu desenvolvimento e para a jurisprudência islâmica como um todo. Aqui estão alguns dos mais importantes:
Estes juristas não apenas moldaram a escola Hanafi, mas também tiveram um impacto profundo na evolução do pensamento legal islâmico em geral.
Existem várias ordens sufis que seguem a Escola Hanafi de jurisprudência islâmica, e essas ordens têm uma tradição rica e variada em diferentes partes do mundo muçulmano. Aqui estão algumas das ordens sufis notáveis adeptas da Escola Hanafi:
Ordem Naqshbandi: A Ordem Naqshbandi é uma das ordens sufis mais influentes e disseminadas no mundo muçulmano. Ela tem uma forte presença na Ásia Central, Índia, Turquia e outras regiões. A maior parte seguidores da Ordem Naqshbandi seguem a Escola Hanafi em questões de jurisprudência.
Ordem Qadiri: A Ordem Qadiri é outra ordem sufi amplamente reconhecida que tem seguidores Hanafis. Ela foi fundada por Abdul Qadir Jilani e tem uma presença significativa no mundo muçulmano, incluindo a Índia, o Paquistão, o Iraque e muitos outros países.
Ordem Chishti: A ordem Chisti é uma das mais relevantes no subcontinente indiano, e até mesmo em algumas regiões da Ásia Central, como no caso do Afeganistão.
Ordem Suhrawardi: A Ordem Suhrawardi é conhecida por sua forte presença na Índia e em outros lugares do Sul da Ásia onde os muçulmanos geralmente aderem à Escola Hanafi.
Ordem Mevlevi (Dervixes Rodopiantes): Embora a Ordem Mevlevi seja frequentemente associada à Escola Hanafi, ela tem uma presença histórica significativa na Turquia e em outros lugares onde a escola Hanafi é dominante.
É importante notar que as ordens sufis não estão estritamente ligadas a uma escola jurídica específica, e muitos de seus seguidores podem seguir a escola com a qual estão mais familiarizados ou que é predominante em suas regiões.
Além disso, as ordens sufis enfatizam mais a dimensão espiritual e ética do Islam, enquanto as escolas de jurisprudência islâmica, como a Escola Hanafi, lidam com questões legais e rituais. Portanto, a afiliação a uma ordem sufi não implica necessariamente aderência a uma escola jurídica específica.
Em conclusão, a escola Hanafi, com sua rica tradição jurídica e teológica, continua sendo uma influência vital no mundo islâmico contemporâneo.
Caracterizada por sua abordagem pragmática e flexível, ela demonstra como a jurisprudência islâmica pode se adaptar e responder às necessidades de diferentes sociedades, e às constantes mudanças do tempo, mantendo-se fiel aos princípios fundamentais do Islam.
A metodologia Hanafi, com sua ênfase no uso do raciocínio analógico (qiyas) e na opinião pessoal (ray), reflete uma harmonia entre a tradição e a inovação, mantendo-se aberta às necessidades e desafios do mundo contemporâneo.
É essencial destacar o papel do Imam Abu Hanifa na formulação da metodologia da escola Hanafi.
Foi graças à sua busca pela imparcialidade política e premissas para emitir vereditos jurídicos, conseguiu criar um sistema justo que foi capaz de sobreviver ao longo de quase toda história islâmica.
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