O califado é um governo islâmico que conta com a liderança de uma grande figura política e religiosa, isto é, o califa. O governante é considerado o sucessor legítimo do Profeta Muhammad e é responsável por guiar a comunidade islâmica.
Os muçulmanos devem aceitar suas leis se ele for justo, e ele deve guiá-los através dos princípios islâmicos. Na história da religião, houveram quatro califados principais: Rashidun, Omíada, Abássida e Otomano.
Entre os primeiros califas, a sucessão do Profeta Muhammad foi estabelecida através da Shura, um sistema em que homens respeitados e influentes na comunidade eram escolhidos por uma assembleia e um deles era selecionado para liderar os muçulmanos. No entanto, ao final da primeira dinastia, a sucessão sempre foi estabelecida por laços familiares.
O Profeta Muhammad era um líder religioso, mas também político. Ele comandava os domínios islâmicos e garantia que a comunidade mantivesse a prática correta do Islam. Ainda durante sua vida, a revelação do Alcorão se encerrou, mas os muçulmanos continuaram tendo demandas.
Prevendo que isso aconteceria, o próprio Profeta antecipou como seriam os governos que lhe sucederiam e o califado é mencionado como sucessão imediata do seu reinado, onde homens nobres iriam liderar a comunidade islâmica.
“A Profecia permanecerá entre vocês enquanto Allah desejar. Então, haverá um califado (Khilafah) nas linhas da Profecia e irá durar enquanto Allah desejar que dure. Então, a monarquia corrupta erosiva virá e permanecerá enquanto Allah desejar que dure. Depois disso, a realeza despótica emergirá e permanecerá enquanto Allah desejar que dure. Então, o califado (Khilafah) virá mais uma vez com base no preceito da Profecia. (Ahmad e Abu Dawud)
O Alcorão também menciona que os fiéis devem ser obedientes às autoridades, portanto, devem lealdade ao califa.
“Ó crentes, obedecei a Allah, ao Mensageiro e às autoridades, dentre vós! Se disputardes sobre qualquer questão, recorrei a Allah e ao Mensageiro, se é que credes em Allah e no Dia do Juízo Final, porque isso vos será preferível e de melhor alvitre.” (Alcorão 4:59)
Diante dessas evidências, a opinião majoritária dos eruditos islâmicos é que a liderança de um califa é um ponto fundamental para estruturar uma sociedade que segue as leis da religião, sendo que não pode haver mais de um governante para que isso não cause nenhuma divisão entre os muçulmanos e não gere nenhuma inovação nas doutrinas.
Ao longo da história, houve exemplos de impérios que instituíram autoridades regionais, como os emires no Califado Omíada. No entanto, eles deveriam se submeter ao poder central do califa, que era quem, de fato, aplicava a lei.
Se o califa não obriga a população a cometer nenhum pecado, os muçulmanos devem, por obrigação, aceitá-lo como líder, e não devem incitar a desobediência, pois isso é uma ameaça à ordem social.
Muitos eruditos clássicos do Islam afirmavam que o fim do califado significaria o fim da aplicação da lei islâmica, o que degradaria a comunidade religiosa ao longo do tempo.
“Os juízes serão suspensos, o Wilayaat (as províncias) será anulado, (…) os decretos das autoridades não serão executados e todas as pessoas estarão à beira do haram (práticas proibidas pela lei islâmica).” (Imam al Ghazali – al Iqtisaad fil Itiqaad)
“É obrigatório saber que o cargo de comando do povo (isto é, o posto de Califa) é uma das maiores obrigações da religião. Na verdade, não há estabelecimento da religião exceto por ele … esta é a opinião dos salaf, como Al Fudayl ibn Iyad, Ahmad ibn Hanbal e outros” (Ibn Taymiyyah – Siyaasah Shariyyah)
‘(Os estudiosos) concordaram que é uma obrigação dos muçulmanos selecionar um Califa.” (An Nawawi – Sharhu Sahih Muslim)
Os califados foram grandes responsáveis pela expansão islâmica. Muitos dos países onde há forte presença islâmica chegaram a fazer parte de algumas das dinastias em algum momento. Porém, o legado delas não se limita a disseminar a religião, pois também contribuíram com o avanço cultural, científico e humanitário.
Os primeiros sucessores do Profeta eram grandes companheiros que conheceram os ensinamentos sagrados diretamente do Mensageiro. Eles foram de imensa relevância para a consolidação e expansão do Islam e, por causa disso, são reconhecidos como “os califas bem-guiados”.
Este período dura entre os anos 632 e 661 e corresponde ao governo dos seguintes companheiros: Abu Bakr, Omar, Uthman e Ali. Eles foram responsáveis por conter revoltas, expandir o Islam pelo Oriente Médio, África e Ásia, compilar e distribuir cópias do Alcorão para diversos domínios islâmicos.
O Califado Rashidun é considerado o mais próspero da religião após a morte do Profeta Muhammad e, entre os sunitas, há consenso sobre a nobreza e excelências desses califas e sobre a importância desses homens para o desenvolvimento do Islam.
A capital do califado foi sediada na cidade de Medina até o ano de 655, quando o califa Ali a transferiu para Kufa, uma cidade que estava mais ao centro dos domínios islâmicos naquele momento.
A queda do Califado Rashidun acontece após uma série de conspirações por motivos injustos. Ele chega ao final durante o governo de Ali, que derrotou uma revolta de um grupo conhecido como carijitas. Inconformados com a derrota, eles tramaram uma emboscada e conseguiram matar o Califa apunhalado pelas costas enquanto ele ia para uma mesquita para orar no Ramadan.
Após a morte de Ali, teve início a dinastia da família Umayya, também chamado em português de Califado Omíada. Seu período de duração foi entre os anos de 661 e 750, porém, o auge foi vivido entre os anos de 685 e 705, quando o Islam atingiu uma pluralidade cultural riquíssima.
Os Omíadas estabeleceram sua capital em Damasco e avançaram em direção à Pérsia, e converteram os governantes da famosa Rota da Seda. Na Ásia, o califado se expandiu por boa parte central do continente, dominou o Paquistão e chegou até ao oeste de Sindh, onde hoje está a Índia.
Pela frente ocidental, os Omíadas atravessaram o Egito e se expandiram pela costa mediterrânea da África, espalhando-se pelo sul através do Saara e, mais tarde, chegaram até a península ibérica, dominando boa parte do mediterrâneo europeu.
Além do poder e prestígio, o califado era um dos principais centros políticos, culturais e científicos da Idade Média.
Sua decadência é marcada por perdas militares importantes e revoltas em seus domínios, que levaram os Omíadas a perder boa parte de seus territórios a partir de 711. Em 747, se inicia a Revolução Abássida, liderada pelos Hashemitas, rivais dos Omíadas, que obtiveram sucesso ao proclamarem Abu al Abbas al Saffah como califa, que deu início à dinastia seguinte.
O último domínio Omíada caiu na Espanha no ano de 1031, com a invasão dos visigodos.
A Revolução Abássida teve forte apoio entre os não-árabes, que se queixavam dos Omíadas por terem menos direitos em relação aos árabes. Durante o Califado Abássida, foi inaugurada a cidade de Bagdá, que se tornou a capital da dinastia islâmica em 762. Sua localização mais distante dos grandes centros da Arábia e mais perto da Pérsia servia para aproximar os califas e sua base de apoio.
Uma mudança importante que ocorre neste período é a centralização do poder em torno do vizir, os conselheiros dos califas, que tornaram o poder mais burocrático. Na era Omíada, a estrutura de governo girava em torno dos emires, as autoridades locais, que continuaram existindo na era Abássida, mas com uma importância menor.
A proximidade com a cultura persa foi importante para estimular o interesse pelo conhecimento em áreas como a literatura, arquitetura, filosofia, tecnologia, entre outras, o que representou um grande avanço para as ciências daquele período.
No século IX, os Abássidas começaram a perder poder em seus domínios após sucessivas revoltas. Com a expansão dos Buídas, uma seita xiita da Pérsia, Bagdá é dominada em 934, limitando a influência dos Abássidas à região da Mesopotâmia. Em 1055, os turcos seljúcidas derrotam os invasores, mas mantêm o controle sobre a capital do califado.
Em 1258, os mongóis invadiram o Iraque e os Abássidas perderam de vez os seus domínios. Em 1261, eles se reergueram no Egito e conseguiram conquistar o Cairo, a capital do país, onde continuaram reivindicando a autoridade religiosa até o ano de 1517, quando os Otomanos conquistaram o país, pondo fim à dinastia de uma vez por todas.
No século XIV, uma tribo de turcos oguzes sob o domínio de Osman I conquistou muitos territórios na Ásia Central, após a queda do Grande Império Seljúcida, o que deu início à dinastia. Sua maior conquista militar ocorreu em 1453, quando o sultão Mehmed II derrotou o Império Bizantino ao conquistar a cidade de Constantinopla, atual Istambul.
Em 1517, o sultão turco Selim I derrota Al Mutawakkil III, colocando fim à última dinastia expressiva que reivindicava a liderança da comunidade islâmica.
O auge do Império foi durante os séculos XVI e XVII, durante o governo de Suleiman I, quando a dinastia controlou o Sudeste da Europa, Ásia Ocidental, Cáucaso, Norte de África e o Chifre da África.
No século XIX, crises financeiras, conflitos internos étnico-religiosos e derrotas militares fizeram com que os Otomanos perdessem muitos domínios e também sua influência. Em 1914, o império ingressou na Primeira Guerra Mundial, foi derrotado em 1918 e assinou um armistício com as potências aliadas, que depois da guerra fizeram um acordo para repartirem o Império Otomano entre si.
Após a guerra pela independência, os nacionalistas turcos venceram as potências aliadas e, em 1924, o Estado da Turquia é estabelecido, o que marca o fim do Império Otomano.
Desde o fim do Império Otomano, a maioria dos países islâmicos não demonstrou interesse em restaurar o califado e nenhum líder político alegou autoridade sobre os muçulmanos, a não ser sobre os fiéis dos países que governavam.
Alguns grupos fundamentalistas e terroristas ao longo do século XX tinham como objetivo a restauração do califado. Alguns exemplos mais famosos são a Irmandade Muçulmana, Al Qaeda e o Estado Islâmico (ISIS, Daesh). Porém, esses grupos dificilmente encontram algum apoio fora do seu grupo de militantes.
Embora o califado desempenhe um papel importante para estruturação de um governo islâmico, o conflito entre as nações e os interesses opostos entre os líderes políticos e religiosos transformam a unidade islâmica em torno de um único governo em um objetivo distante de ser alcançado.
Em geral, os muçulmanos acreditam que a redenção da comunidade virá através do Mahdi, um homem que será o muçulmano mais correto de seu tempo, enviado por Deus para guiar novamente os fiéis sob um reinado de justiça.
A figura do Mahdi não é destacada pelo Alcorão, mas os relatos de vida do Profeta Muhammad mostram que o Mensageiro de Deus contou sobre um homem de sua linhagem, cuja vinda coincidiria com a volta de Jesus, antes do final dos tempos.
Ele ajudará o Messias a combater o anti-cristo e estabelecerá seu califado, que durará um período de sete ou oito anos. Ele governará seguindo as leis islâmicas, através das quais estabelecerá a paz e a harmonia para a Terra.
“Mesmo que toda a duração da existência do mundo já tenha se exaurido e falte apenas um dia para o Dia do Juízo Final, Allah irá expandir esse dia para um período de tempo a ponto de acomodar o Califado de uma pessoa de minha Ahlul al Bait (família do Profeta) que será chamada pelo meu nome. Ele preencherá a Terra com paz e justiça, pois ela estará cheia de injustiça e tirania (até então). (Tirmidhi e Abu Dawud)“
O califado é reconhecido pelos eruditos islâmicos como o sistema de governo que deve liderar toda a comunidade religiosa. Isto é algo que também está previsto nas fontes sagradas da religião.
Existiram quatro dinastias que foram reconhecidas como os principais califados. Ao longo de vários séculos, elas foram responsáveis por liderar os muçulmanos e instituir as leis da religião como forma de governo. No entanto, desde 1924 não há mais nenhum governo que carregue este título.
Embora alguns grupos fundamentalistas tentem reerguer o califado, eles não encontram apoio em boa parte da comunidade islâmica. Atualmente, nenhum país ou liderança religiosa e política está interessada em fundar um governo nesses moldes.
As fontes sagradas do Islam indicam que o califado só ressurgirá com a chegada do Mahdi, um homem que, segundo a Profecia, será um muçulmano extremamente justo que irá estabelecer a paz no mundo e a união entre os muçulmanos. Seu governo, no entanto, será um sinal da chegada do fim dos tempos.
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