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Como os muçulmanos ajudaram a Independência Americana

Entenda como foram importantes as criações e pensadores muçulmanos na independência americana. Saiba qual foi o papel do Islam na vida americana
  • Embora a islamofobia seja muito praticada nos Estados Unidos, os muçulmanos influenciaram positivamente a base da Revolução Americana – o Iluminismo.
  • Ideias famosas de pensadores como Locke, Descartes, Isaac Newton e Montesquieu foram reproduções de pensamentos islâmicos.
  • Além disso, os muçulmanos foram pioneiros em fazer e beber café na época em que a Europa vivia em constante embriaguez alcoólica.
  • As ideias dos muçulmanos, a cafeína e as casas de café foram fundamentais para o Iluminismo e, consequentemente, para a Revolução Americana.

A situação política americana de hoje pode ser um lugar bastante confuso e assustador. As ideias dos Pais Fundadores são comumente citadas como os fundamentos da nação. A Declaração de Independência e a Constituição são vistos como os documentos infalíveis nos quais a vida americana é baseada. A liberdade e a democracia são os pilares das ideias políticas e sociais nos Estados Unidos.

Ao mesmo tempo, no entanto, a crescente onda de islamofobia está cada vez mais presente. Os políticos afirmam que a caracterização da vida islâmica é incompatível com a sociedade americana. Os “especialistas” da mídia criticam a suposta influência dos muçulmanos em destruir os fundamentos das ideias políticas e sociais norte-americanas.

A parte verdadeiramente irônica disso é que os muçulmanos ajudaram, de fato, a formular as ideias nas quais os Estados Unidos se baseiam. Embora este artigo não vá argumentar que o Islam e os muçulmanos são a única causa da Revolução Americana, o impacto que os muçulmanos tiveram sobre a criação da América é claro e não deve ser negligenciado.

Filosofia Islâmica e o Iluminismo

As ideias políticas e sociais que levaram os colonos americanos a se revoltarem contra o Império Britânico foram formuladas em um movimento conhecido como Iluminismo. O Iluminismo foi um movimento intelectual que argumentou que a ciência e a razão devem ser a base da sociedade humana, e não o cego seguimento dos monarcas e a autoridade da igreja. No dia 4 de julho de 1776, na Filadélfia, os revolucionários americanos assinaram a Declaração de Independência, um documento escrito por Thomas Jefferson e fortemente influenciado pelo Iluminismo, que oficializou a sua ruptura com a Grã-Bretanha e a criação dos Estados Unidos da América.

O Iluminismo foi impulsionado por um grupo de filósofos e cientistas europeus que iam contra as ideias dominantes de poder na Europa da época. Entre esses pensadores, estavam pessoas como John Locke, René Descartes, Isaac Newton e Montesquieu.

John Locke

John Locke, um inglês que viveu entre 1632 e 1704, promoveu algumas das ideias mais influentes do Iluminismo. Ele foi pioneiro na ideia de que os seres humanos são naturalmente bons e são corrompidos pela sociedade ou pelo governo, tornando-se, então, desviantes. Locke descreveu esse pensamento em seu Ensaio sobre o Entendimento Humano como a tábula rasa, uma frase latina que significa “folha em branco”. A ideia não era originalmente dele, no entanto, e sim de um filósofo muçulmano do anos 1100 chamado Ibn Tufail. No livro de Ibn Tufail, Hayy ibn Yaqdhan, ele descreve uma ideia idêntica sobre como os humanos agem como uma lousa em branco, absorvendo experiências e informações ao seu redor.

John Locke tomou emprestado muitas de suas idéias iluministas do filósofo muçulmano, Ibn Tufail
John Locke tomou emprestado muitas de suas idéias iluministas do filósofo muçulmano, Ibn Tufail

O mesmo raciocínio se manifesta na vida do Profeta Muhammad. Ele afirmou que “nenhuma criança nasce, exceto no fitra.” Fitra pode ser definido como o estado natural, puro, de uma pessoa. De acordo com o pensamento islâmico, todos os seres humanos nascem em um estado natural de pureza com a crença em um Deus e, à medida em que envelhecem, eles adotam as ideias e crenças das pessoas ao seu redor, especialmente de seus pais. Este é o precursor intelectual da tábula rasa que Locke aprendeu com Ibn Tufail.

Através de Locke, este conceito influenciaria a ideia política de que os seres humanos não devem ser restringidos por um governo opressivo e intolerante. Suas ideias, que pegou emprestadas de Ibn Tufail, acabariam formando os pilares do pensamento revolucionário da América de que os colonos na América seriam muito melhores se eles não estivessem sob um governo britânico opressivo. Locke, expandindo ainda mais o assunto, descreveu algo que ele chamou de contrato social: o povo deve consentir ser governado por um governo que, por sua vez, se compromete a proteger os direitos naturais dos seus cidadãos.

Este mesmo conceito também é visto em 1377 no Muqaddimah do grande historiador e sociólogo muçulmano, Ibn Khaldun. Nests obra, ele afirma: “Os concomitantes de bom governo são a bondade e a proteção dos direitos individuais. O verdadeiro significado da autoridade real acontece quando um governante defende seus súditos”. Aqui, Ibn Khaldun está explicando uma das principais ideias políticas do Iluminismo, 300 anos antes de Locke propor o mesmo argumento: de que um governo deve defender, e não infringir, os direitos dos seus cidadãos. Mais tarde, em 1776, o preâmbulo da Declaração de Independência afirmou um argumento semelhante: “Os governos são instituídos entre os homens, derivando seus justos poderes do consentimento dos governados”.

John Locke também foi pioneiro no conceito de direitos naturais: a ideia de que os seres humanos têm um conjunto de direitos dados por Deus que não devem ser tirados por qualquer governo. Na Declaração da Independência, isto é indicado como “(…) eles [os homens] são dotados pelo Criador de certos direitos inalienáveis, que entre estes estão a vida, a liberdade e a busca da felicidade.”

Enquanto a maioria dos livros didáticos americanos e europeus promovem isso como uma ideia “ocidental” original, a verdade é que é muito mais antiga do que John Locke e Thomas Jefferson. Mais uma vez, no Muqaddimah, Ibn Khaldun explica: “Aqueles que infringem sobre uma propriedade cometem uma injustiça. Aqueles que negam às pessoas os seus direitos cometem uma injustiça.” Ele passa a explicar que isso leva à destruição de um Estado e cita exemplos da vida do Profeta, nos quais ele proibiu a injustiça. Os conceitos de que um governo islâmico não deve infringir direitos foram muito claros na lei islâmica e foi uma ideia bem aceita em todos os impérios muçulmanos.

Outros Filósofos

Outros filósofos do Iluminismo foram fortemente influenciados pelos muçulmanos anteriores e pelas ideias islâmicas. Sem entrar em grandes detalhes, seguem alguns exemplos:

  • Isaac Newton foi grandemente influenciado por Ibn al Haytham, o cientista muçulmano pioneiro no método científico, na ótica e nas leis do movimento. Na Europa, Ibn al Haytham era bem conhecido, como também eram suas ideias sobre ciência e filosofia. Isaac Newton tomou emprestada de Ibn al Haytham a ideia de que existem leis naturais que correm o universo (proposta pela primeira vez pelo califa al Mamun como sua justificativa para a criação da Casa da Sabedoria, em Bagdá). Mais tarde, filósofos iluministas usaram a ideia de leis naturais para apoiarem conceitos de direitos naturais, o papel do governo e sistemas econômicos. Todas essas ideias influenciaram os Pais Fundadores da América, que citam isso como os pilares ideológicos dos Estados Unidos.
  • Montesquieu é geralmente citado como o primeiro a propor as ideias de separação do governo em vários ramos. Durante seu tempo na Europa, os monarcas detinham o poder absoluto e controle do Estado, que não era compartilhado com ninguém. O mundo muçulmano, historicamente, nunca tinha funcionado de tal maneira. Enquanto califas nos impérios omíadas e abássidas controlavam a maior parte do poder, também existia a ideia da shura, que era um conselho cujo trabalho era aconselhar o califa. Nesses governos, também existiam ministros que realizavam tarefas sob a supervisão do monarca. Talvez o mais importante, no entanto, tenham sido os cádis ou juízes, que formaram um sistema legal baseado na lei islâmica e eram independentes do califa no poder. Um bom exemplo de como os governos islâmicos são projetados para trabalharem através de uma burocracia é do Imam al Mawardi Al Ahkam Al Sultaniyyah [Nas Ordenações do Governo], escrito no início dos anos 1000. Nele, al Mawardi explica como o califa e outros funcionários do governo operam para levarem a cabo as suas funções dentro de suas esferas individuais, ao mesmo tempo, permanecendo no quadro da lei islâmica.

Este sistema de governo era bem conhecido na Europa a partir dos Estados europeus muçulmanos da Espanha e na Sicília, lugares para onde muitos cristãos europeus viajaram para estudar com estudiosos muçulmanos. O trabalho de Al Mawardi foi traduzido para o latim e divulgado por toda a Europa, onde era conhecido como Alboacen, uma corrupção latina do seu nome.

Café

Todas as ideias filosóficas já mencionadas não teriam tido muito efeito se não fosse por uma bebida preta e curiosa que saiu do mundo muçulmano – o café. Durante a Idade Média na Europa, a bebida de escolha era o álcool. Na França e em outras áreas que cresciam uvas, o vinho era a bebida dominante, enquanto as cervejas eram populares mais ao norte. A água potável era realmente rara, pois acreditava-se que as bebidas alcoólicas eram mais limpas do que a água e mais encorpadas. O resultado desta crença era a embriaguez constante entre a população europeia.

No Iêmen, no meio dos anos 1400, uma nova bebida que foi feita a partir de grãos de café começava a tornar-se bastante popular. Os iemenitas estavam assando e, em seguida, fervendo os grãos de café na água para produzir uma bebida que era rica em cafeína, um estimulante que faz com que o corpo tenha mais energia e o cérebro pense com mais clareza. Através dos anos 1400 e 1500, aconteceu a propagação do café em todo o mundo muçulmano e lojas de café começaram a aparecer nas grandes cidades. Estas lojas tornaram-se o centro da sociedade urbana e reuniam pessoas que desejavam socializar e desfrutar da companhia dos outros.

Um café britânico em 1700
Um café britânico em 1700

Nos anos 1600, essas casas de café também se espalharam pela Europa. Embora tenha havido certa resistência inicial ao beber uma “bebida muçulmana” na Europa cristã, a bebida pegou. Os cafés tornaram-se um aspecto central do Iluminismo, particularmente na França. Enquanto anteriormente europeus bebiam álcool regularmente, agora eles se encontravam em casas de café, onde discutiam filosofia, governo, política e outras ideias que eram os pilares do Iluminismo. Filósofos franceses iluministas como Diderot, Voltaire e Rousseau foram todos clientes regulares nos cafés de Paris.

Se não fosse por esta bebida das terras muçulmanas, a Europa poderia nunca ter tido o Iluminismo, já que os filósofos nunca teriam se reunido para discutirem ideias, nem teriam a clareza mental (devido ao consumo de álcool) para pensar filosoficamente.

Como tudo isso levou à revolução?

Como foi referido anteriormente, a Revolução Americana foi um efeito direto do Iluminismo europeu. As teorias de direitos, o governo e o eu humano, que foram a base do Iluminismo, tomaram forma em 1700 nas mãos de grandes mentes como Locke, Newton e Montesquieu. Eles, no entanto, tomaram emprestadas as ideias de filósofos muçulmanos anteriores, como Ibn Tufail, Ibn Sina e Ibn Khaldun. Se não fosse por seus pensamentos que foram enraizados no Islam, o Iluminismo não poderia ter sido tão perspicaz ou poderia até mesmo não ter acontecido. Somado a isso, também foi importante o efeito que o café teve na Europa em dar aos filósofos um fórum para expandirem suas ideias e aprenderem novas.

A assinatura da Declaração da Independência, em 1776, na Filadélfia
A assinatura da Declaração da Independência, em 1776, na Filadélfia

Sem o Iluminismo, os colonos americanos nunca teriam tido o apoio intelectual que precisavam para se revoltarem. As ideias de liberdade e os direitos humanos em que a América se funda são originalmente ideias muçulmanas formuladas por filósofos muçulmanos que tiveram o Alcorão e Hadith como sua base. Enquanto não é correto afirmar que os muçulmanos, sozinhos, fizeram a Revolução Americana, as suas contribuições e influências não podem ser negligenciadas. Aqueles que afirmam que as ideias islâmicas não são compatíveis com a sociedade americana devem se lembrar que foram essas ideias islâmicas que ajudaram a formar a sociedade americana, liberdade em primeiro lugar.

Bibliografia

Khaldūn, I. (1969). The muqaddimah, an introduction to history. Bollingen.

Morgan, M. (2007). Lost history. Washington D.C. : National Geographic Society.

Russell, G. A. (1994). The ‘arabick’ interest of the natural philosophers in seventeenth-century england. Brill Publishers.

Traduzido de Lost Islamic History

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