O martírio no Islam é conhecido pela palavra árabe "shahid", que é usada para se referir àquele que morre por sua fé. Em sua forma mais pura, o mártir pode ser um guerreiro leal ao califa que morre em uma batalha, um muçulmano morto em um estado onde eles são perseguidos,ou pode ser alguém que faleceu enquanto divulgava a religião de alguma forma.
Os mártires morrem no caminho da fé, para proteger a religião, a nação, sua família ou sua propriedade, abrindo mão do seu ego por uma causa maior. Isso não deve ser confundido com pessoas que se matam em atentados e levam consigo vidas inocentes, pois a lei islâmica proibe entrar em guerra com pessoas que estão em paz com os seguidores do Islam e também não permite o suicídio, portanto, isso é um pecado grave.
O shahid é exaltado pelo Alcorão, que diz que aquele que morre pela religião alcança o paraíso. É parte do caminho do muçulmano sacrificar o seu próprio ego em detrimento de Allah e o grau maior de sacrifício, muitas vezes, é dar a própria vida, que abriga todos os bens mundanos que podemos ter.
"E não creiais que aqueles que sucumbiram pela causa de Allah estejam mortos; ao contrário, vivem, agraciados, ao lado do seu Senhor. Estão jubilosos por tudo quanto Allah lhes concedeu da Sua graça e se regozijam por aqueles que ainda não sucumbiram porque estes não serão presas do temor, nem se angustiarão." (Alcorão, 169-170)
"Aqueles que migraram pela causa de Allah e foram mortos, ou morreram, serão infinitamente agraciados por Ele porque Allah é o melhor dos agraciadores. Em verdade, (Allah) introduzi-los-á em um lugar que comprazerá a eles porque Allah é Tolerante, Sapientíssimo" (Alcorão, 22: 58-59)
O Alcorão também menciona que alguns profetas foram martirizados.
"Isso é porque eles não acreditaram nos versículos de Allah e mataram os profetas sem direito. Isso é porque eles desobedeceram e [habitualmente] transgrediram." (Alcorão, 3:112)
Este é o caso do Profeta João Batista que, de acordo com o estudioso islâmico Ibn Kathir, confirma a versão da Bíblia de que o rei Herodes Antipas queria ter um casamento incestuoso com sua sobrinha Salomé, e o Profeta condenou o afeto proibido que o casal tinha. A mulher, então, pediu para que o governante matasse João Batista e ele o decapitou.
Mausoléu do Profeta João Batista, localizado na Mesquita Omíada em Damasco, na Síria.
Os relatos da vida do Mensageiro de Allah muitas vezes explicam o contexto da Revelação do Alcorão. Um deles é bastante conhecido pelos juristas muçulmanos e esclarece que o muçulmano só alcança o paraíso se a intenção do martírio for digna perante a Allah, o que significa que não é qualquer morte que será recompensada.
"Foi narrado sob a autoridade de Anas bin Malik que o Mensageiro de Allah (que a paz esteja com ele) disse: Quem busca o martírio com sinceridade receberá sua recompensa, embora não possa alcançá-la." (Muslim 4694, Livro 20)
Portanto, um martírio autêntico é uma honra muito grande para aquele que se sacrifica e o seu grande esforço não é em vão, pois Allah o recompensa com altas estações do paraíso.
"O Profeta disse: “Ninguém que entra no Paraíso gosta de voltar ao mundo, mesmo que tenha tudo na Terra, exceto um Mujahid que deseja retornar ao mundo para ser martirizado dez vezes por causa da dignidade que recebe (de Deus)." (Sahih Bukhari, 4:52:72)
"Haritha foi martirizado no dia (da batalha) de Badr e ele ainda era um menino. Sua mãe veio ao Profeta e disse: "Ó Apóstolo de Allah! Você sabe o quão querido Haritha é para mim. Se ele estiver no Paraíso, permanecerei paciente e esperarei a recompensa de Deus, mas se não for assim, então você verá o que eu faço?" Ele disse: "Que Allah seja misericordioso com você! Você perdeu seus sentidos? Você acha que existe apenas um Paraíso? Existem muitos Paraísos e seu filho está no (mais superior) Paraíso de Al-Firdaus."(Bukhari, 5:59:318)
Os mártires são enterrados sem o tradicional banho que é dado antes do enterro dos muçulmanos e sem oração fúnebre. O sangue daquele que se sacrifica na causa de Allah é a própria purificação de seu corpo.
O Profeta recolhia cada dois mártires de Uhud em um pedaço de pano, então ele perguntava: "Qual deles tinha (sabia) mais do Alcorão?" Quando um deles era apontado, ele o colocava primeiro na sepultura e dizia: "Eu serei testemunha deles no Dia da Ressurreição". Ele ordenou que fossem enterrados com o sangue em seus corpos e eles não foram lavados, nem uma oração fúnebre foi oferecida por eles. (Bukhari, 2:23:427)
A primeira pessoa a se tornar uma mártir do Islam era uma mulher chamada Sumayyah bint Khayyat, que foi morta pelo líder dos pagãos coraixitas, chamado Abu Jahl, que a esfaqueou no abdômen quando ela se converteu ao Islam. No mesmo período em que ela morreu, muitos muçulmanos foram perseguidos e alguns deles também foram mortos.
Ainda durante a vida do Profeta, um dos eventos em que muitos muçulmanos foram martirizados foi a Batalha de Uhud, em que os servos de Allah foram derrotados pelos pagãos de Meca. De acordo com o historiador Ibn Athir, 85 companheiros do Profeta Muhammad foram mortos em confronto, sendo que o principal deles foi Hamza ibn al-Muttalib, irmão adotivo do Profeta Muhammad, que foi mutilado após sua morte.
Representação da Batalha de Karbala, na qual Hussein ibn Ali foi martirizado.
Após a morte do Mensageiro de Allah, outros de seus companheiros e líderes dos muçulmanos foram mortos vítimas de conspirações injustas de seu povo. Este é o caso de três dos quatro califas rashidun (ortodoxos), cujas mortes levaram os muçulmanos à primeira grande divisão da comunidade: Omar ibn al-Khattab, Uthman ibn Affan e Ali ibn Abu Talib.
Outro martírio importante de ser mencionado é o do neto do Profeta Muhammad, Hussein ibn Ali, que morreu durante a Batalha de Karbala, quando se tornou um cativo de seu opositor, o tirano Yazid, que tentou submeter Hussein ao seu governo, mas ele não cedeu às suas investidas.
Hussein estava somente com algumas dezenas de pessoas que decidiram permanecer leais ao seu comando até o final da vida, e todas foram massacradas com ele, incluindo mulheres e crianças. De seu martírio surgiu o ramo xiita, que considera o neto do Profeta Muhammad um dos imams infalíveis. Ele também é bastante respeitado pelos sunitas.
Aqueles que espalham o mal, matam inocentes ou tratam mal os não-muçulmanos que um país islâmico jurou proteger não estão seguindo os mandamentos divinos e nem a sunnah do Profeta Muhammad.
"O Profeta disse: “ Quem matou um muahid (pessoas de outras religiões protegidas por um estado islâmico) não sentirá a fragrância do Paraíso, embora sua fragrância possa ser sentida a uma distância de quarenta anos (de viagem). ” (Bukhari, 9:83:49)
Portanto, nenhum atentado terrorista deve ser considerado um martírio, pois o próprio conceito da palavra implica em atacar inocentes, o que é proibido pelas leis islâmicas. Aqueles que o fazem estão se desviando do que Allah determinou, mesmo que eles aleguem o contrário.
Mas ainda há muitos casos de martírios no Islam nos dias atuais. Os uighurs, vítimas da perseguição do governo chinês; os homens e mulheres assassinados na mesquita de Christchurch, na Nova Zelândia; os muçulmanos que sofrem perseguição sistemática na Índia, sendo intimidados, ameaçados e mortos pelos supremacistas hindus; os rohingya, que sobreviveram a um genocídio em Myanmar.
Muitos heróis modernos também morreram em batalha. É o caso de Omar Mukhtar, que lutou pela independência da Líbia e combateu o exército de Mussolini, capturado e sentenciado à morte pelos italianos em 1931.
O Imam Mehmed Âtif Hoca, que foi condenado a enforcamento em 1926 pelo governo secular da Turquia, após se rebelar contra uma lei que proibia os homens de usar chapéus islâmicos em 2011.
O Sheikh al-Bouti criticou a politização das mesquitas na Síria durante o início das revoltas que levaram o país ao caos em 2011. Embora não apoiasse o governo de Bashar al-Assad, ele passou a ser criticado pelos opositores políticos do ditador e acabou sendo morto em um atentado a bomba enquanto segurava o Alcorão durante uma aula religiosa na Mesquita al-Iman, em Damasco.
O martírio no Islam é considerado um enorme sacrifício por uma causa muito nobre e, por colocar Allah à frente da própria vida, o mártir é recompensado. No entanto, nem toda morte pode ser considerada algo nobre, pois quando o indivíduo faz algum mal contra sí, como nos casos do suicídio, ou ataca pessoas inocentes, ele está cometendo um grande pecado e, portanto, são coisas condenadas pela religião islâmica.
O mártir é recompensado com altas estações no paraíso, pois ele entrega sua própria vida para Allah em nome de uma causa mais nobre. Ele pode se sacrificar pela religião, por sua família ou por outras pessoas. Enfim, ele se sacrifica por um bem maior e para garantir que o mal não se propague.
Muitos companheiros e familiares do Profeta Muhammad e até mesmo outros profetas foram martirizados. Até hoje, infelizmente, muitos muçulmanos são mortos simplesmente por levar a mensagem de Allah para outras pessoas, mas Deus, em Sua infinita misericórdia, sempre reconhecerá os feitos heróicos dessas pessoas.
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