Os vários princípios descritos por juristas clássicos são o resultado de um longo estudo das determinações da jurisprudência islâmica ao longo dos tempos e das eras. Esses princípios não surgiram apenas por causa das ideias ou experiências pessoais desses juristas ou por mera coincidência. Ao invés disso, podem ser encontrados desde a época dos Companheiros do Profeta e de seus seguidores.
Podemos encontrar certos princípios diretamente no Alcorão e na própria Sunnah. Por exemplo, Allah, o Altíssimo, nos diz:
“Conserva-te indulgente, recomenda o bem e afasta-te dos ignorantes.” (Alcorão 7:199)
O versículo acima consiste em três frases, todas elas sendo, de fato, princípios que formam uma base para outras determinações das Leis Islâmicas (Shariah). Por exemplo, na ordem “Conserva-te indulgente”, estão inclusos os seguintes atos: ter bons laços com aqueles que os quebram, perdoar aqueles que cometem erros e ser educado.
Na afirmação “afasta-te dos ignorantes”, há um incentivo para adquirir conhecimento, não se envolver em argumentos infrutíferos, ficar longe dos opressores, etc.
De forma semelhante, existem muitos desses princípios nas coleções de Hadith narradas por nosso amado Mensageiro de Allah, especialmente nos Hadith que são considerados “pérolas da sabedoria”, como exemplos:
a) “Todo embriagante é ilegal” (Sahih Muslim).
b) “Qualquer acordo de empréstimo que resulte em alguns benefícios para o credor é riba (usura)” (Sunan al Bayhaqi)
c) “Todo assunto recém-iniciado é inovação e toda inovação é equivocada” (Sunan Abu Dawud).
d) “Qualquer condição que não esteja no livro de Allah é nula” (Sahih al Bukhari).
e) “Toda boa ação é caridade” (Sahih al Bukhari).
f) “A prova deve ser fornecida por quem queixa e o réu deve prestar juramento” (Sunan Tirmidhi).
g) “O atraso (no pagamento de dívidas) por uma pessoa rica é considerado opressão” (Sahih al Bukhari).
h) “Não há obediência a nenhuma criação quando há desobediência ao Criador” (Musnad Ahmad).
Portanto, os princípios gerais na Sunnah são numerosos e, juntamente com os princípios do Alcorão, são a base na qual os juristas clássicos formaram os Qawaid, que são a junção dos princípios dessas duas fontes.
Os juristas clássicos também se basearam em seus próprios princípios, que não foram explicitamente mencionados no Alcorão e na Sunnah. Eles formaram muitos desses princípios, os quais foram compilados em muitos livros. Estudiosos como Ibn Nujaym (em “Al Ashbah wa Al Nazair”), Abu Zaid Dabusi (em “Tasis Al Nazar”), Imam Al Karkhi (em “Al Usul”) e Al Atasi (em “Al Majallah”) reuniram vários princípios na Escola Hanafi relacionados a vários aspectos da Shariah.
Do mesmo modo, os livros “Al Furuq”, do Imam Al Qarafi (Escola Maliki), “Qawaid Al Ahkam Fi Masalih Al Anam”, de Izzuddin ibn Abdus Salam (Escola Shafi), e “Al Qawaid”, de Ibn Rajab Al Hanbali (Escola Hanbali), são grandes obras desta ciência.
Assim, chegamos ao princípio sobre o qual foi perguntado, que afirma “se alguém é vencido por dois males, deve escolher o menor dos dois”. Este princípio geral foi mencionado em quase todos os livros escritos nesta ciência e se baseia no conceito de tentar evitar ao máximo o pecado e causar danos. Ele foi derivado das diretrizes gerais encontradas no Alcorão e na Sunnah.
Allah, o Altíssimo, nos diz:
“Temei, pois, a Allah, tanto quanto possais.” (Alcorão 64:16)
Da mesma forma, Allah, o Altíssimo, diz:
“Quando te perguntarem se é lícito combater no mês sagrado, dize-lhes: A luta durante este mês é um grave pecado; porém, desviar os crentes da senda de Allah, negá-Lo, privar os demais da Mesquita Sagrada e expulsar dela (Meca) os seus habitantes é mais grave ainda, aos olhos de Allah, porque a opressão é pior do que o homicídio.” (Alcorão 2:217)
Neste versículo, Allah, o Altíssimo, menciona que os pagãos de Meca acusaram os muçulmanos de violar o costume, saindo para lutar no Ramadan, o mês sagrado. Contudo, mesmo que isto seja uma grave ofensa, os muçulmanos foram forçados a escolher o menor de dois males, pois não lutar implicaria na continuidade da perseguição aos crentes pelos seus inimigos. Portanto, os muçulmanos foram levados a lutar em legítima defesa durante esse período, contra seus próprios sentimentos.
No quinto ano da Hégira, o Mensageiro de Allah concordou em fazer uma trégua com os politeístas de Meca, os Sulh Al Hudaybiyya. O Mensageiro de Allah se comprometeu com eles em muitos assuntos, renunciando a direitos dos muçulmanos. Ficou acordado que, se algum não-crente viesse a Medina, os muçulmanos deveriam enviá-los de volta, enquanto que, na situação oposta, eles não seriam devolvidos. O Mensageiro de Allah concordou com isso tendo em mente o mal maior, que era a tortura esperada para aqueles que permanecessem em Meca, e também para evitar um derramamento de sangue instantâneo. Com essa atitude, o Profeta estava olhando para ganhos em longo prazo.
Outro incidente bem conhecido é o de um aldeão que havia aceitado o Islam recentemente. Este homem, sem conhecer as etiquetas de como se comportar dentro da Mesquita, começou a urinar lá dentro. O Mensageiro de Allah não o impediu instantaneamente, deixou-o terminar primeiro e depois lhe explicou de modo educado que é inapropriado urinar na Casa de Allah (Sahih Muslim). Nesta situação, o Mensageiro de Allah tolerou o mal menor, deixando que ele terminasse de urinar e impediu dois males maiores:
Aqui vão alguns exemplos em assuntos dentro da Jurisprudência Islâmica nos quais esse princípio é empregado (extraídos do livro “Al Ashbah” de Ibn Nujaym):
1. Uma pessoa foi ferida em um modo que, no momento em que ela se prostrasse na oração (sajda), o sangue sairia e fluiria. Contudo, ao se evitar a prostração, o sangue não fluiria
Na situação descrita acima, ordena-se que a pessoa ofereça seu Salat sentado com gestos, pois deixar de fazer a prostração (sajda) é um mal menor do que oferecer a oração em um estado de impureza ritual. Não fazer a prostração é permitido incondicionalmente em orações opcionais, enquanto que o Salat nunca pode ser oferecido no estado de impureza ritual.
2. Uma pessoa idosa e doente que é incapaz de recitar (na oração) enquanto está de pé, mas que é capaz de fazê-lo sentada
Neste caso, a decisão é que essa pessoa deve oferecer seu Salat sentada e fazer a recitação, pois oferecer Salat sentado é um mal menor do que omitir a recitação.
3. Quando alguém é forçado a comer, por necessidade, carne morta (não abatida) ou consumir da riqueza de outra pessoa, deve comer a carne morta e ilegal, pois comer carne morta é o mal menor entre as duas situações.
Por: Mufti Muhammad ibn Adam
Traduzido de Seekers Guidance
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