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Como o Irã se tornou xiita?

Uma das transformações mais significativas que ocorreram na história islâmica, cujo o legado é fortemente presente, mesmo em nossos dias, foi, sem dúvida, a conversão do Irã do sunismo ao xiismo durante os séculos XVI e XVII. Embora tenha havido outros exemplos ao longo da história islâmica de governantes que buscaram trazer uniformidade religiosa por razoes politicas, como os almóadas na Península Ibérica e Norte da África sendo o principal exemplo, unificando pelo maliquismo em al-Andalus. Os safavidas no Irã talvez sejam o único exemplo em que tal conversão do território foi geralmente bem sucedida, tanto em termos de escala do projeto bem como sua permanência. O resultado final foi que toda uma região do mundo islâmico foi colocada sob o domínio exclusivo de uma única seita, o xiismo duodecimano, em detrimento de outras correntes islâmicas (sunismo e xiismo zaidita).

Um fato pouco conhecido para a maioria dos leigos é que, para grande parte da sua história islâmica, entre a conquista árabe no século VII e no estabelecimento dos safavidas como governantes do país no século XVI, o Irã era um reduto intelectual e centro do Islã sunita. A maioria dos pensadores e figuras sunitas, incluindo teólogos (como Sharif al-Jurjani, Fazlallah b. Ruzbihan Khunji-Isfahani), místicos sufis (Abu Hamid al-Ghazali, Abd al-Qadir al-Gilani), fundadores de escolas de jurisprudência islâmica (importantes como Abu Hanifa e Dawud al-Zahiri), historiadores (como Tabari e Bayhaqi), teóricos políticos (como Nizam al-Mulk, Jalal al-Din Davvani), poetas (como Abd al-Rahman Jami, Farid ud-Din Attar) e compiladores de hadith ( todos os autores sunitas do Sihah al-Sitta ) foram iranianos.

Haviam comunidades significativas xiitas no Irã, assim, concentradas principalmente nas cidades de Kashan, Qom, e Gilan, sendo essas comunidades divididas em nos ramos ismaelita e zaidita do xiismo, bem como duodecimano. Os ismaelitas foram em grande parte destruídos e os duodecimanos só iriam experimentar a ascendência no planalto iraniano após as invasões mongóis e o estabelecimento do segundo canato mongol (1256-1335) e com a dinastia Qaraqoyunlu (1375-1468). No entanto, estas duas últimas dinastias foram caracterizadas pela sua tolerância ao xiismo ao invés de qualquer tentativa em larga escala para imposição religiosa em suas populações, como os safavidas fariam. Nesta linha de acontecimentos, eu quero lançar alguma luz sobre o processo de conversão dos safavidas do Irã para o xiismo duodecimano, a fim de incentivar ainda mais a investigação sobre o tema.

Como estudioso de historia medieval e, especialmente, inicio da Ibéria moderna, passei a me interessar pelas conversões em larga escala entre os anos 1391 e 1501 na Espanha. Acho que este tema específico a ser um de extrema importância. A destruição da comunidade sunita do Irã apresenta semelhanças fortes com o processo de cristianização das regiões conquistadas de al-Andalus.

Também é um fato bastante interessante em si mesmo que a conversão dos muçulmanos da Espanha e a conversão dos sunitas iranianos foram ambas promulgada no ano de 1501. Ambos os processos também foram extremamente politicamente motivados e tinham muito mais a ver com o processo de edificação de status, a relação entre o clero e poder estatal, e a homogeneização da política no mundo moderno, mais cedo do que qualquer tendência inerente vinda do catolicismo ou xiismo duodecimano para a violência. Houve também um importante componente messiânico em ambos os casos, o que, certamente, não deve ser ignorado. Como o 500 º aniversário da batalha importante de Chaldiran (1514) se aproximava, era agora mais importante do que nunca para considerar o significado da conversão do Irã safavida, um acontecimento histórico que tem fugido a consciência histórica da grande maioria dos muçulmanos e não muçulmanos.

A conversão do Irã foi um componente crítico (alguns podem até argumentar um catalisador) na confessionalização do Oriente Próximo, que teve lugar no início do período moderno. Por essa “confessionalização”, refiro-me ao aumento da associação entre identidade religiosa, sectarismo e política. Enquanto que para grande parte da história islâmica, várias seitas tinham coexistido (no entanto, inquietas) ao longo dos territorios islâmicas, muitas vezes residentes em estreita proximidade uma do outra, o processo de confessionalização envolveu a identificação exclusiva de uma entidade política (e, portanto, uma região geográfica) com uma seita particular (ou confissão / credo). Isto significou que as populações que residem em cada entidade adquiriu uma identidade sectária mais forte e, assim, as linhas entre as seitas (muitas vezes turvas no período medieval) tornaram-se cada vez mais definidas. O poder do Estado começou a desempenhar um papel mais direto na determinação das linhas entre a “ortodoxia” e “heterodoxia”, decretando sanções duras contra aqueles considerados de pertencer à última categoria. A “confessionalização” também implica que a política interna e externa do governo também se tornasse cada vez mais ligada à sua própria filiação sectária. Em meados do século XVI três principais formações políticas emergiram: Um firmemente xiita safavida no Irã, uma sunita na Ásia Central (com os uzbeques), e um Império Otomano firmemente sunita.

O sunismo foi duramente reprimido em domínios safávidas, assim como o xiismo foi severamente perseguido na Ásia Central e nas terras otomanas. Foi esta confessionalização do Oriente Médio, que desempenhou um papel central no enfraquecimento de qualquer que seja a unidade cultural ou religiosa nas terras islâmicas centrais. Até certo ponto, essa associação entre seitas e estados ainda tem consequências profundas no moderno Oriente Médio.

A ascensão dos safavidas (1501-1514)

No início do século XVI, o estabelecimento da política safavida teve um efeito importante sobre o futuro político do xiismo duodecimano, previamente existente como uma comunidade religiosa tolerada, mas oprimida, e que viria a transformar a relação entre sunitas e xiitas no mundo islâmico. Foi essencialmente a adoção do xiismo duodecimano pelos militantes pelos safavidas e as guerras esporádicas, mas devastadoras, contra o Império Otomano, que desempenharam um papel fundamental na confessionalização do Oriente Médio em dois campos distintos sectários. Foi durante o reinado do Xá Ismā’īl (1501-1524) que o Irã foi conquistado pelos safavidas, com o xiismo estabelecido como a religião oficial do estado, e vindo com ele uma pratica xiita essencial, conhecida como maldição e insulto ritual de personagens sunitas importantes, ou seja, os Companheiros do Profeta Muhammad, sendo institucionalizada.

Ao longo do século XVI, as atitudes mais agressivas entre sunitas e xiitas eram resumidas pelo takfir (anatematização) e maldição ritual, que foram apropriadas, desenvolvidas e implantados pelos otomanos e safavidas respectivamente. A prática do ”Sabb” , em particular, desempenhou um papel central no desenvolvimento da identidade iraniana moderna xiita religiosa recente, que impulsionou a atitude dos otomanos em direção ao estado safavida. A fim de melhor compreender o processo e as implicações dessa transformação, é importante rever as circunstâncias que cercam a ascensão e estabelecimento dos safavidas no Irã.

Desde pelo menos meados do século XV, a ordem safavida, que foi criada pelo sheikh Safi al-Din de Ardabil (m. 1334) como ostensivamente uma tariqah sunita (Ordem Sufi), tinha-se tornado cada vez mais importante como uma força política nos territórios dos Aqquyūnlū no Iraque, ne Anatólia, e Azerbaijão.

Foi durante o período em que o sheikh Ibrahim ibn Junayd (m. 1460) assumiu a liderança da ordem safavida, que ela se tornou explicitamente xiita e intimamente associada com a mais ghulātī ( extremista / heterodoxa) vertente do xiismo. Foi também durante este período em que os safavidas foram totalmente transformados de uma ordem mística sufi em uma organização militante que ativamente engajava-se na política e na conquista territorial, mas cujos líderes, no entanto, mantiveram a sua importância espiritual e autoridade sacral como líderes da tariqah. Junayd, que agora conquistou o título de “sultão”, bem como de “sheikh”, ressaltou assim a esta grande transformação da ordem, adquirindo um forte apoio entre as tribos pastorais do leste da Anatólia, Síria e Iraque, e entrou em uma aliança com Uzun Hasan (d. 1478), o governante da confederação Aqquyūnlū. A militarização e politização da ordem safavida continuou sob a liderança do filho de Junayd, Haydar (m. 1488), que, eventualmente, estabeleceu sua base em Ardabil no Azerbaijão com o auxílio de Uzun Hasan, e continuou a atrair seguidores para a sua causa.

Durante a liderança de Haydar. a ordem safavida e as tribos turcomanas adotaram um distintivo vermelho de doze pontas postos em seus turbantes (conhecido como o Taj-i Haydari ), que significava fidelidade aos doze imames xiitas, pelos quais ficaram conhecidos em turco como Kizilbash (“cabeças-vermelhas”). É importante notar que o xiismo promovido por Junayd e Haydar não era mais o “ortodoxo” xiismo duodecimano dos centros urbanos, mas sim uma mistura eclética de várias doutrinas que foram reunidos sob o quadro geral de devoção xiita para os doze imãs. De fato, o ”Sabb” é uma prática que foi, historicamente, associada muito de próxima com o ghulāt , que é por isso que é importante sublinhar este aspecto do movimento precoce safavida a fim de compreender os acontecimentos que ocorreram após a conquista do movimento no Irã em 1501.

Parece que muitos dos seguidores de Haydar adotaram suas crenças extremistas xiitas, deificado sua liderança, acreditando ser ele uma manifestação de Deus. De acordo com Fazlallāh ibn Rūzbihān Khunji (m. 1517), “relatou que [os Kizilbash] consideravam [Haydar] como seu deus e, negligenciavam os deveres das 5 orações diárias islâmicas, e oravam para o seu sheikh como sua qibla (como se ele fosse a Caaba em Meca), e que ele era o ser a quem prostração das orações eram devidas.”

Durante o reinado de Haydar como chefe da ordem safavida no final do século XV, ela foi transformada em uma força política e militar totalmente independente, um fato que gerou muita tensão entre o filho de Uzun Hasan, Sultan Ya’qub, que procurou limitar o poder de Haydar e seus seguidores. Em pouco tempo, os Kizilbash, cujos números foram aumentando significativamente por mais tribos turcomanas do Iraque e Anatólia, que estavam em conflito aberto com ambos os Shirvanidas e os Aqquyunlu, e tendo o próprio Haydar morrido lutando contra suas forças combinadas em 1488. Embora esta derrota suspendesse temporariamente a ascensão dos Kizilbash, eles não terminariam definitivamente a ameaça que emana das tribos turcomanas e da ordem safavida.

Entre 1501 e 1510, o filho de Haydar, Ismā’īl, utilizou sua autoridade espiritual para mobilizar seus seguidores para conquistar todas as regiões entre Anatólia oriental e Khorasan.

Ele derrubou com sucesso os restos da dinastia Aqquyūnlū e partiu para a conquistar uma grande faixa de território, apropriando da capital Shirvanida de Baku (em 1500), depois Tabriz (em 1501), e Isfahan (em 1503), bem como da velha capital abássida de Bagdá (em 1508), e estabeleceu sua soberania sobre a Pérsia, o Azerbaijão, a leste da Anatólia, e no Iraque, e unificando efetivamente os antigos territórios do Irã, pela primeira vez em séculos.

Em 1510, ele derrotou e matou o governante uzbeque Shaybani Khan (d . 1510) e estendeu seu dominio em Khorasan e trouxe tanto Mashhad como Herat sob seu controle. Depois de suas conquistas, ele estabeleceu o xiismo duodecimano como religião do Estado ao longo de seus domínios, e violentamente impondo este credo sobre a populaçao majoritariamente sunita no Irã, Iraque, Azerbaijão e, introduzindo a chamada à oração xiita, e instituindo a prática do ”Sabb”, em que os três primeiros califas (que eram companheiros do profeta Muhammad), a esposa do Profeta ‘Aisha, e um número de Companheiros do Profeta foram ritualmente amaldiçoados e vilipendiados. Esta prática foi particularmente enfatizada em regiões onde a maioria da população era sunita, e a maioria da população foi forçada a praticá-la ou enfrentar a perseguição e morte.

Há exemplos de vários clérigos proeminentes sendo executados por se recusarem a participar publicamente nesta prática. Sufis, em particular, foram alvo de violência como uma fonte safavida xiita indica: “Ismail esmagou todas as silsilahs (ordens sufis); os túmulos de seus antepassados foram destruídos, para não mencionar o que se abateu sobre os seus sucessores … ele erradicou a maioria dos silsilahs de sayyids e sheikhs.” Além disso, as conquistas de Ismail foram acompanhadas por uma violência em massa contra as comunidades sunitas, a devastação de sua propriedade, e a destruição de santuários, incluindo os das figuras importantes como os de Abu Hanifa (m. 767) e ‘Abd al-Qadir Gilani (m. 1166), em Bagdá.

Vários massacres ocorreram também: 10.000 foram executados perto de Ramadan, em 1503; 4.000 membros da ordem sufi Kaziruni foram assassinados em Fars, enquanto todos os túmulos de ordens sufis rivais foram profanados; dez mil refugiados e dissidentes que procuraram refúgio em Asta foram mortos à espada; cidades inteiras como Yazd, Tabas e Abarquh foram dizimadas, dezenas de milhares de pessoas nessas três cidades sozinhas segundo as crónicas safávidas; em Khorasan, o túmulo de Abd al-Rahman Jami (m. 1492) foi destruída e toda a população de Qarshi, cerca de 15.000 pessoas foram massacradas. A institucionalização violenta do xiismo e a erradicação brutal do islamismo sunita nas terras sob o domínio safavida era para de acordo com os safavidas, anunciar a chegada de uma nova dispensação, um que foi baseada na derrota do Batil (“falsidade”; identificado com islamismo sunita) e a elevação de Haqq (“verdade”, o que para eles era o xiismo ).

A comunidade sunita do Irã, que já existia há séculos no país, foi destruída permanentemente entre os primeiros séculos XVI e XVII, através de um processo sustentado de violência em massa, a conversão forçada, exílio, e destruição das instituições religiosas (ordens sufis, mesquitas, e redes de estudiosos), e um programa concentrado de propaganda religiosa que visava transformar o país em um bastião do xiismo duodecimano. Até o final do século XVII, as únicas comunidades sunitas que permaneceram foram aquelas que residem ao longo das fronteiras do Irã e eles foram tratadas com diferentes graus de tolerância.

O confronto com os otomanos

Enquanto Ismā’īl, agora rei do Irã, estava expandindo seu império para o leste, os seus partidarios (conhecidos como Khulafa) procuraram agitar as tribos turcomanos da Anatólia central e ocidental em rebeliões contra os otomanos, a fim de expandir os domínios safavidas para o oeste.

Ao invés de enfrentar ativamente os militantes Kizilbash , Bayezid II, o sultão otomano, tomou uma abordagem mais diplomática e escreveu a Ismā’īl uma carta na qual ele repreendeu os os excessos de seus seguidores, bem como sua traição ao caminho Sufi (a raiz do movimento safavida), buscando poder mundano, e por seu papel em dividir a comunidade muçulmana. Talvez encorajado pela inação relativa dos otomanos, uma enorme revolta Kizilbash, sob a direção do Xá-kulu (“escravo do Xá (Ismā’īl)”), entrou em erupção em toda Anatólia oriental e ocidental em 1511. Em grande parte como resultado da incapacidade percebida de Bayezid para reprimir as revoltas Kizilbash, Selim I subiu ao trono otomano em 1512 e começou a esmagar a revolta, massacrando quase 40.000 xiitas acusados de serem agentes Kizilbash ou safávidas e aprisionando ou deportando milhares de outros.

Esta repressão maciça dos Kizilbash na Anatólia foi um duro golpe para o prestígio dos safavidas e levou o Xá Ismā’īl a lançar uma invasão da Anatólia oriental, em 1514. Como resultado, Selim I marchou em direção ao leste para enfrentar Ismā’īl e encontrou os Safavidas em agosto de 1514 na Batalha de Chaldiran, que terminou em uma vitória decisiva para os otomanos, que então começaram a estabelecer sua autoridade sobre a Anatólia oriental e ocupar a capital safavida em Tabriz, que foi abandonada pouco tempo depois.

A derrota do Xá Ismā’īl em Chaldiran exigiu uma retirada das reivindicações mais extravagantes que antes eram defendidas pelo xiismo duodecimano, incluindo as pretensões de divindade de Ismail e uma ênfase sobre os modos mais normativos de legitimidade.

Foi neste contexto que os xiitas duodecimanos mujtahids , entre os quais ‘Ali ibn al-Husayn al-Karaki (m. 1534) foi considerado o mais proeminente, e começou a desempenhar um papel cada vez mais importante na definição da legitimidade do estado e disseminar uma compreensão correta do xiismo ”ortodoxo” entre a população. Al-Karaki, que se juntou à corte do Xá Ismā’īl por volta de 1508, e esteve presente na captura safavida de Herat, em 1511.

A Institucionalização do Sabb

Seria simplista caracterizar a institucionalização de maldição ritual no Irã safavida como apenas uma conseqüência das tendências messiânicas e heterodoxas dos Kizilbash, embora este foi certamente um fator em sua institucionalização. A maldição ritual dos dois primeiros califas, vistos como usurpadores e opressores pelos xiitas duodecimanos, tem uma história importante. No entanto, devido à relativa escassez de fontes, não está claro se a aplicação desta prática em Tabriz em 1501, e depois em todo o Irã, era um produto dessa antiga tradição ou meramente uma ferramenta política que foi utilizada a fim de minar o estabelecido sunismo na população iraniana e facilitar a adoção do xiismo duodecimano como a religião do estado. De qualquer qualquer forma, a institucionalização do Sabb foi um desenvolvimento sem precedentes na história xiita e foi uma grande violação da prática normativa da taqiyya (pratica xiita de dissimular a crença para angariar seguidores). Nem os fatímidas, que tinha sido um poderoso estado xiita na Idade Média, já havia instituído tal prática.

De várias maneiras, o período safavida precoce representa uma ruptura com o xiismo clássico. Com base na minha leitura da literatura e as fontes primárias consultadas, a institucionalização da prática de difamação pública dos Companheiros do Profeta, que foram considerados personagens importantíssimos pelos sunitas, foi uma jogada ousada e um abandono claro taqiyya. Embora a visão tradicional entre os xiitas é que era mais prudente aguardar a chegada do Mahdi ou Qa’im, que iria exigir retribuição sobre os inimigos da fé e revelar a verdade de todas as coisas para eles. O estabelecimento dos safavidas no Irã foi um grande desenvolvimento, que levou a uma abordagem cada vez mais ativista, especialmente entre figuras como al-Karaki que viram os safavidas como o meio pelo qual os fiéis seriam capacitados e habilitados para manifestar sua fé abertamente.

Seguindo o exemplo de al-Karaki, muitos estudiosos xiitas proeminentes durante o período safavida, incluindo Nūr Allāh al-Shushtarī (m. 1610) e Muhmmad Baqir al-Majlisi (m. 1699), iriam compor grandes obras que demonstram a invalidade do sunismo, os méritos de amaldiçoar os Companheiros do Profeta, e a necessidade de enfrentar abertamente a grande maioria dos muçulmanos “equivocadas” sobre estes fatos. Na verdade, al-Shushtarī é um caso particularmente interessante já que ele era ativo em um explicitamente explicitamente não-xiita, os Mughal na Índia, mas mesmo assim proclamou que ele “jogou fora o véu da taqiyya e, levando consigo um exército de argumentos, e me mergulhou numa especie de ”jihad” contra os sábios sunitas do Império Mughal “. A declaração de Shushtarī sobre o abandono da taqiyya era uma referência direta para sua insistência sobre a pratica de maldição pública aos Companheiros do Profeta e da exposição de suas supostas alegadas injustiças históricas contra a família do Profeta. A carreira de Shushtarī, como a de al-Karaki, reforçou a associação entre as atividades anti-sunitas públicas e o abandono da taqiyya . Ambos eram amantes de ações conscientes e militantes contra a sabedoria predominante que até então dominada xiismo medieval.

Escusado será dizer que a conversão forçada do Irã para o xiismo e a institucionalização de maldição ritual não foi bem recebida pelo mundo sunita. A existência desta prática tornou-se a causa explicita das guerras safavida-otomanas durante a maior parte dos séculos XVI e XVII. Várias fatwas foram emitidas pelo estabelecimento religioso otomano enfatizando a apostasia completa dos safavidas do Irã e a necessidade de todos os fiéis muçulmanos de se unirem em guerra contra eles, a fim de defender a honra dos três primeiros califas e dos Companheiros do Profeta. O discurso juristical sunita do Takfir foi colocado a serviço do estado otomano, que implantou-lo contra os safavidas (e outros grupos xiitas) . Isso deu as guerras entre os otomanos e safavidas um caráter fortemente religioso e sectária e foi fundamental na confessionalização do Oriente Próximo durante o período moderno.

 

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