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O Islã na Pérsia

A Pérsia foi pivô nos desenvolvimentos políticos na Ásia Islâmica, a principal contribuição foi preservar, revigorar e transmitir o legado espiritual do Islam através do seu idioma, arte e arquitetura. Enquanto os Árabes proveram a fundação ideacional do edifício que é o Islam, foram os Persas que adornaram com beleza e enfeitaram-o com espiritualidade. O meio principal para esta realização foi a língua Farsi (Persa), a língua franca do Leste e a linguagem judicial das dinastias na Pérsia, Turquia, Ásia Central, Afeganistão e no subcontinente Indo-Paquistanês. A Pérsia foi a fonte do tasawwuf (Sufismo) que estendeu as fronteiras do Islam depois da invasão Mongol-Tártaro. De fato, a Pérsia foi a terra onde a alma do Islam foi redescoberta.

A geografia da massa de terra da Pérsia faz dela uma peça central no tabuleiro das terras asiáticas. Montado sobre o platô Persa ao sul do Mar Cáspio, ela domina e controla o acesso da terra do Mediterrâneo para a Índia e a China. No mundo medieval, as rotas de comércio da Alexandria no Egito e Alepo na Síria, corria através da Pérsia. As rotas do norte conectadas a Tabriz no Noroeste da Pérsia para as cidades da Ásia Central de Samarcanda e Bukhara, daí através a antiga Rota da Seda através de Sinkiang para a China. As rotas do Sul percorriam através de Esfahan a Kâbul no Afeganistão e de lá através das passagens de Hindu Kush para as vastas planícies de Indo-Gangética. Largas caravanas enchiam estas rotas carregando consigo não apenas os produtos produzidos pelos principais centros comercias do mundo antigo mas também eruditos e aventureiros. A Pérsia se tornou um cadinho de idéias, fundindo suas próprias ideias com a sabedoria anciã da China, Índia e do Mediterrâneo. O controle do planalto persa deu a potenciais conquistadores a habilidade de atacar o Leste e o Oeste, como foi decisivamente demonstrado por Hulagu Khan dos Mongóis e Timurlane dos Tártaros.

A batalha de Al Qadasia (636-637) abriu o coração das terras Persas para a penetração islâmica. A vitoria na batalha de Nahawand (642) cimentou a conquista. Pelo ano de 751, quando os exércitos Islâmicos superaram as resistências Chinesas na batalha de Tlas, o domínio islâmico se estendeu além do Rio Indus para o Leste e para o Rio Oxus para o norte. O mundo Zoroastro, que uma vez foi tão poderoso que projetava o seu poder de Atenas Kabul, agora era parte de um maior mundo islâmico.

Alguns dos primeiros companheiros do Profeta eram Persas e os seus nomes são honrados por Muçulmanos mundo a fora. Salman o Persa foi um desses notáveis Companheiros. Durante os primeiros 40 anos do governo Omíada, a difusão do Islam nas terras Persas foi vagaroso. Os Árabes não fizeram tentativa de forçar a sua religião nos Persas e os deixaram sozinhos desde que eles pagassem a taxa de proteção e obedecessem as leis do estado. A taxação, e não a conversão, pareceu ser a principal preocupação dos Califas de Damasco. Os Árabes conquistadores zelosamente guardaram as fronteiras de sua sociedade tribal. Os poucos Persas que aceitaram o Islam eram tratados como maualis (pessoas protegidas), um termo que conferiu aos recém-chegados menos do que completo reconhecimento na comunidade.

A situação mudou com a ascensão do Califa Omar bin Abdul Aziz (d. 619). Sozinho entre os Omíadas, ele fez uma tentativa de alcançar as pessoas conquistadas. Taxas discriminatórias foram abolidas e os recém-chegados foram conferidos com a mesma dignidade que foi dada a estabelecida nobreza Árabe. A conversões aceleraram e quando a revolução Abássida implodiu em 750, o elemento Persa inclinou o balanço do poder em favor dos Abássidas. Principalmente entre os líderes da revolução estava Abu Muslim, um general Persa de capacidade e determinação singular.

Os Persas eram portadores de uma civilização antiga que tinha interações extensivas com as civilizações da China e Índia. Eles trouxeram com eles tecnologias avançadas, métodos eficazes de agricultura, uma filosofia universal, matemática, astronomia e a tradição de uma eficaz administração estatal. A sua presença foi  sentida na comunidade islâmica o mais cedo como no tempo do Profeta. Foi Salman o Persa que sugeriu ao Profeta que seja construído uma trincheira defensiva ao redor de Madina para frustrar os invasivos exércitos de Mecca. A trincheira fez uma diferença crucial no resultado do encontro armado, que foi apelidada de a Batalha da Trincheira. A maestria Persa da tecelagem de tapetes foi notada no início do reinado do Califa Omar ibn al Khattab (r). Depois da batalha de Madayen, um tapete exótico chamado farsh e bahaar foi levado para Madina da capital Persa. Nos séculos seguintes, os Califas de Bagdá, como também as dinastias nas distantes províncias Persas, encorajou a arte da tecelagem de tapete. Os califas adotaram os métodos Persas de administração. Técnicas de construção Persa e Bizantina foram usadas no Domo da Rocha em Jerusalém como também extensivos sistemas de aquedutos construídos pelos Omíadas. Os Zoroastras da Pérsia também tinham um conceito unitário do céu e os Árabes conferiu a eles o estatus de “Povo do Livro” (Ahl al Kitab), um estatus equivalente aos Cristãos e os Judeus.

Os Persas fizeram imediatamente a sua presença ser sentida no domínio intelectual. Os Árabes tinham-se estabelecidos nos acantonamentos militares que com o tempo cresceu a ser centros de atividade intelectual. A maioria dos Persas que tinham aceitado o Islam migraram para estes centros para então estabelecer uma relação cultural e religiosa com os Árabes residentes. Assim que os aquartelamentos das cidades cresceram em tamanho, também cresceu a necessidade de definir a estrutura social e judicial da crescente comunidade e suas interfaces com as outras comunidades. Esta necessidade deu nascimento as ciências de Fiqh (Jurisprudência). A cidade de Cufa, uma cidade fronteiriça entre o mundo Árabe e Persa se tornou um centro de aprendizagem e um lugar de congregação para eruditos. Um desses eruditos era o Imam Abu Hanifa, da qual a escola de Fiqh Hanafi é nomeada. O Imam Abu Hanifa tinha descendência  Afagam-Persa e era familiar com as preocupações dos segmentos não-Árabes da comunidade. A escola de Fiqh desenvolvida por ele e seus discípulos reflete estas preocupações.

Foi no reinado do Califa Abássida Mamun (d. 833) que os Persas se tornaram uma decisiva força política no império Abássida. A vitória de Mamun sobre o seu irmão Amin (810-813) para a sucessão do Califado não estava em pequena medida, devido a intervenção dos Persas. Os exércitos de Mamun tinham grandes números de soldados Persas liderados por Tahir, um dinâmico oficial Persa. O Califa  vitorioso recompensou Tahir por sua fidelidade apontando ele como o governante do sul do Iraque. Os Tahíridas logo se tornaram autônomos e enquanto mantinham sua aliança com Bagdá, estabeleceu o governo dinástico Tahírida. Eles introduziram a etiqueta Persa nas cortes e foram os primeiros a encorajar o uso da língua Farsi nos círculos oficias.

No começo do século X, os Persas superavam em números, os Árabes nas terras ao leste do Rio Tigris. A preponderância dos Persas teve um profundo impacto nas políticas, linguística e na paisagem intelectual da comunidade Islâmica. Os Tahíridas estabeleceram uma dinastia Persa (820-822) com sua capital em Nixapur. Matemáticos como Al Khwarizmi (d. 862) e historiadores como Al Tabari (d. 923) encontraram patrocínio nas cortes Persas.

As ciências de Fiqh (jurisprudência) e hadith (palavras, aprovações tácitas e comportamentos do Profeta) floresceram na Persia como fizeram nas terras Árabes. Um dos maiores muhaddithin (especialista de hadith), o Imam al Bukhari (d. 869) viveu durante este período em Khorasan. O Imam al Bukhari viajou muito através do mundo islâmico, coletou e examinou cerca de 300,000 ahadith e depois de um rigoroso escrutínio, selecionou aproximadamente 7,000 como válidos. Sua coleção de ahadith é uma das mais autoritárias nas ciências islâmicas e é conferida a mesma honra que as coleções do Imam Ja’afar as Saadiq, Imam Muslim, Imam Tirmidhi, Imam Abu Dawud, Imam Malik Ibn Anas e Imam Ahmed Ibn Hanbal.

A influência política Persa alcançou o seu auge sobre os Buídas que se levantaram ao poder no sul do Iraque (932). Aumentando a conversão o centro de gravidade do império tinha mudado para fora de Bagdá para as distantes províncias no leste da Pérsia e do Magrebe. As intrigas de corte tinham dado forma a força do Califado. Lá estava aumentando uma pressão militar dos Fatímidas do Egito. O califa Abássida Mustakfi, desesperado para procurar ajuda, convidou o príncipe Buída Ahmed para defender Bagdá contra os Fatímidas. Os Buídas, que praticavam a Ithna Ashari Fiqh (xiismo duodecimano), estavam mais do que contentes para assumir o papel de protetores do Califado Sunnita em Bagdá. Em retorno, Ahmed recebeu o titulo de Mu’iz ad Dawla (Fortificador da Dinastia) e foi-lhe dado as rédeas do império. Por vários anos depois, os Persas Buídas eram efetivos governantes de Bagdá ate os Seljúcidas resgatarem os Abássidas.

Foi sobre os Samânidas de Khorasan (901) que a língua persa, artes e arquitetura floresceram para suas mais altas expressões. As cidades de Samarcanda, Bukhara, Nixapur, Mexed e Herat cresceram em centros de aprendizagem. O patrocínio Samânida produziu uma galáxia de notáveis homens das ciências e letras como Abu Nasr Al Farabi (d. 950) e Abu Ali Ibn Sina (d. 1037). O patrocínio das artes continuou quando os Gaznévidas deslocaram os Samânidas (962-1026). Mahmud de Gázni fez de sua cidade capital um centro de arte e cultura. Al Baruni (d. 1048), um dos principais historiadores e cronista da época, vivia na corte de Mahmud. Firdowsi, um dos mais celebrados poetas Farsi e autor de Shah Nama, viveu em Gázni. Firdowsi compôs o Shah Nama, um poema clássico que exaltava as realizações de heróis Persas pre-Islâmicos, como homenagem a Mahmud. O grande poeta estava desapontado com a recompensa que ele recebeu pela obra-prima, a respeito de que ele compôs um poema depreciando o imperador e mandou para Mahmud. O imperador, que estava em suas campanhas na Índia, lamentou o tratamento que ele tinha dado ao poeta e mandou uma recompensa melhor. Firdowsi não viveu para receber os presentes. Assim que os carregadores de camelos entraram com os presentes por um portão da cidade de Gázni, o corpo de Firdowsi estava sendo carregado para enterro por outro portão.

No entanto, foi no dilúvio Mongol que transformou a paisagem da história Islâmica e trouxe o elemento Persa na linha de frente da atividade intelectual islâmica. Quando Genghiz Khan desceu dos planaltos da Ásia Central para o Vale de Fergana (1219), a civilização islâmica era principalmente baseada em cidades. Assim que as conversões tinham procedidas na Persia e na Ásia Central, também tinha procedido a migração de pessoas para as cidades. Este movimento tinha principalmente resultado de considerações econômicas. Patrocínio oficial era focado em algumas poucas cidades principais que se tornaram magnetos para eruditos e plebeus. A gestão das interações sociais no meio urbano demandava uma forte ênfase para as regras da Shariah (lei islâmica) e sua exposição jurídica nas escolas de Fiqh (jurisprudência). O Arábico, a língua do Qur’an e das varias escolas de Fiqh, era o idioma dos círculos instruídos.

Genghiz Khan destruiu os centros urbanos de aprendizagem. Em algumas cidades, mais de 90% da população foi massacrada. Pulsantes centros urbanos se tornaram em gramado para os cavalos Mongóis. Mesquitas e madrasas (escolas islâmicas) foram demolidas. A culta elite falante de árabe pereceu ou fugiu, alguns para a Índia, outros para o Egito e Anatólia. Com as civilizações urbanas em ruínas, a liderança da comunidade restante caiu para as áreas rurais onde o Farsi era o idioma. E foi das cabanas e eremitérios da paisagem Persa que o Islam emergiu mais uma vez para conquistar os conquistadores e carregar adiante a sua mensagem para os cantos distantes da Ásia, Europa e África.

Os cursos históricos tinham preparado o mundo Islâmico para tal calamidade. Mais de cem anos antes dos Mongóis descerem do deserto de Gobi, o coração do Islam estava batendo para um diferente ritmo daquele dos kazis e ulema (eruditos islâmicos) com sua zelosa ênfase nos melhores pontos de Fiqh (jurisprudência).

O Imam Al Ghazzali (d. 1111), talvez o mais importante integrador do conhecimento islâmico no primeiro milênio do Islam, tinha trazido o tasawwuf para a corrente principal das ciências islâmicas. De fato, através do seu próprio exemplo, ele tinha feito o tasawwuf o foco da vida islâmica. Seguindo o seu trabalho, a atividade intelectual na dimensão espiritual do Islam tinha acelerado. A alta personalidade da época que representava esta dimensão era o Shaykh Abdul Qader Gilani (d 1186).

O Shaykh Abu Muhammed Mohiuddin Abdul Qader Gilani tinha nascido em Gilani no norte da Persia em 1077. Era um período de intensa atividade intelectual e o Shaykh recebeu o seu treinamento inicial de Eruditos locais. Em 1095, como um jovem homem de dezoito anos, ele partiu para Bagdá procurando conhecimento adicional e treinamento. Ele procurou e recebeu instrução de pessoas de grandes ciências da época, incluindo Shaykh Abu Wafa Ibn Aqil, Shaykh Muhammed Al Baqlani e Shaykh Abu Zakariya Tabrizi. No seus cinqüenta anos, ele recebeu o seu ijaza (diploma) do Shaykh Kazi Abi Saeed Al Muqrami e foi comissionado para dirigir a madrasa (escola) do Shaykh Kazi Abi Saeed em Bagdá.

A fama de Shaykh Abdul Qader logo se espalhou pelas terras. O pátio da madrasah era muito pequena para receber as multidões, então os sermões foram movidos para a Jama Masjid (Deli). A Jama Masjid também se provou muito pequena e então os sermões foram movidos para uma vasta área aberta nos arredores da cidade. É dito que tanto quanto 70,000 pessoas escutavam ao Shaykh de uma vez. Escrivães anotaram os seus sermões e passaram-lhes para a posteridade.

Os sermões do Shaykh cobriam várias faces da vida islâmica, incluindo kalam, hadith, Fiqh, tafhim ul Qur’an (comentários do Qur’an), éticas, Sirat un Nabi (vida e exemplos do Prophet) e tasawwuf. Ele era estrito na sua observação da Sharia e reprimia aqueles que estavam a omitir em sua observação das injunções. Na intensa atmosfera espiritual da época, muitos autoproclamados ulema indicavam que suas intuições especias na religião deram a eles uma desculpa para não observar as orações obrigatórias, jejum e zakat. O Shaykh Abdul Qader reprimia eles e declarou que qualquer posição que não é baseada na Shariah era ateísmo. A exposição do Sheikh sobre tasawwuf, gravado no Al Fathu Rabbani, é uma verdadeira fonte de espiritualidade e tinha inspirado Muçulmanos e vários não-Muçulmanos por cerca de 800 anos. A humilde disposição do Sheikh fez ele ganhar o encanto dos pobres e sua franqueza e retidão trouxe-lhe o respeito dos poderosos. Tanto quanto Sultões e imperadores esperavam para vê-lo e tomar parte de sua sabedoria.

O Shaykh Abdul Qader Gilani inspirou uma galáxia de sábios sufis no século XII, XIII e XIV. Depois de sua morte em 1186, seus discípulos carregaram a sua mensagem para os cantos distantes do mundo islâmico. A Tariqa (Ordem) Sufi Qadariya foi estabelecida para dar expressão concreta para seus ideais espirituais e sociais. Foi a primeira de muitas tariqas que viriam a dominar a paisagem islâmica após o século XIII. A Tariqa Qadariya radiou a sua influência para todos continentes do Velho Mundo e foi instrumental em trazer milhões para a dobra do Islam. Ao tardar do século XIX, Uthman Dan Fuduye, inspirado por visões do grande Shaykh, empreendeu a sua luta para estabelecer uma ordem social e política justa no Oeste da África. Na Índia e Paquistão ele é referido como Ghouse ul Azam Dastagir e é uma posição de honra conferida somente ao lado da posição do Profeta e seus primeiros companheiros.

O trabalho do Shaykh Abdul Qader Gilani e aqueles que logo o seguiu, foi o bote salva vidas que resgatou o Islam depois da devastação Mongol. Por uma geração inteira, entre os anos de 1219 e 1250, os cavaleiros da Mongólia percorreram o continente Eurasiano destruindo cidades antigas, remodelando, reformando e remondando sociedades inteiras. O concorrente desafio das Cruzadas do Oeste não era menos ameaçador. De fato, as Cruzadas fizeram uma tentativa determinada de converter os Mongóis para o Cristianismo, ou pelo menos para forjar uma aliança com eles, com a manifesta intenção da extirpação do Islam. Seguindo a Batalha de Ayn Jalut (1261) a ameaça militar abaixou, mas a ameaça de perder a Ásia para ideologias não-Islâmicas permaneceram.

E foi o tasawwuf que se levantou para enfrentar o desafio e resgatar o Islam na sua hora de perigo. Os gênios do tasawwuf colocaram o seu extático e caráter inclusivo. Era o Islam do coração, não da mente. O desaparecimento de uma cidade de cultura que tinha suportado o edifício Islâmico de Fiqh e fatwa tinha jogado o manto de liderança a região rural onde o Islam era baseado em emoção e devoção. Os khanqahs estabelecidos pela Qadariya e outras ordens Sufis se tornaram o foco da vida islâmica. Uma qanqah tinha cinco funções distintas. Primeiro, era uma Mesquita onde os devotos ofereciam suas orações obrigatórias. Segundo, era uma madrasah onde era dado instruções sobre o Qur’an e as ciências de Fiqh. Terceiro, era um retiro onde indivíduos podiam procurar solidão e se focar no seu ser interior ou congregar para dhikr (recitação do nome de Deus). Quarto, era um lugar para moldar o caráter das pessoas sobre o atento guia de um shaykh e ensina-los as virtudes da repartição generosa, cavalheirismo, coragem, devoção ao Divino e um olhar universal sobre a vida. Por ultimo, era um lugar de descanso para os viajantes cansados, ou para refugiar família fugindo das perseguições da época.

O Islam em êxtase persa reuniu mais de seus desafios. Em 1295, o Il-Khanid (Mongol) Ghazan aceitou o Islam e a Pérsia estava de volta a linha de frente da vida islâmica. Do coração das terras Persas, o Islam espalhou para o subcontinente da Índia e Paquistão, e se projetou para os arquipélagos da Malásia e Indonésia. Para o oeste, foi reforçada a sua presença no sub-sahara Africano e cresceu para ser a fé dominante naquele continente. Os Otomanos que emergiram depois do dilúvio Mongol eram fortemente influenciados por tasawwuf. E foi do caldeirão de ideias sufis que a dinastia Safávida emergiu.

Com a destruição dos centros urbanos de aprendizagem onde o Arábico era o meio de instrução, o Farsi emergiu como o meio de expressão para o Islam extático. Quinhentos anos de associação com o Islam tinha transformado o Farsi e tinha o exposto a rica lexicologia da língua Árabe. E agora era a vez do Farsi de pegar o centro do palco. Foi através do Farsi que a sublime poesias e as primorosas prosas encontraram a sua expressão no período pos Mongol, Timúrida, Safávida, Mugal e Otomano.

Talvez um dos maiores poetas de Farsi e um do qual o impacto ainda é sentido no mundo moderno, foi Maulana Muhammed Khudawandagar Jalaluddin Rumi (d. 1273). Nenhum outro sábio personifica a transição da civilização urbana empírica islâmica pre-Mongol para a civilização rural extática pos-Mongol, como Rumi. Seu nome Islâmico era Muhammed; Khudawandagar e Jalaluddin eram seus títulos. Ele é chamado de Rumi devido a sua residência em Konya que era localizado na província referida na época como “Rum”, significando uma velha província do Império Romano. O seus discípulos o chamavam de Maulana (que significa, nosso guia ou professor). Ele nasceu de parentes Persa-Afegão em 1207 na cidade de Balkh no Afeganistão. O seu pai, Bahauddin Walad era um estudioso de renome, um mestre Sufi da tariqa Kubrawiyah e era tido em alta estima pelo povo local. A mente sensitiva de Rumi absorveu o conhecimento e a espiritualidade do seus parentes. Mas a quieta vida em Balkh foi logo destruída pela tempestade de fogo da Mongólia. Assim que Genghiz Khan descia para Khorasan e avançou para a Pérsia e Afeganistão, Bahauddin Walad fugiu para Nixapur onde o jovem Rumi conheceu o célebre poeta Fariduddin Attar, autor do clássico Mantiq at Tayr (Conferência dos Pássaros). Attar viu no jovem rapaz o potencial de um gênio e lhe deu copias dos seus trabalhos como presente.

A avalanche Mongol logo engoliu toda a Pérsia e Bahauddin fugiu mais uma vez com sua família, desta vez para Bagdá. As notícias da chegada do Shaykh Bahauddin alcançou Kaikubad, o governante Seljúcida de Konya. Kaikubad era patrocinador de estudiosos. Ele convidou Bahauddin para ficar em Konya a respeito de que a família de Rumi partiu para Anatólia, visitando cidades de Mecca e Madina a seu caminho de fazer o seu Hajj. O Shaykh Bahauddin morreu em 1231 deixando o jovem Jalaluddin em cargo da madrasah que ele fundou.

Em 1232, Rumi conheceu Shaykh Burhanuddin Muhaqqiq Tirmidhi, ele próprio um estudante do Shaykh Bahauddin e se tornou o seu murid. Sobre a direção do Shaykh Burhanuddin, Rumi dominou as ciências de kalam, hadith, Fiqh, comentários de Qur’an, Arábico, gramática Farsi e tasawwuf. Mas o erudito que inspirou Maulana Rumi para sua poesia extática foi o Shaykh Shamsuddin Tabrizi. Maulana Rumi encontrou o Shaykh Tabrizi em 1245 e os dois forjaram uma amizade espiritual que inspirou o Maulana a compor poesias. Quando o Shaykh Tabrizi desapareceu de Konya em 1247, o Maulana ficou perturbado e mandou mensageiros para procurar pelo Shaykh em toda a Anatólia e a Síria. A procura se provou fútil, mas o Shaykh foi instigado pelo oceano espiritual do Maulana assim como a Lua poente instiga as ondas do mar. O Maulana derramou o seu êxtase na sua primeira coleção, Diwan e Sham e Tabrizi, um trabalho de incomparável ritmo, musica, alquimia e espiritualidade.

O trabalho que deu uma base a estatura universal do Maulana Rumi foi o Mathnawi. Uma coleção de cerca de 27,000 versos, o Mathnawi é uma autêntica rapsódia do amor da alma humana pelo Divino. O Maulana extraiu sobre as escrituras assim como os clássicos de Farsi e Arábico para construir uma sinfonia da alma na sua jornada para seu Mestre. Cada verso é de beleza incomparável e cada história de sabedoria sem igual.

É dito nos círculos Sufis que Deus pegou uma gota de amor do Seu infinito Oceano de Amor, de nenhuma forma aumentando ou diminuindo a profundeza do seu Oceano e condindo sobre a humanidade, dividindo-a igualmente entre todos os homens e mulheres criadas. Se um fosse reivindicar que o Maulana capturou a real essência dessa gota de Amor Divino que tem sustentando a humanidade, não seria um exagero.

O Mathnawi é a epítome do tasawwuf. Ele teve um profundo impacto na cultura islâmica e poesia, especialmente no arco estendendo da Europa através da Turquia, Pérsia, Ásia Central e o Subcontinente. A obra foi traduzida na maioria dos idiomas contemporâneos. O Maulana estava no auge da espiritualidade como expressado da língua Farsi. O seu trabalho continuou a inspirar escritores e poetas Muçulmanos através dos séculos. Alguns, como Shamsuddin Muhammed Hafiz (d. 1391), aproximaram-se as alturas espirituais do Maulana. Outros grandes como Abdur Rahman Jami (d. 1492) e Mohammed Iqbal (d. 1938) lhe pagaram homenagens. É uma homenagem que a maioria dos poetas populares da América hoje dão este sábio e não a Shakespeare ou Milton mas sim Jalaluddin Rumi.

O legado da Pérsia foi o arquétipo espiritual que dominou o Islam por 500 anos. Foram os célebres mestres Sufis, homens como o Shaykh Abdul Qader Gilani, Khwaja Moinuddin Chishti, Maulana Rumi, Shaykh Bahauddin Naqshband e Shaykh Shihabuddin Suhrawardi que serviram como modelos a serem seguidos por Muçulmanos. Tanto quanto necessitados e imperadores procuraram emular o exemplo deles. Arquitetos e artesãos derivaram suas inspirações através destes mestres Sufis. Tanto quanto reformadores e contra-reformadores usaram o nome deles para atrair atenção ao seus movimentos. Timurlane, o conquistador da Ásia, era um ardente sustentáculo de mestres Sufis. Um Sheykh Sufi treinou o Sultão Otomano Muhammed, conquistador de Istambul. A dinastia Safávida da Pérsia cresceu de um movimento Sufi. Imperadores Mugal, Akbar e Jehangir eram tão devotos ao Shaykh Salim Chishti que eles cumpriram peregrinação a sua qanqah a pé. Uthman dan Fuduye iniciou suas reformas no Oeste Africano em nome do Shaykh Abdul Qader Gilani. E Shaykh Shamil do Cáucaso que resistiu os Russos por trinta anos foi inspirado pela Tariqa Naqshbandi.

A influência da espiritualidade se estendeu para a arquitetura do Islam pós-Mongol. A arquitetura Islâmica é uma projeção dos céus na terra e procura realizar na matriz da forma material uma alusão da transcendência do céu. Por isso a geometria é dividida em duas partes: Geometria funcional e geometria supernal. A geometria funcional é o aspecto exotérico das formas matemáticas; A geometria supernal descreve o significado por trás destas formas. Deste modo um ponto não é apenas um limite de espaço como definido na matemática, mas também o começo da criação de espaço. Um ponto se move e cria uma linha, que não é apenas uma conexão linear dos pontos mas o começo da criação de espaço e um lembrete (no idioma Árabe e Farsi) do nome de Allah. Uma linha rodeia e cria um circulo, que se torna uma representação de justiça de tal forma que não mostra uma propensão direcional e dai por diante.

O inerente foco no transcendente possibilitou arquitetos Muçulmanos de realizar nas construções da mesquitas e minaretes alguma coisa do transcendente que se encontra escondido nas formas geométricas. A genialidade da arquitetura Persa foi de que aplicou o transcendente também ao domínio não-religioso. Especificamente, a aplicação da geometria supernal com sua ênfase em símbolos e significado nas construções de túmulos e mausoléus resultou na construção de monumentos de beleza inigualáveis. Os Timúridas, os Safávidas e os Otomanos construíram túmulos sobre a sepultura de sábios e realeza para capturar alguma coisa da essência dos céus e da terra.

Esta forma de arte alcançou o seu ápice na corte Mugal do Shah Jehan, que construiu o Taj Mahal em memória de sua esposa Mumtaz Mahal. A construção deste monumento com sua beleza e harmonia sem igual seria apenas possível na armação de um Islam extático onde o amor, não o ritual, foi o primeiro passo na subida do homem aos céus. Reciprocamente, tal estrutura não teria sido possível na época clássica do Islam com sua forte ênfase em doutrina, o racional e do ritual. O Islam clássico ergueu o edifício da lei. No período pos-Mongol, o edifício da lei foi usado pelo povo que falava Persa como uma plataforma da qual eles ergueram monumentos de amor.

Na perspectiva de historiadores, a mais importante contribuição do mundo Farsi foi a instituição da zawiya (o tekke Turco). Os Persas não inventaram esta instituição mais do que eles inventaram as ciências do tasawwuf. Mas foi na Pérsia e nas regiões contiguas da Anatólia e o subcontinente que emergiu como a instituição central da vida comunitária. A zawiya era baseada no paradigma da mesquita-madrasah que tinha existido desde os dias inicias do Islam. Os Persas, os Turcos e os Indo-Paquistaneses estenderam a suas funções para incluir a cultivação do ecstasy religioso através do dhikr e recordação de Deus . A zawiya também se tornou um núcleo para movimentos dos jovens, onde os jovens aprenderam as virtudes do cavalheirismo e a coragem, nutriu o caráter deles sobre o atento olhar de um Sheikh Sufi. Ibn Batuta, descreveu com detalhe na sua Rehla as zawiyas que ele visitou na Anatólia, Pérsia e Índia. Cada ordem Sufi tinha sua própria zawiyas onde jovem homens e mulheres se reuniam para rezar, aprender o Qur’an e Fiqh, realizar dhikr e cultivar uma camaradagem baseada na fé. Conforme a atividade comercial retomava após as destruições Mongóis, estas zawiyas também se tornaram centros de corporações e comércio. Um calígrafo, por instância, iria passar por anos de treinamento no controle dos músculos da mão, preparação, manutenção de suas ferramentas, concentração no seu trabalho e o foco na sua alma. Ele também seria o membro de uma tariqa ou outra, da onde ele aprenderia a disciplina do coração, da qual por conta própria é a nascente do trabalho criativo. Os Sufis fizeram o Amor Divino acessível para a maioria dos camponeses iletrados como também para os mais sofisticados estudiosos. Foi esta relação imediata da Presença Divina que moldou o caráter dos Muçulmanos por quinhentos anos após Genghiz Khan. E a zawiya era a instituição que fez isto possível.

As zawiyas se espalharam para todas as partes do mundo islâmico e foi instrumental em assegurar a estabilidade nas sociedades Islâmicas ate o século XVIII. Nos largos arredores rurais da Índia, Paquistão, Pérsia, Turquia e da África do Norte, o papel histórico da zawiya foi essencial. Os homens da zawiya foram a espinha dorsal das marchas Turcas e a rápida expansão do Império Otomano. Foram os homens da zawiya que levaram o Islam do Délhi e Lahore para os cantos distantes do subcontinente. Foram os homens da zawiya que triunfaram sobre os Portugueses na batalha de al Qasr al Kabir (1578) e resgataram a África do Norte do mesmo destino que caiu sobre a Espanha Islâmica.

No século XVIII, a zawiya se levantou contra a fria eficiência das empresas de ações européias. O encontro tomou lugar assim como a decadência politica e social estava tomando o mundo Islâmico. No encontro, as empresas de ações triunfaram. Mas o legado espiritual da zawiya aguenta ate hoje em dia como um assustador lembrete de um Islam tradicional que uma vez dominou a massa de terra a Ásia, Europa e África.

Fonte: https://historyofislam.com/contents/the-classical-period/islam-in-persia/

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