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Fraxinetum: Um estado de fronteira islâmico na Provença do século 10

De acordo com Liutprand (m. 972), o bispo de Cremona, a história do Fraxinetum muçulmano começou por volta de 887, quando um pequeno barco transportando em torno de 20 marinheiros Andaluzes aportaram na costa Provençal próximo à moderna cidade de St. Tropez.[1] Os Andaluzes tomaram à força o vilarejo vizinho de Freinet, e na montanha sobre a cidade ocuparam o forte, que desde a época dos romanos chamava-se Fraxinetum.[2] A cidade-fortaleza que eles estabeleceram desde então, era altamente defensável e praticamente impenetrável, protegida de um lado pelo mar, de onde os Andaluzes conseguiam reforços, e de outro por grandes florestas de árvores espinhosas. [3] Consequentemente, o forte só podia ser acessado através de um único e estreito caminho levando até à montanha.[4] Os autores latinos contemporâneos, como Liutprand de Cremona e o autor anônimo da Vida de Beuve de Noyers, enfatizavam a origem Ibérica dos guerreiros islâmicos, mas diferiam na forma de nomeá.los. Liutprand os chamava de “saraceni”, ao passo que o autor de Vida de Beuve referia-se a eles como “hispanicolae”.[5] Os geógrafos árabes do século 10, especialmente Muhammad Ibn Hawqal em seu Surat al Ard (977) e al Istakhri em seu Kitab al Masalik wa al Mamalik (951), referem-se ao porto fortificado de Fraxinetum como Jabal al Qilal (“Monte da Lenha”) e o descrevem como uma vasta região montanhosa abençoada com rios e solo fértil, cuja travessia durava dois dias.[6] Ibn Hawqal, como Liutprand, enfatizava a virtual impenetrabilidade da fortaleza e especifica que ela era apenas acessível por uma rota ao lado da montanha. Ele também acrescenta que ela dependia dos Omíadas de Córdoba, como fica implícito pelo sua representação cartogáfica de Fraxinetum como uma ilha na boca do Rio Ródano próximo à Península Ibérica, semelhante às Ilhas Baleares.[7]

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Imagem

(Ruínas da fortaleza de Fraxinetum sobre a vila de La Garde-Freinet)

Pouco após seu estabelecimento em Fraxinetum, os Andaluzes convocaram seus irmãos da Ibéria e das Baleares para se juntarem a eles. Cerca de cem guerreiros responderam a este chamado, alguns encorajados pelo zelo religioso e outros pela perspectiva de riqueza obtida através do butim.[8] Após duas décadas de sua chegada, os Andaluzes já tinham subjugado toda Provença e realizado incursões até à Itália ocidental, onde eles ocuparam Acqui e ainda ameaçaram a Abadia de Novalesa em 906.[9] Apesar dos seus números relativamente pequenos, os muçulmanos conquistaram a terra com relativa facilidade devido às divisões e lutas internas que caracterizavam a Provença desde a desintegração do Império Carolíngio.[10] Consequentemente, eles não encontraram nenhuma resistência significativa por parte dos provençais.[11]

Em 939, os Andaluzes conseguiram atravessar os Alpes e invadiram o que é hoje o norte da Itália, assim como o sul da Suiça, onde eles atacaram o renomado monastério de St. Gall.[12] Eles estabeleceram inúmeras fortalezas – as quais os cronistas latinos nas regiões invadidas deram o nome Fraxinetum, ou alguma variação do mesmo (Frassineto, Frascendello, etc) – facilitando assim sua dominação da Provença e do Vale do Ródano Da sua base principal em Fraxinetum, os muçulmanos estenderam seus ataques até a Alemannia e Récia ao Norte, Grenoble no oeste e Lombardia no leste.[13] Embora a Provença estivesse sob o controle nominal dos Andaluzes, a infraestrutura administrativa (e religiosa) local foi deixada intacta, de tal forma que a maioria das cidades da Provença eram relativamente independentes, desde que pagassem um tributo ou imposto para Fraxinetum.[14]

Seguindo a destruição simultânea do importante porto Provençal de Fréjus, o saque de Gênova em 935 (por muçulmanos Norte Africanos e Sicilianos), e a extensão das incursões além dos Alpes, Hugo de Arles, Rei da Itália, resolveu agir contra os muçulmanos de Fraxinetum. Em 941, ele convocou uma frota do Imperador Bizantino, Romanus Lecapenus (r. 920-944), para atacar a fortaleza tanto por terra quanto por mar, com a intenção de esmagar Fraxinetum e quebrar o poder dos Andaluzes na região trans-Alpina.[15] Em um momento crítico do ataque, quando Fraxinetum estava prestes a cair, Hugo decidiu suspender a ofensiva e formar uma aliança com os muçulmanos.[16] Ele optou por esta mudança na estratégia porque havia sido informado de que seu rival pela coroa italiana, Berengar de Ivrea, queria cruzar os Alpes com reforços da Saxônia e invadir a Itália. Hugo chegou a um acordo com os Andaluzes por onde eles ocupariam e controlariam as passagens dos Alpes, efetivamente fechando a conexão entre França e Itália, barrando assim quaisquer exércitos hostis de chegar ao seu reino.[17] Os muçulmanos mantiveram este acordo, pois permitia a eles conseguiram altas quantidades de butim através do controle do movimento de soldados e peregrinos que atravessavam os Alpes entre Francia e Itália.[18]

Em um curto período, as ações de Hugo de Arles foram duramente criticadas pelos seus contemporâneos, incluindo Liutprand de Cremona. Mais significativamente, a realpolitik por trás da sua decisão em deixar Fraxinetum sobreviver teria consquências dramáticas a longo termo. Foi durante o período de controle das passagens dos Alpes que Fraxinetum atingiu seu auge, e as incursões dos Andaluzes se tornaram mais destrutivas e mortais. De acordo com os cronistas latinos, os muçulmanos saquearam inúmeros monastérios e indiscriminadamente mataram centenas de peregrinos em seu caminho para Roma.[19] Foi também durante esta época que Fraxinetum abrigou vários rebeldes e renegados, notavelmente Adalberto da Itália, filho de Berengar de Ivrea. dos reinos vizinhos, atraindo assim mais hostilidade das autoridades regionais e locais da Germânia, Frância e Itália. Os muçulmanos construíram uma grande linha de fortalezas defensivas ao longo da montanha, para consolidar seu controle das passagens e para aumentar o alcance dos seus ataques.[20] Entretanto, sua confiança – em grande parte produto da falta de resistência e dos repetidos sucessos das suas atividades na Provença e no Piemonte – também provaria ser a sua queda. O maior erro de cálculo deles foi a condução de expedições militares até o Vale do Alto Reno.[21]

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(Otto I, Sacro Imperador Romano, Manuscriptum Mediolanense [Crônica do Bispo

Otto de Freising], ca. 1200. Milão, Biblioteca Ambrosiana, Cod. S.P.48)

 

Este era o território de Otto I, que decidiu apelar ao Califa de al Andaluz, Abdurrahman III, quem Otto acreditava possuir autoridade para verificar suas atividades.[22] Este episódio de diplomacia entre os dois soberanos mais poderosos da Europa ocidental, Otto I e Abdurrahman III, demonstra que a importância dos muçulmanos de Fraxinetum estava além do alcance limitado das suas incursões, e na realidade tinham o potencial para alarmar o equilíbro de poder e status quo entre as potências Islâmicas e Cristãs na Europa ocidental.[23] O segundo erro cometido pelos Andaluzes, que subsequentemente disparou uma série de eventos que levaram ao declínio de Fraxinetum, foi a captura de Maiolus (m. 994), o Abade de Cluny – considerado um santo vivo por muitos condes, duques e reis da Europa ocidental – enquanto ele cruzava os Alpes em 972.[24] Sua captura proveu um fator unificador na luta dos lordes da Provença contra os Andaluzes, e os levou a responder coletivamente à ameaça que emanava de Fraxinetum.[25] Após seu resgate e posterior soltura, Maiolus montou uma coalizão de nobres numa semi-cruzada cujo objetivo era remover os Andaluzes da Frância.[26]

A expedição foi liderada por Guilherme I da Provença, mas aristocratas do norte da Itália, Provença e Septimânia também participaram.[27] As forças francas encontraram os muçulmanos em Tourtour, na alta Provença, durante o verão de 972, e destruíram as suas fileiras antes de prosseguir para a base principal em Fraxinetum, que não recebia reforços de al Andaluz e, após um curto porém intensivo cerco, caiu no final de 972 (embora várias fontes coloquem esta data em 990).[28] Após a destruição de Fraxinetum, os habitantes muçulmanos da Provença – combatentes e não combatentes – foram ou mortos ou escravizados ou exilados, e as terras que eles controlavam foram divididas entre os muitos lordes que tomaram parte na expedição para expulsá-los da Provença.[29] Esta vitória dos Provençais sobre os Andaluzes de Fraxinetum efetivamente encerrou o controle islâmico sobre o sul da França quase 240 anos após a vitória de Carlos Martel sobre Abdurrahman al Ghafiqi na Batalha de Tours em 732.[30]

Tradicionalmente, o estabelecimento tanto de al Khandaq em Creta (sobre qual escrevi em outro lugar deste blog), quanto de Jabal al Qilal na Provença por muçulmanos Andaluzes, tem sido entendido como a manifestação de um fenômeno que muitos estudiosos chamam de “Pirataria Sarracena”. Embora muitos pesquisadores modernos, ainda apliquem ocasionalmente esta definição, vários historiadores, tanto de Fraxinetum quanto de Creta, tendem a ser mais cautelosos quanto à maneira que eles chamam o movimento que facilitou a chegada de muçulmanos no Egeu e na Provença. Consequentemente, a historiografia do Mediterrâneo Muçulmano na Alta Idade Média dividiu-se em duas linhas de argumentação, com as pesquisas mais recentes contestando a interpretação tradicional que classifica as bases islâmicas no Mediterrâneo como “enclaves piratas”. O debate se focou na definição da natureza exata da expansão marítima islâmica, e o mesmo se divide entre a caracterização deste fenômeno ou como parte do movimento da “pirataria”, ou como parte do maior e mais complexo contexto da jihad (guerra santa) na fronteira mediterrânea com a Cristandade na Alta Idade Média.

Embora o debate sobre se Fraxinetum deva ser caracterizado como um estado de fronteira ou uma base pirata possa parecer um mero argumento de semântica, existe algum valor em se refletir cuidadosamente sobre a maneira pela qual devemos identificar o fenômeno que levou um grupo de Andaluzes a dominar boa parte do sul da Provença e dos passos Alpinos por quase um século. Os pesquisadores da expansão marítima islâmica medieval distinguem entre as ações organizadas e com apoio dinástico, como a da conquista da Sicília pelos Aglábidas, e as campanhas mais espontâneas e independentes, incluindo a fundação de bases muçulmanas em Fraxinetum, Creta e sul da Itália. Esta distinção formou as bases do debate sobre se as ações de marinheiros islâmicos autônomos no Mediterrâneo constituíam pirataria ou faziam parte da jihad. Ao passo que a natureza oficial da conquista da Sicília pelos Aglábidas contrasta agudamente com a tomada espontânea e desorganizada de cidades por muçulmanos no sul da Itália, é menos evidente que o fator motivador geral de ambos os movimentos fosse inteiramente diferente. O uso da palavra “oficial” neste contexto é potencialmente problemático e precisa ser esclarecido.

“Oficial” denota aprovação, participação, legitimidade e ajuda oferecida pelas dinastias muçulmanas reinantes (os Aglábidas, Omíadas, Tulúnidas e Fatímidas) às flotilhas independentes operando no Mediterrâneo. Historicamente, a autoridade para declarar Jihad repousava no amir ou califa, que financiava e até participava de tais expedições, que tinham por objetivo conferir e confirmar a legitimidade islâmica do governante, dado que a jihad era vista como uma obrigação.[1] E mais, tais chamados “oficiais” para a jihad eram lançados de cidades costeiras/fortificadas, conhecidas como ribats, que normalmente eram fundadas, guarnecidas e apoiadas pelas tropas das principais dinastias muçulmanas. Ao passo que várias campanhas foram conhecidas por terem sido oficialmente financiadas e classificadas como “jihad” por uma autoridade islâmica centralizada, como foi o caso da conquista da Sicília em 827 e as campanhas dos Abássidas contra Bizâncio no começo do século 9, é altamente duvidoso se outras expedições, como a invasão de Creta, foram consideradas da mesma forma, já que não foram iniciadas por nenhuma grande dinastia. Não obstante, por essas campanhas/incursões terem sido também direcionadas contra território não-islâmico, apesar do fato de não terem sido organizadas no sentido tradicional ou coordenadas por uma autoridade centralizada, elas também podem ser consideradas jihad segundo a jurisprudência do século 10.

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(Ribat, Sousse, Tunisia)

Como Deborah Tor mostrou recentemente, começando no final do século 8 e no início do século 9, um novo fenômeno passou a tomar forma no mundo islâmico, aquele chamado de “jihad privatizada”.[2] Isto envolveu a transferência de liderança religiosa da jihad da figura do Califa para a do mutatawwi’a, ou ghazis, guerreiros voluntários da fé, e daí ocorreu a transformação da jihad de “campanhas dirigidas por um Estado central para incursões menores sem controle governamental”.[3] Apesar da ausência de aprovação dinástica ou legitimidade obtida diretamente do Califa, estas campanhas foram vistas pelos seus participantes e outros observadores no mundo islâmico, como um exercício do dever religioso da jihad, dado que o objetivo não era simplesmente atacar e saquear, mas defender (ou expandir) as fronteiras do mundo islâmico estabelecendo postos ribat guarnecidos por guerreiros ghazi[4] É neste último sentido que o estabelecimento de Fraxinetum e a conquista de Creta pelos Andaluzes diferiam das mais reconhecidas jihads lançadas por dinastias islâmicas como os Abássidas ou os Aglábidas.

Embora muitos historiadores não tenham distinguido entre pirataria e jihad, especialmente dentro do contexto do Mediterrâneo do século 10, existe uma grande diferença. No caso dos muçulmanos de Fraxinetum, está claro que suas incursões foram direcionadas em grande parte (se não exclusivamente) contra embarcações não-muçulmanas no Mediterrâneo ocidental e alvos não-muçulmanos na Provença e no Piemonte (monastérios, vilas, etc.)[5] Desta forma, é mais apropriado falar das suas atividades/incursões dentro do contexto da guerra de corso ou jihad, em vez do contexto vago de “pirataria”. Este argumento em favor de ver os muçulmanos de Fraxinetum como ghazis empenhados na jihad é reforçado pela caracterização que Ibn Hawqal faz deles como “mujahidin” (guerreiros sagragos; literalmente, “aqueles que fazem a jihad”), e pela descrição de al Istakhri deles como constantemente engajados na “guerra santa” contra os “infiéis francos”. Isto não significa que a “jihad” não englobava atividades de pirataria tais como saque, escravidão e assassinato, mas apenas que havia um contexto ideológico maior no qual tais atividades aconteciam.

A criação do Marca Hispânica em 795 reduziu de forma significativa as perspectivas dos muçulmanos Andaluzes em estender suas conquistas para além dos Pireneus, e ainda os induziu a se voltarem para a atividade marítima. Embora existam evidências de incursões terrestres na Aquitânia e na Septimânia tão tarde quanto 931, quando um exército Andaluz saqueou Toulouse, campanhas terrestres contra a Frância a partir do al Andaluz eram bastante raras. Ao que parece, Fraxinetum funcionava como um posto avançado para os Andaluzes a partir do qual eles poderiam continuar a jihad contra os francos. Além desta justificativa ideológica provida para as suas atividades pelas fontes islâmicas contemporâneas, Fraxinetum era uma grande fonte de riqueza na forma de escravos e toras de madeira.

Talvez fosse mais produtivo pensar os “piratas” muçulmanos da Alta Idade Média Mediterrânea como ghazis, um termo que permite aos pesquisadores caracterizar suas atividades sem desconsiderar nem a dimensão estratégica/econômica das incursões, nem perder de vista a dimensão ideológica na qual os mesmos acontecem.[6] O termo “pirataria”, enquanto certamente uma caracterização precisa de algumas das atividades dos muçulmanos em lugares como Fraxinetum e Creta, é altamente contraproducente porque falha em transmitir a complexidade de tais estabelecimentos fronteiriços. E mais, esta terminologia é em grande parte um produto de uma leitura acrítca das fontes primárias, que levou à repetição de muitos dos argumentos e conjecturas dos autores Latinos medievais dentro da pesquisa moderna. É inegável, baseado em vários relatos contemporâneos, tanto cristãos quanto muçulmanos, que as atividades dos muçulmanos na Provença incluíam significantes ataques destrutivos contra as regiões adjacentes à sua base principal. Entretanto, eles também se engajaram em outras atividades menos hostis, como o comércio, agricultura e indústria. A imagem apresentada pelos cronistas Latinos é em grande parte aquela dos saqueadores árabe-muçulmanos pilhando e roubando indiscriminadamente a Provença. A imagem, enquanto certamente reflete as percepções dos cronistas cristãos, obscurece a outra realidade, representada pelos cronistas árabes, de uma região de fronteira islâmica também engajada em atividades pacíficas e cumprindo uma função maior política, militar e mesmo religiosa.

Ao olhar sobre a maneira como as fontes Árabes contemporâneas retratam os Andaluzes da Provença, e justapondo esta representação com aquela do conjunto de textos Latinos, torna-se claro porque os pesquisadores modernos descrevem os muçulmanos de Fraxinetum de formas diferentes. A imagem apresentada pelos cronistas Latinos e aquela das fontes Árabes apresentam uma visão contraditória da cidadela muçulmana e de seus habitantes. Enquanto as fontes Latinas quase que unanimemente descrevem os muçulmanos em termos pejorativo como “saqueadores”, “ladrões pérfidos”, “bárbaros”, ou “piratas”, as fontes Muçulmanas referem-se a eles como “almas imbatíveis” e “combatentes da fé”. Enquanto nos informam e nos descrevem as incursões dos Andaluzes na Provença, os documentos Latinos são de pouca valia quando se trata de descrever os próprios muçulmanos na sua base de Fraxinetum. Similarmente, não há razão para tomarmos as fontes islâmcas literalmente, quando descrevem os Andaluzes da Provença com tais palavras lisonjeiras. Entretanto, levar em consideração esta evidência textual nos permite contrabalançar o testemunho parcial dos cronistas Latinos e ainda apreciar a complexidade de Fraxinetum.

É compreensível que os cronistas Latinos tenham descrito os Andaluzes muçulmanos negativamente, devido à devastação que acompanhava as suas incursões. Também é evidente que, além de vivenciar estas incursões em primeira mão, os cronistas eclesiásticos, dos quais a maioria das informações concernentes à Fraxinetum chegou aos historiadores modernos, tenham tido pouco contato com os muçulmanos em seu próprio ambiente, e tivessem apenas uma ideia vaga das suas outras atividades menos violentas. Consequentemente, o resultado natural dos pesquisadores darem mais crédito às fontes Latinas, que são mais vastas e acessíveis, é que a representação dos muçulmanos da Provença pelos cronistas Francos se tornou mais influente e gradualmente mais aceitável no discurso acadêmico sobre Fraxinetum. Em outras palavras, a imagem apresentada por autores como Ekkehard de Saint Gall, Liutprand de Cremona, e o autor da Crônica de Novalesa – e todos retratam os guerreiros Andaluzes pilhando a Provença, Piemonte e os Alpes, e ainda saqueando monastérios indiscriminadamente – tornou-se a descrição dominante dos muçulmanos de Fraxinetum. Como um resultado da frequência de tais relatos, muitos historiadores discutem Fraxinetum somente em termos da pirataria e incursões destrutivas, em vez de questionar a veracidade destes relatos ou conceitualizar Fraxinetum em outras maneiras além de um enclave pirata. Alguns acadêmicos já se referiram à persistência obstinada desta imagem como a “lenda negra” (legende noire).[7]

Uma visão mais clara da dimensão na qual os guerreiros islâmicos do Mediterrâneo ocidental foram caracterizados como “piratas” e “bárbaros” pelos cronistas Latinos, pode ser obtida ao se examinar alguns breves excertos das suas obras. As primeiras referências Latinas a guerreiros islâmicos vindos pelo mar a partir da Ibéria aparecem no Royal Frankish Annals (Anais do Reino dos Francos), nos Annals of Fulda ( Anais de Fulda) e no Vita Karoli Magni de Einhard, que discutem as atividades dos Andaluzes contra a costa franca e italiana durante o final do século 8 e começo do 9. Para os anos 798 e 799, o Royal Frankish Annals (Anais do Reino dos Francos) descreve como os “Mauri et Sarraceni” saquearam as Ilhas Baleares no que os Annals descrevem como um “praedonum incursione”, que pode ser traduzido como “pirataria”, enquanto os Annals of Fulda (Anais de Fulda) referem-se aos “mauri piratae” e “Mauris praedatum” nos anos 798 e 808 respectivamente.[8] Similarmente, Einhard, em seu Vita Karoli Magni, explica como a costa franca e italiana, de Narbona a Roma, foi fortificada por Carlos Magno devido ao fato de que era constantemente atacada pelos “Mauros piracticam”[9] Estas referências claramente mostram como as ações de guerreiros do mar islâmicos no começo do século 9 foram caracterizadas como pirataria pelos cronistas Latinos.

Os cronistas Latinos contemporâneos citaram a ressurgência de incursões marítimas islâmicas contra a costa franca, em meados do século 9, como uma continuação do período mais antigo da “pirataria”. Os Annals of St Bertin (Anais de S. Bertin), por exemplo, narram o saque de Marselha em 838 pelos “saracenorum piratae”, e descrevem a incursão Árabe sobre Arles em 842 pelos “maurorum piratae”.[10] Ao discutir os ataques dos Andaluzes muçulmanos na costa Provençal, o autor de Vida de Beuve de Noyers refere-se aos “paganorum piratarum”, e deplora como “os Ibéricos devastaram a Provença” (Hispanicole devastant Provinciam).[11] Nas descrições das atividades dos muçulmanos pelos cronistas Latinos, uma grande ênfase é colocada sobre a devastado (maurorum devastant, mauri irruenes), o destrutivo (destruendos saracenos, paganorum destructum, depopulantes terram), e o mortal (paganorum adnihilatam, saraceni trucidatur, callidus exactor), aspectos das suas incursões.[12] A maneira na qual os muçulmanos e seus ataques são descritos pelos cronistas francos de meados do século 9 em diante, é mais detalhada e elaborada do que a forma como foram descritos na primeira parte do século pelo Royal Frankish Annals (Anais do Reino dos Francos) e por Einhard. Em adição à continuidade do rótulo que eles deram aos muçulmanos que ocuparam o Fraxinetum no final do século 9 (“Piratas Sarracenos”), os cronistas descreveram suas incursões como mais devastadoras e destrutivas do que as incursões “piratas” iniciais.[13]

E mais, os cronistas Latinos não somente descrevem os muçulmanos e suas atividades dentro do contexto da pirataria, mas também apresentam estas incursões em termos similares às incursões dos Nórdicos (piratae Danorum) e Magiares (Ungariorum gens, Hungari), que estavam ao mesmo tempo invadindo a Europa ocidental nos séculos 9 e 10.[14] A maior fonte de informação sobre a fundação de Fraxinetum e a história política da sua população islâmica é Liutprand, o Bispo de Cremona, que escreveu em meados do século 10. Liutprand e muitos outros cronistas Latinos da época retratam os muçulmanos de Fraxinetum como “piratas” infiéis, que estavam ameaçando o coração mesmo da Cristandade, e que atacavam, destruíam e queimavam monastérios por causa do seu desdém “pagão” pelo Cristianismo.

Durante os séculos 9 e 10, as áreas que compreendem atualmente a França, Suiça, Itália e Alemanha foram invadidas por três grupos principais: Os Vikings, os Magiares e os Muçulmanos Andaluzes/Norte-Africanos. Como a principal ameaça externa à Cristandade Latina, eles foram retratados quase unanimemente como hordas bárbaras, devastando a Europa ocidental da partir de três direções diferentes.[15] Mais especificamente, as invasões dos Vikings e dos Muçulmanos foram ambas representadas como uma manifestação da ira divina contra a impiedade percebida no Reino Franco.[16] A sensibilidade dos cronistas Latinos à destruição de Vikings e Muçulmanos dos monastérios é especialmente aparente, e parece informar a sua perspectiva teológica sobre as invasões, pois eles viam tais ataques não somente como manifestações do desagrado divino, mas também como reflexo do ódio “pagão” pelo Cristianismo.[17] Ao reconhecer que os cronistas Latinos descreviam tanto Vikings quanto Muçulmanos em termos similares, como um instrumento de Deus para castigar os Cristãos sem fé pelos seus pecados, torna-se mais fácil compreender porque os Muçulmanos de Fraxinetum foram descritos como invasores impiedosos. A caracterização das suas incursões nos Annals of St. Victor of Marseille (Anais de S. Vitor de Marselha) como um açoite divino contra os Cristãos

(“Deus flagellare vellet populum christianum per seviciam paganorum, gens barbaric in regno Provence irruenes”), e a lamentação de Alcuíno de York das devastações Vikings na Nortúmbria usando as palavras do profeta do Velho Testamento (“Uae genti peccatrici, populo graui iniquitate, filiis sceleratis; derlinquunt Deum et blasphemauerunt sanctum saluatorem mundi in sceleribus suis” – Isaías 1:4), são ambas demonstrativas do fato de que as incursões Muçulmanas na Provença eram vistas da mesma forma que as depredações Vikings no Norte, i.e., como uma punição pelos pecados da Cristandade.[18]

Sendo assim, a representação unidimensional dos Muçulmanos como “piratas” precisa ser entendida dentro do contexto das incursões Vikings da mesma época, que fizeram os Cristãos Latinos se sentirem particularmente vulneráveis aos ataques do exterior, e que eles descreveram quase que unanimemente, como “pirataria”. Em outro nível, a caracterização dos Vikings e dos Muçulmanos como instrumentos da ira de Deus, mostra como os cronistas Latinos viam as flotilhas invasoras como uma amaeaça militar que iria eventualmente desaparecer, e não como eternos rivais ideológicos ou religiosos.[19] Contextualizando a invasão muçulmana desta maneira fornece uma indicação mais clara do motivo pelo os cronistas Latinos estavam, compreensivelmente, mais preocupados com a descrição da devatação e dos horrores associados com as incursões, do que em indetificar e descrever com precisão os Muçulmanos de Fraxinetum.

(A área ao redor de Fraxinetum é atualmente conhecida como Massif des Maures «Maciço dos Mouros», uma indicação da memória coletiva das presença dos Andaluzes, ou Mauri (Mouros), como eram conhecidos em Latim)

Para melhor apreciarmos o valor das crônicas Latinas como fontes úteis sobre Fraxinetum, o conteúdo polêmico das fontes precisa ser separado da evidência informativa e substantiva que eles fornecem. Embora todos os documentos Latinos concordem que os Muçulmanos tiveram um impacto negativo na Provença, e que a sua base em Fraxinetum apenas contribuía para o distúrbio regional, eles diferem quanto à natureza da ocupação muçulmana. O Chronicle of Novalesa (Crônica de Novalesa), por exemplo, descreve Fraxinetum como “um local na costa próximo a Arles”, Liutprand de Cremona descreve ela como “uma vila entre a Itália e a Provença”, o Casus S. Galli de Ekkehard refere-se ao “vale”, e outro autor contemporâneo, Sigeberto de Glemboux, refere-se a ele como um “castelo”.[20] E mais, a fortaleza em si é descrita variavelmente como um castrum (posto fortificado), uma villa (habitação rural), e um oppidum (cidade).[21]

Estes termos divergentes carregam, cada um, significados completamente diferentes. Dependendo de como Fraxinetum é interpretada, como um castrum ou como um oppidum, aumentam as implicações de se saber se era um posto avançado para incursões militares, ou uma entidade civil na fronteira entre o mundo Islâmico e a Cristandade. Outro cronista Latino anônimo descreve como alguns Muçulmanos tinham se estabelecido e estavam vivendo desarmados entre a população local da Provença nas proximidades de Fraxinetum, e que o casamento misto com Cristãos locais tinha se tornado uma prática comum para os Muçulmanos da região, um fato que é bastante revelador quanto à natureza da ocupação muçulmana naquela área, e levanta questões quanto à sua identidade étnica e social.[22] Não era incomum que grandes número de Cristãos participassem em muitas da incursões dos Muçulmanos no

Mediterrâneo durante a Alta Idade Média, especialmente quando as fontes Latinas testificam a presença de “renegados” (ou Cristãos convertidos ao Islam ou simplesmente rebeldes contra a autoridade local) em Fraxinetum. Isto nos encoraja a pensar na fronteira como representando uma realidade social e política mais fluida, englobando um vasto espectro de atividades e possibilidades.

Para identificar se a presença muçulmana em Fraxinetum estava limitada a um castelo, cidade, ou mesmo uma região, é importante levar em consideração as fontes Árabes contemporâneas. Ao contrário das crônicas Latinas, a representação de Fraxinetum na fontes Muçulmanas é muito mais simpática. A maioria da informação de uma visão Muçulmana vem das obras geográfica Árabes. Infelizmente, existem apenas três fontes Árabes sobreviventes que fazem menção à Fraxinetum e, ao contrário das fontes Latinas, fornecem pouca informação a respeito. As duas fontes principais são o Kitab al Masalik wa al Mamalik de al Istakhri, e Surat al Ard de Ibn Hawqal. Al Istakhri, que estava escrevendo durante meados do século 10, descreve Jabal al Qilal (Fraxinetum) como um país montanhoso, que os Muçulmanos habitavam e desenvolviam para o desgosto do Francos, que muitos rios e córregos, e explica que levou dois dias para cruzá-lo a pé.[23] Istakhi também observa que a região que circundava Fraxinetum era uma área negligenciada, e que a chegada dos Muçulmanos e sua posterior ocupação levou a região à prosperidade. E mais, ele declara que os Muçulmanos estavam em luta constante contra os poderes locais (“Infiéis Francos”) da terra, e enfatiza a importância estratégica da base exclamando que “se não fosse por esta montanha (i.e., Fraxinetum) as terras do Islam estariam em grave perigo!”[24] Esta última declaração implica que ele, um intelectual das terras islâmicas do Oriente, atrela à uma cidade-fortaleza isolada no Mediterrâneo ocidental, um status semelhante ao de um ribat, ou estado de fronteira, similar a outras fortalezas na fronteira entre a Cristandade e o Islam no Mediterrâneo.

Ibn Hawqal elabora o relato de al Istakhri ao descrever Fraxinetum como o reduto principal dos mujahidin (combatentes da fé) que foram vitoriosos nas terras dos Francos e observa que a sua agricultura era muito produtiva devido em grande parte ao solo fértil, abundância de terra e água corrente na região. Ele também re-enfatiza a opinião de Istakhri de que foi a chegada dos Muçulmanos que levou desenvolvimento ao local.[25] Ele explica que por razões de segurança os Muçulmanos fortificaram a montanha acima da ocupação, construindo uma fortaleza, que era acessível somente por um caminho estreito.[26] Parece que Ibn Hawqal via Fraxinetum primeiramente como uma ocupação agrária viável que abrigava guerreiros de fronteira, cujo caráter militar era necessário devido ao ambiente hostil e por razões de segurança, sem falar da sua esperada raison d’être na Provença: jihad. Sua descrição, semelhante a de Istakhri, corresponde muito de perto ao moderno entendimento acadêmico de um ribat/estado de fronteira islâmico medieval, e permite aos pesquisadores fazer comparações com os estados de fronteira localizados na região fronteiriça entre os Abássidas e Bizâncio na Anatólia no Próximo Oriente, ou mesmo os posteriores emirados turcos de ghazi nas fronteiras dos Impérios Sérvio e Bizantino, no século 14.[27]

Outra obra geográfica do século 10, Hudud al Alam, escrita por um viajanta Persa anônimo e datada de 982, descreve Fraxinetum como uma montanha inabitável no Mar Mediterrâneo, que está bem próxima da Península Itálica. O autor de Hudud al Alam também acrescenta que “(no)

oeste de Jabal al Qilal existe uma montanha, cujo cume é tão alto que não pode ser atingido, e desta (região) vem caça, toras de madeira e óleo”, uma rara indicação da importância econômica da região da Provença que os Muçulmanos ocuparam.[28] Apesar da brevidade destas três fontes geográficas, duas das quais foram escritas em Persa, e a outra em Árabe, elas são extremamente úteis para a descrição da natureza da presença Islâmica na Provença. Devido à escassez das fontes Árabes, é muito mais difícil conceitualizar Fraxinetum em termos de um centro cultural ou econômico, como estudos recentes demonstraram ser o caso da Creta andaluza, mas evidências arqueológicas mostraram que a presença Muçulmana na Provença era mais multifacetada do que se havia imaginado.

Os pesquisadores recentemente têm se aprofundado sobre a natureza das iniciativas não-hostis dos Muçulmanos de Fraxinetum, seja no campo agrícoloa, semi-industrial e outros. Tem-se argumentado que a introdução do trigo sarraceno, originário do Irã, na Provença, foi iniciado pelos Andaluzes, um fato possivelmente indicado pela etimologia, pois ele é conhecido como “sarraceno” no dialeto provençal da língua Francesa.[29] Em adição à introdução do trigo sarraceno, já foi especulado, com base em lenda local, que o cultivo áravore sobreiro e a técnica de transformação da resina de pinheiro em alcatrão de pinho, para o fortalecimento de navios de madeira foi iniciada pelos Muçulmanos. Na realidade, o nome árabe para Fraxinetum, “Jabal al Qilal”, é uma referência a esta prática.[30] E mais, a presença práticas pastoris e de agricultura distintamente árabe e bérberes podem ser inferidas do fato de que certas espécies de cabras nativas do Norte da África estavam sendo criadas na Provença, enquanto a criação de porcos era rara, um detalhe que pode ser atribuído ao período da presença Islâmica Andaluza.[31] Os vestígios arqueológicos de cerâmica, metalurgia (foram identificadas minhas conhecidas como le trou de Sarrasins e gallerie sarrasine perto de Grimaud, La Garde-Freinet e Plan de Tour), a manufatura de armas (foram escavadas forjas em Tende e La Ferière), e engenharia florestal foram citadas como indicativos de atividades não-militares que eram relativamente disseminadas em Fraxinetum, e havia possivelmente artesãos e outros Muçulmanos dotados de outras habilidades entre os guerreiros de lá.[32]

 

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(A vila de Ramatuelle, conhecida na Idade Média como Ramatuella, provavelmente derivado do árabe Rahmatuh Allah, significando “Misericórdia de Deus”, ficava no coração da região da Provença controlada pelos Andaluzes)

Pode ser inferido pelas obras de Ibn Hawqal e al Istakhri que os Muçulmanos eram não somente “muhajidin” que defendiam Fraxinetum como um posto de fronteira para o Islam, mas também se engajavam em outras atividades como o cultivo irrigado e comércio com o resto do mundo Islâmico, exportando sua produção, bem como óleo e toras de madeira. A impressão dada pelo Hudud al Alam é de uma região economicamente viável, de onde podiam ser obtidos madeira e óleo combustível. É portanto evidente que as fontes Islâmicas não retratam Fraxinetum como um mero posto de incursões, mas como entidade política defensiva e autosustentável no meio de uma grande população hostil Franco/Cristã. As fontes Islâmicas descrevem a região do sul da Provença como improdutiva e subdesenvolvida até a chegada dos Muçulmanos, que revigoraram economicamente a região e a fizeram florescer. Portanto, as afirmações de Syrus e Liutprand de que “os Sarracenos transformaram o reino em um deserto” é fortemente contradita pelas fontes Árabes, que se orgulham da maneira como os Muçulmanos dinamizaram uma área improdutiva e vazia no sul da Provença.

Embora nem as fontes Latinas nem as fontes Árabes dêem uma perspectiva equilibrada, quando lidas em conjunto podem ser de grande valia para fornecer uma visão mais clara de Fraxinetum. Pode ser dito seguramente, baseado nas evidências descritas acima, que Fraxinetum era um posto fortificado (castrum) povoado por guerreiros islâmicos de fronteira em constante combate (jihad) contra os Francos na Provença, e cujas atividades incluíam não somente incursões destrutivas que atormentavam os Cristãos Provençais, mas também atividades mais pacíficas como o cultivo e o comércio. Portanto, é útil pensarmos em Fraxinetum como uma fortaleza islâmica de fronteira, que possuía um elemento sócio-econômico e uma disposição militar. Fraxinetum foi povoado pelos Andaluzes e desenvolvido em um centro comercial e militar com a intenção de utilizar a base como um posto com um propósito claramente definido. De fato, Fraxinetum abrigou centenas (possivelmente milhares) de guerreiros ghazi e possuía uma frota relativamente grande de 12 a 15 navios de médio porte.[33] Embora as fontes Árabes e Latinas não forneçam evidência extensa a este respeito, também é plausível que Fraxinetum fosse um grande fornecedor de escravos, como resultado da sua relação com o centro comercial escravista de Verdun na Frância central durante este período. Muitos destes escravos (originários da Europa Central) provavelmente terminaram em al Andalus e formaram a base de uma nova clase social e militar de Saqaliba. Entretanto, na ausência de mais evidências de peso, o papel específico de Fraxinetum tráfico de escravos do Mediterrâneo Ocidental permanece em grande parte uma conjectura.

A relação entre Fraxinetum e al Andaluz é particularmente problemática, porque não está claro se Fraxinetum foi um estado islâmico de fronteira autônomo e uma base para incursões contra os Francos, ou se era de fato uma região de fronteira de al Andaluz que reconhecia a autoridade política Omíada. Quanto a esta questão, estamos em grande parte no terreno da conjectura e é impossível determinarmos com qualquer certeza qual era de fato a relação entre al Andaluz e Fraxinetum. Muitas das fontes Latinas fazem uma conexão direta entre os Muçulmanos de Fraxinetum e da Espanha Omíada descrevendo os Andaluzes como nativo das Ibéria ou tributários dos governants de al Andaluz, e explicam que eles recebiam reforços do Califado de Córdoba.[1] A Vida de Beuve de Noyers, por exemplo, refere-se aos Muçulmanos de Fraxinetum como hispanicolae, enquanto Liutprand de Cremona descreve como eles eram tributari regis Abdurrahman, que pode ser entendido como vassalos ou súditos do Califa da Espanha, Abdurrahman III (r.912-961).[2] Esta é a evidência contemporânea mais forte de que associa diretamente os Muçulmanos de Fraxinetum com o Califa Omíada.

A associação dos Muçulmanos de Fraxinetum com al Andalus também se torna evidente a partir das fontes Latinas que descrevem os guerreiros como mauri, uma designação geralmente entendida como significando Muçulmano Ibérico por volta dos séculos 9 e 10. Talvez a evidência contemporânea mais apelativa, derivada das fontes Latinas, sugerindo que Fraxinetum estava afiliada com, embora não necessariamente dependente, al Andaluz é a missão diplomática enviada por Otto I para Abdurrahman III em 953, pedindo que Córdoba suspendesse seu apoio aos Muçulmanos de Fraxinetum, cujas incursões se estendiam ao norte até o vale do Reno em meados do século 10.[3] Embora Abdurrahman III assegurasse ao emissário de Otto, John de

Gorze, que ele não apoiava os Muçulmanos no sul da Provença, subsequentemente houve uma redução considerável nas atividades dos Muçulmanos de Fraxinetum, cuja base caiu em 972 para uma coalição de cavaleiros Provençais sem receberem ajuda de al Andaluz. É plausível que a embaixada de Otto tenha tida um impacto direto em Abdurrahman III com respeito à sua política sobre Fraxinetum, embora sem mais evidências, isto não possa ser definitivamente afirmado.

Enquanto alguns pesquisadores tenderam a inferir sobre a natureza da relação entre al Andaluz e Fraxinetum, o historiador Francês Philippe Sénac tentou lidar com questão diretamente. Seu argumento tem sido o de que a principal commodity que Fraxinetum possuía em abundância, e pela qual havia uma alta demanda no al Andaluz, era a madeira.[4] Fraxinetum tem sido assim hipotetizada como uma possível saída para este escasso, porém essencial, recurso para al Andaluz, que estava no processo de construir uma marinha.[5] A teoria de que Abdurrahman III precisava de madeira para sua frota, e que os ghazis muçulmanos Andaluzes (nominalmente aqueles de Fraxinetum e da grande costa autônoma da Ibéria oriental) eram seus fornecedores, toca uma questão temática central no que concerne a relação entre Fraxinetum e al Andaluz.[6] Aparentemente, o apoio oficial Omíada da base em Fraxinetum em troca de recursos, como a madeira, teria em grande medida ameaçado o status quo dos poderes Cristãos na Europa ocidental. Entretanto, como as áreas na Provença onde a madeira podia ser explorada eram de vital importância para Abdurrahman III, o Califa apoiou Fraxinetum logisticamente. Ainda, quando o comércio Andaluzo-Italiano floresceu às expensas dos seus rivais Fatímidas no Norte da África e Sicília, ele não proveu oficialmente Fraxinetum com ajuda econômica ou militar, por medo de uma derrocada econômica e militar das forças europeias ocidentais, especialmente os Otomanos e as cidades-estado italianas.

É plausível que em troca do fornecimento de madeira para o Califado, os Muçulmanos de Fraxinetum tenham recebido um certo grau de aprovação, juntamente com suprimentos e reforços de al Andaluz.[7] De acordo com o cronista Andaluzo do século 11, Ibn Hayyan al Qurtubi, o Almirante Omíada do Abd al Malik ibn Sa’id ibn Abi Hamama, comandando uma frota de quarenta navios, liderou uma expedição contra a costa franca em 935, e possivelmente interagiu com os Muçulmanos de Fraxinetum, coordenando o ataque em conjunto com eles.[8] Embora isto não seja uma evidência definitiva do apoio militar Omíada a Fraxinetum, isto levanta a questão sobre em que grau o al Andaluz ativamente aprovou, encorajou e financiou os Muçulmanos lá estacionados. De fato, como visto acima, o autor anônimo do Hudud al Alam explicita declara que o Fraxinetum foi um lugar importante do qual toras de madeira (e o óleo) eram exportadas para o resto do mundo Islâmico ocidental. Em apoio a isto, em vários sítios arqueológicos no sul da Provença, próximo ao local onde ficava Fraxinetum, foram descobertos instrumentos árabes, como machados, pregos, serras, cinzéis e martelos, que teriam sido utilizados para explorar os recursos da madeira.[9] E mais, arqueólogos marinhos escavando a baía de Saint Tropez encontraram vários navios árabes com compartimentos que provavelmente transportavam materias como toras de madeira e outros itens, notavelmente a cerâmica.[10]

Outra evidência sugere que os Andaluzes de Fraxinetum foram excelentes no desenvolvimento do uso da madeira de sobreiro e da resina de pinheiro, materiais usados para a calafetagem de navios. Isto também é sustentado pelo fato que a palavra provençal para alcatrão, “quitran”, é derivado de uma palavra Árabe similar, “qatran”, e pelo detalhe menos aparente de que os Provençais do sul ainda são famosos pela indústria da madeira de sobreiro, cujas origens eles atribuem aos “Sarracenos”.[11] Embora muito mais trabalho precise ser feito para sabermos de fato se Fraxinetum era um posto avançado de al Andaluz, do qual toras de madeira eram exportadas, ao menos fica aparente que esta commodity foi um fator na relação entre o Califado de Córdoba e Fraxinetum.[12] Em adição a esta conexão pela madeira, fragmentos de cerâmica do século 10 escavados na costa da Provença, portando padrões idênticos às cerâmicas do sul da Ibéria, especialmente àqueles encontrados na cidade de Almería-Pechina, indicando outra ligação direta entre al Andaluz e Fraxinetum.[13]

As fontes Árabes também apoiam a noção de que Fraxinetum era diretamente afiliada com al Andalus. Geógrafos contemporâneos, nomeadamente Ibn Hawqal e al Istakhri, referem-se à Fraxinetum como parte da Ibéria Islâmica e enfatizam que era uma extensão da soberania Andaluza Omíada no sul da Frância. Isto é ressaltado pela descrição que Ibn Hawqal faz de Fraxinetum como uma ilha na embocadura do Rio Ródano próximo a al Andaluz, semelhante à como ele retrata as Baleares em seu mapa do Mediterrâneo ocidental.[14] Esta descrição cartográfica foi tomada literalmente por alguns estudiosos, que a distorceram para dizer que Ibn Hawqal e outros geógrafos Muçulmanos visualizaram Fraxinetum como uma ilha.[15] Entretanto, como é o caso com muitos mapas pré-modernos, ele não deve ser visto como uma tentativa de dar uma descrição estrita ao território geográfico.[16] Em vez disso, o mapa deve ser entendido como uma representação espacial da realidade que Fraxinetum era altamente (geograficamente) isolada de al Andaluz, mas simultaneamente (politicamente) afiliada e conectada com ele.

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(mapa Muçulmano do século 10 mostrando o Mediterrâneo, de al Istakhri, “Kitab al Masallik wal Mamalik”, Liber Climatum … codicis Gothani.. curavit J.H. Moeller. Gotha: libraria Beckeriana, 1839. Fraxinetum «”Jabal al Qilal» está representado como uma grande ilha triangular perto do topo do mapa. )

Uma outra indicação da relação que existia entre al Andaluz e Fraxinetum, é uma referência de Ibn Hayyan al Qurtubi a como em 940/941 Abdurrahman III mandou fazer cópias de um tratado de paz com os “Francos”, incluindo Hugo da Itália, e enviou-as aos governadores de Valência, Baleares e ao qa’id de Fraxinetum (mencionado pelo nome como Nasr ibn Ahmad), que eram provavelmente as principais partes a quem interessava tal tratado.[17] O uso da palavra “qa’id” implica a existência de uma relação única entre al Andaluz e Fraxinetum, uma diferente daquela que existia entre as Baleares e Córdoba, pois ela não denotava simplesmente um “governador” ou um servo civil administrando em nome de uma autoridade centralizada.[18] Ao contrário das cidades do interior, que eram governadas por um wali (“governador”), as cidades portuárias estavam normalmente sob o controle de um qa’id, que tipicamente possuía mais poderes do que um governador comum e era responsável pelos assuntos militares e civis.[19] Que o qa’id de Fraxinetum seja mecionado pelo nome numa crônica tão importante também sugere que a presença Islâmica na Provença era de alguma importância para al Andaluz, e que os eventos em Fraxinetum foram de algum interesse para Córdoba. “Qa’id”, um termo Árabe geográfico e administrativo, normalmente designava o comandante de uma zona de fronteira, ou thaghr[20] . A palavra Árabe thaghr é entendida como significando virtualmente uma terra de ninguém repleta de fortalezas (husun), localizada nas fronteiras do território islâmico e utilizada para realizar incursões em território não-islâmico[21]. Esta forma de fronteira era típica do al Andaluz, e formava a primeira linha de defesa entre a Ibéria Islâmica e seus vizinhos Cristãos do Norte. O thaghr era bem diferente de outras regiões de fronteira, genericamente conhecidas como hudud, porque ele tipicamente continha ribats, cujo papel era primariamente militar, embora vários ribats também tenham desenvolvido a agricultura e a indústria.[22]

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Estas fortalezas de fronteira eram uma entidade política única, distintas das partes centrais do reino, e lhes eram dadas um status administrativo especial. Elas estavam sob o controle de um comandante militar, o qa’id, e a ligação deles ao centro de poder tendia a ser muito mais fraca do que a de outras regiões do estado. O qa’id cumpria muitas das funções de um governante comum, e às vezes podia agir contrário aos desejos do governo central. À luz destes fatos, é possível, baseado nos testemunhos de autores como Ibn Hayyan e Ibn Hawqal, visualizar Fraxinetum como um thaghr de al Andaluz, habitado por guerreiros de fronteira, ou ghazis, em vez de uma entidade independente e autosustentável[23] A descrição de Fraxinetum nas fontes Árabes, portanto, corresponde de perto à concepção da fortaleza-fronteira Islâmica dos séculos 9 e 10. Embora nenhuma das fontes Árabes contemporâneas diga explicitamente que era uma província-fronteira de al Andaluz, as suas descrições da fortaleza, seus habitantes e suas atividades, tudo aponta para o fato de que Fraxinetum pode, ao mesmo, parcialmente, ser entendido dentro do conceito maior da guerra de fronteira no Mediterrâneo da Alta Idade Média, em oposição à ideia de uma “base pirata”.[24]

As descrições sobreviventes dos cronistas e geógrafos Árabes, mostrando os Andaluzes praticando agricultura, utilizando e exportando toras de madeira, e outras atividades na Provença sugerem que, devido ao seu isolamente relativo, eles precisavam se sustentar através de outros meios que não fossem a ajuda vinda de al Andaluz ou os butins. Não obstante, mesmo se for aceito que Fraxinetum era um thaghr do Califado de Córdoba, sua natureza autônoma está implícita pela distância entre a Proveça e a Ibéria (uma jornada de cinco dias pelo mar a partir da costa Valenciana).[28] Esta realidade foi indubitavelmente, enfatizada pela destruição do porto de Fraxinetum por forças Bizantinas, e a eliminação de toda sia frota em 941, encerrando qualquer conexão que eles tivessem com a Ibéria e talvez influenciando a decisão dos Muçulmanos de lá intensificarem suas incursões além dos Passos Alpinos.

Devido a falta de evidência, é altamente problemático classificar Fraxinetum como uma extensão de al Andaluz ou sobre-enfatizar as conexões entre os Muçulmanos da Provença e o Califa de Córdoba. Realmente, há toda a razão para crermos que a relação entre al Andaluz e Fraxinetum nunca se estendeu além de laços informais, devido à fraqueza das autoridades Omíadas no final do século 9 ( como mencionado acima, Fraxinetum foi provavelmente fundada por marinheiros/guerreiros do porto independente de Pechina-Almeria) e à preocupação dos Omíadas com rebeliões internas, e ainda a ameaça Fatímida em meados do século 10. O estabelecimento da dinastia Fatímida no Norte da África por volta do ano 909, coincidindo com as maiores rebeliões anti-Omíadas na Ibéria, apresentou um desafio grande desafio estratégico e ideológico para a Ibéria controlada pelos Omíadas. Esta ameaça por parte dos Fatímidas também explica parcialmente porque os Omíadas provavelmente não tinham nenhum interesse em ajudar seus correligionários em Fraxinetum, que haviam se tornado vulneráveis e uma fonte maior de tensão,

em uma época na qual eles esperavam ganhar aliados junto aos poderes Cristãos como Otto I e os Bizantinos, contra seus formidáveis inimigos Norte Africanos. Também deve ser lembrado que já em 953 Otto I tinha enviado seu emissário à Córdoba para protestar contra as incursões vindas de Fraxinetum. Certamente não estaria nos interesses de Abdurrahman III provocar mais tensões entre a Cristandade Latina apoiando os Muçulmanos de Fraxinetum.

Os insucessos dos Omíadas na Ibéria, especialmente após a derrota militar, psicologicamente desastrosa, das forças de Abdurrahman III por Ramiro II de Leão e seus aliados em Simanas em 939, também fornece o contexto imediato para pesquisarmos qualquer possível relação entre Córdoba e Fraxinetum. Esta batalha, que foi predita para terminar numa vitória rápida e decisiva dos Omíadas, resultou na sua derrota esmagadora e na captura do Qur’an (Alcorão) pessoal de Abdurrahman III. Como resultado, o Califa foi levado a concordar com um tratado de paz humilhante como Leão, cedendo grandes parcelas de território aos reinos Espanhóis, e foi ainda forçado reavaliar a situação estratégica da Península Ibérica. Ele nunca tornou novamente ao campo de batalha e manteve uma postura defensiva em relação aos Reinos Cristãos pelo restante da sua carreira. A derrota em Simancas, portanto, provavelmente reduziu qualquer tendência Omíada de apoio aos Muçulmanos de Fraxinetum.[31]

À luz de todos esses relatos históricos e à escassez de evidências sólidas, como entao Fraxinetum deve ser encarada? Baseado nas fontes disponíveis. é certamente plausível pensarmos em Fraxinetum como um estado Muçulmano de fronteira no Mediterráneo ocidental da Alta Idade Média. Certamente, as atividades dos Muçulmanos na Provença englobavam tanto incursões violentas quanto atividades mais pacíficas, como o comércio e a agricultura, se assemelhando assim a outras regiões ao longo da fronteira Muçulmana-Cristã nos séculos 9 e 10, tais como Creta e Bari. Quanto à frequência do conceito de jihad, que é constantemente empregado em relação à Fraxinetum nas fontes Árabes, só é analiticamente útil, se entendido como uma maneira de fornecer um quadro legítimo das atividades dos Muçulmanos na Provença, em vez de uma explicação das suas atividades. A importância do butim, das toras de madeira e do comércio de escravos para o Estado sugere que Fraxinetum não podia e não deve ser pensado simplesmente em termos de ou ideologia ou “pirataria”, mas como uma combinação complexa de ambas. A fronteira atraiu uma variedade de personalidades, muitas das quais tinham motivações mistas para suas atividades, e é provavelmente devido a esta natureza, como uma entidade de fronteira complexa, que é tão difícil caracterizarmos Fraxinetum. E mais, enquanto existem evidências que sugerem uma relação próxima com os Omíadas de al Andaluz, é provável que tais ligações nunca tenham se estendido além de relações informais ou comércio.

É claro, não obstante, que a presença militar e política dos Muçulmanos na Provença e nos passos Alpinos apresentou um sério desafio para a Cristandade Latina, como é evidente a partir da várias crônicas Latinas examinadas acima. Como a Creta Andaluza no contexto Bizantino e o Monte Garigliano na Itália, Fraxinetum forneceu o ímpeto necessário para os lordes e nobres da Provença colocarem de lado suas disputas e estabelecerem uma frente comum em face de um inimigo em comum. Como os Muçulmanos do século 11 descobririam, foi a consciência deste sentimento de vulnerabilidade às incursões e ataques Muçulmanos que levariam os Francos, Castelhanos, Catalães, Italianos e Normandos a exercerem todos os seus esforços para evitar que os Muçulmanos adquirissem o controle de áreas estratégicas no Mediterrâneo, como eles fizeram em Monte Garigliano, Bari, Tarento, Creta, Chipre e Fraxinetum durante o século 10. Realmente, por volta do final do século 11, os Cristãos Latinos iriam eventualmente ameaçar e conquistar partes significativas do mundo Islâmico: Barbastro em 1064, Toledo em 1085 e Jerusalém em 1099. É bastante significativo que foi a queda de Fraxinetum em 972, para uma coalizão de cavaleiros Francos, Italianos e Alemães lutando sob a bandeira da cruz, que deu início a uma nova era.

Fonte: https://ballandalus.wordpress.com/2015/06/08/fraxinetum-an-islamic-frontier-state-in-tenth-century-provence/

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