Ofensas à religião islâmica, intolerância e ódio aos muçulmanos não são nenhuma novidade. Em países ocidentais, é comum haver pessoas que adotam o discurso de que o Islam é um uma religião intolerante e isso acaba gerando repercussões mais violentas, como ataques terroristas em mesquitas, agressão contra muçulmanos e sanções que restringem a prática da religião.
Muitas vezes, o preconceito se torna tão forte que os muçulmanos escutam ofensas e sofrem ataques e, com isso, a intolerância se torna algo com o que a comunidade no ocidente é obrigada a conviver. Mas há casos em que as pessoas lucram difundindo discursos contra o Islam e seus seguidores, muitas vezes usando algumas informações equivocadas e fontes questionáveis, induzindo as pessoas a terem uma má impressão da religião e de seus adeptos.
Um caso recente que teve repercussão foi o do Professor Edmilson Cruz, historiador católico que chegou a afirmar que o Islam é uma ideologia comparável ao satanismo. Edmilson vende cursos de história mas, quando fala sobre a religião islâmica, apresenta informações imprecisas e equivocadas e, em alguns casos, não apresenta fontes para as suas afirmações. Por isso, boa parte de seu conteúdo foi contestado por outros pesquisadores.
A controvérsia em torno das postagens de Edmilson começou em uma resposta que Mansur Peixoto, pesquisador e administrador da página História Islâmica, deu em um vídeo do historiador católico no qual este dizia que “Maomé” escreveu o Alcorão no ano de 612 enquanto viajava para Jerusalém e que o Livro Sagrado dos muçulmanos diria em algumas passagens que o álcool era puro.
Em sua resposta, o pesquisador muçulmano apontou que o Alcorão começou a ser revelado no ano de 609, e não durante uma viagem do Profeta Muhammad, mas sim quando ele estava em um retiro na caverna no monte Hira, nos arredores de Meca. Mansur Peixoto também frisou que tais contradições quanto à permissibilidade do álcool não estão presentes no Alcorão e que até mesmo uma rápida olhada na Wikipédia poderia esclarecer os equivocos, algo que aparentemente Edmilson não se prestou a fazer.
Embora existam discordâncias entre os sábios muçulmanos em algumas questões, nenhuma das afirmações apontadas por Edmilson é objeto de dúvida entre os seguidores do Islam, nem são sequer motivo de controvérsia.
Em um outro vídeo, Edmilson afirma que a península arábica era um território católico antes da chegada do Islam. No entanto, os registros da época do Profeta Muhammad revelam que a religião predominante daquele local era o politeísmo árabe, seguido pelo judaísmo e, em número inferior, havia alguns cristãos vivendo em pontos periféricos como em Najran. Além desses, Mansur Peixoto apontou outros vários erros historiográficos em duas lives que fez para sua página, cerca de 20.
Além dessas afirmações, Mansur Peixoto constatou que vários erros historiográficos foram cometidos por Edmilson ao falar sobre a religião islâmica e também questionou suas fontes. Além de afirmar que nunca leu o Alcorão e ''não precisava'' para afirmar o que disse, o historiador católico também apresentou livros como “O Manual Politicamente Incorreto do Islã e das Cruzadas”, de Robert Spencer, que o pesquisador muçulmano citou como um livro de mérito acadêmico basicamente nulo.
No entanto, o maior problema apontado por Mansur Peixoto foi o livro “O Diário de um Cavaleiro Templário”, de Orlando Paes Filho, apresentado por Edmilson como uma de suas referências. Mas, na verdade, essa é uma obra de ficção literária e não é nenhuma fonte primária sobre as cruzadas e nem sobre a religião islâmica.
Em entrevista ao Iqara Islam, Mansur Peixoto contou porque optou por responder Edmilson: “diferente das pessoas mais comuns com quem eu me deparei, ele vende essas informações como verdadeiras dentro de um curso, ao qual adiciona como peso de veracidade o fato de ser formado em história, o que é algo extremamente perigoso se notarmos a total inocência dos que compram seus cursos”, afirmou.
Quem também apontou problemas com as fontes e os fatos apresentados por Edmilson foi o historiador Mansur Pascual, que também apresentou uma live na página História Islâmica, ao lado de Mansur Peixoto. “O problema das fontes que o Edmilson e alguns outros usam é que são livros panfletários (ou seja, já foram escritos com um forte viés ideológico em mente, e por isso ignoram todo e qualquer fato contrário à proposta ideológica do autor), repletos de erros factuais”, afirmou.
Mansur Pascual vai além: “Alguns desses livros foram escritos no século XIX, e até mesmo antes (São Tomás de Aquino viveu no século XIII) e, por isso, é compreensível que contenham certos erros. O problema é que esse pessoal para aí. Eles não criticam o Islam a partir de uma historiografia mais recente e "séria", nem sequer usam as próprias fontes islâmicas para isso. Por exemplo, para refutar aspectos teológicos do Islam esse povo usa Tomás de Aquino, que nunca leu o Alcorão na vida, mesmo já existindo uma tradução em latim disponível na época dele. Se ele nunca sequer leu o Alcorão, quanto menos hadith (relatos do Profeta), tafsir (exegese), etc, como ele teria condições de sequer saber o Islam, para depois criticá-lo?”
Após as publicações do História Islâmica, Edmilson fez um vídeo dizendo que um “pseudo-historiador” muçulmano estava inflando pessoas a atacarem suas redes sociais. Entramos em contato com a assessoria do professor, que alegou que ele não conhece nenhuma das críticas feitas pela página História Islâmica. Solicitamos uma entrevista com ele, mas até a data de publicação desta reportagem, Edmilson não nos atendeu.
Uma muçulmana chegou a perguntar no Instagram de Edmilson se iria refutar o que a página História Islâmica falou sobre ele, mas ele lhe disse para continuar acompanhando suas respostas para que, nas palavras do professor, “quem sabe assim você se converte e larga essa religião pagã”. Ainda na mesma resposta, ele rezaria para os muçulmanos “largassem essa ideologia religiosa”.
Atualmente, a página História Islâmica é a maior página sobre a religião islâmica em língua portuguesa, com um alcance mensal de 6 milhões de pessoas por mês.
Sobre as possíveis provocações, Mansur Peixoto respondeu: “é uma estratégia psicológica jogada para a bolha. Pois, se ele tentar responder ao que levantamos do conteúdo dele, irá se complicar com os pagantes de seu curso. Então, é mais fácil jogar isso para a plateia”, afirmou.
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