Em Nome de Deus, o Clemente, o Misericordioso
"E de Allah é o Levante e o Poente. E, para onde quer que vos volteis, lá está a face de Allah. Por certo, Allah é Munificente, Onisciente." [Suratu al-Baqarah, 115]
O Islam é uma religião universal: está presente nos quatro continentes e a partir dos quatro pontos cardeais, um em direção ao outro; quanto a isso, não há dúvidas. Há, porém, uma palavra derivada de “universal” que não denota presença física ou geográfica, mas sim uma posição epistemológica: “universalista”. Tal posição, resumidamente, valoriza as tradições religiosas e epistemológicas igualmente entre si. Podemos dizer que a frase comumente dita “não há religião certa, todas são corretas” é um exemplo de universalismo, apesar deste não ser o único tipo de universalismo.
Dizem alguns que o Islam é adepto desta posição, já outros dizem que o Islam é exclusivista, isto é, rechaça tudo que é de fora em valorização unicamente daquilo que lhe é interno. Nenhuma das duas posições está, de fato, correta, mas a verdade está situada em um ponto entre elas. É o que iremos ver neste artigo.
Os adeptos da assim chamada Philosophia Perennis, o conhecido “Perenialismo”, são adeptos da definição universalista “liberal” ou “larga”: para mais ou para menos, acreditam que todas as religiões e formas de culto, especialmente aquelas ditas tradicionais (isto é, aquelas que são ou têm sua origem em uma tradição antiga), têm uma origem primordial comum, uma “tradição perene” eterna e alheia ao tempo e ao espaço que, como zeitgeist de Hegel, é uma constante na História Humana, além de ser também uma origem.
Esse tipo de pensamento costuma, algumas vezes, adentrar nas fileiras da ‘ummah (a congregação do Islam) através de indivíduos que, desesperados por uma “tradição concreta” e estupefatos pela ruína do Cristianismo Ocidental, recitam a Shahada, mas dizem: "testemunhamos que, por certo, tu és O Mensageiro de Allah. E Allah sabe que, por certo, tu és Seu Mensageiro, e Allah testemunha que, por certo, os hipócritas são mentirosos" [Suratu al-Munafiqun, Os Hipócritas, 1], por isso, não duram muito tempo dentro do Din-i-illahi (A Religião de Deus) ou, quando duram, tornam-se munafiqs (hipócritas) ou zindiqs (hereges); raramente se emendam e aceitam o Islam em seus corações.
Em virtude disso, acabam colocando o Islam como uma religião par-a-par com as outras, explicando sua preferência pelo Din-i-illahi por uma “sobriedade”. Isso não está certo. O Islam, ativa e efetivamente, considera-se a única religião 100% correta (há verdade nas outras, mas isso será visto mais à frente), além de, ao mesmo tempo, a religião Natural do Homem e a última atualização da Religião de Deus para a Humanidade:
"Por certo, a religião, perante Allah, é o Islam (...)" [Suratu al Imran, 19]
"E quem busca outra religião além do Islam, ela não lhe será aceita, e ele, na Derradeira Vida, será dos perdedores." [Suratu al'Imran, 85]
"Todo aquele entre os cristãos ou judeus que ouvirem de mim, mas não crerem na Mensagem que eu vos trouxe e, neste estado, morrer, estará contado dentre os habitantes do Fogo." [Sahih Muslim, 1:284]
Abu Huraira narrou que O Mensageiro de Allah (صلى الله عليه وسلم ) disse: "Nenhuma criança
nasce fora da fitra (estado de pureza)." Ele (O Profeta) então disse: "A natureza feita por Allah onde Ele criou o Homem, [onde não há] alteração da natureza de Allah; esta é a religião correta." [Sahih Muslim 46:2658-d)
Deste modo, fica claro através do Livro Sagrado e de Hadiths autênticos que, não apenas o Islam é a religião de Deus,mas também é o “estado de natureza adâmica" do Homem. Por que, então, o Islam também se considera a “última religião” e considera o Profeta Muhammad (صلى الله عليه وسلم ) como sendo “O Selo dos Profetas”?
Ao observarmos o último hadith acima citado, vemos que ele diz“ [...]alteração da natureza de Allah[...]”. Isso constata um fato: essa natureza adâmica de pureza e monoteísmo pode ser (já foi, e ainda é) adulterada com o passar dos tempos. Após o Profeta Nuh (Noé, a.s), a humanidade logo descambou novamente em idolatria e associação: não bastasse começarem a adorar imagens dos Profetas, começaram a adorar Djinns e Anjos e a inventar deuses para si.
Então, apesar de vir de uma fonte pura (a “natureza de Allah”), a água deste rio metafísico se contaminou e se dividiu em vários afluentes. A vinda do Profeta Muhammad (صلى الله عليه وسلم ) é, nada mais, nada menos, que a restauração e a purificação desta água metafísica através de um canal que se manteve mais limpo que os outros (a Corrente Dourada “iniciada” [entre aspas, pois já era pré-existente: Ibrahim a.s foi um ‘reavivador’ do monoteísmo natural] por Ibrahim [Abraão] a.s e seus sucessores, passando Ishmail [Ismael] a.s e ‘Isa [Jesus] a.s). A partir daí, já vemos que, embora haja uma certa semelhança entre umas das premissas perenialistas e do Islam, o Perenialismo e o Islam são irreconciliáveis.
Isso significa que, então, o Islam crê que é a única religião correta e todas as outras são demoníacas, como dizem os cristãos? Não! E o horizonte do motivo já pôde ser vislumbrado no parágrafo anterior: todas as religiões têm a mesma origem, isto é, o monoteísmo, a religião original do Homem; elas, no entanto, acabaram se perdendo, se degenerando e se deteriorando até chegarem nas formas mais bárbaras de adoração a Djinns malignos, tornando-se verdadeiras antíteses à Din-i-illahi.
Outras, no entanto, mantiveram-se próximas à sua origem: o Bhagavad Gita, um texto sagrado dentro do universo religioso Hindu, claramente ensina o monoteísmo e, muitos sectos hindus são, de fato, monoteístas, ou se aproximam do monoteísmo através da filosofia religiosa do monismo.
Em verdade, essa tendência natural de ‘raja (retorno) ao Din-i-illahi pode ser observada mundialmente: na Grécia Clássica, com os neopitagóricos e neoplatônicos; na China, com o Confucionismo (centrado na adoração ao Céu) e algumas escolas Taoístas; os Sabeus (hoje chamados de Mandeus) do Iraque; na Índia, como já foi citado, etc.
Não apenas há essa proximidade e ‘raja (retorno) ao Din-i-illahi entre as religiões ditas “pagãs”, como também há os ‘ahl ul kitab, os povos do Livro: judeus e cristãos, que receberam uma Revelação Divina em forma escrita (a Torá e o Evangelho, que é chamado de Injil, bem como também os Salmos, que são chamados de Zabur). Estes dois têm status especial por serem religiões monoteístas que vieram antes do Islam, mas que acabaram sendo abrrogadas por seus erros: os judeus, ao negarem o reavivamento de ‘Isa (Jesus, a.s) na religião judaica, e os cristãos, por começarem a adorar ‘Isa (a.s) e associar ele a Allah(جل جلاله).
Sendo assim, podemos concluir que, dentre os perenialistas, o único que mais chegou perto de compreender corretamente o universalismo do Islam foi o convertido René Guenón (1886 – 1951), que afirmou “o Islam é o mar onde desaguam todas as religiões.” Se levarmos em conta que o Islam é a purificação das religiões pós-adâmicas e a perfeição das religiões abraâmicas anteriores, sim, é exatamente isso!
O Sheykh, místico e filósofo xiita Sayyid Baha al-Din Haydar al-'Obaidi al Hossayni Amuli escreve em sua obra “Segredos Interiores d’O Caminho”, uma obra de ‘irfan (misticismo muçulmano xiita) que concilia a mística shi’a com o tasawwuf (sufismo) sunita, uma grande fonte de inspiração e conhecimento para Amuli, que cada uma das três religiões abraâmicas (Judaísmo, Cristianismo e Islam) é um degrau para a outra e a perfeição da outra, sendo o Islam, porém, a perfeição e o fim último de todas elas, tal qual há os três níveis do sufismo: o sharia’t (o aspecto exterior, legal da religião, isto é, o zahir), o tariqat (o aspecto interior da religião, isto é, o batin) e o haqiqat (a ‘verdade interior’, na qual o sufi alcança o seu eu verdadeiro após a derrota do nafs [falso ego], podendo assim alcançar o fana [união com Deus]).
Sheykh Amuli também pontua que cada uma dessas religiões corresponde a um desses estágios da jornada sufi e exibe na sua composição e práticas tais características:
Desse modo, podemos observar que a posição do Islam não é nem uma, nem outra, das citadas no início do texto: o Islam aceita que há verdade e validade nas outras religiões, mas não as coloca em igual mérito de si, pois algo que é divino pode ter coisas extremamente próximas, mas não tem igual. Só há uma Siratul’ mustaqin (senda reta) para a nossa Era. Todas as outras são obsoletas e abrrogadas pelo esplendor da Mensagem do Profeta Muhammad, que a Paz e as Bênçãos de Deus estejam com ele
Dize: Ele é Allah, O Único 2. Allah, o Solicitado 3. Não gerou nem foi gerado 4.E não há ninguém comparável a Ele.” [Suratu al-Ikhlas, a “Sura do Monoteísmo Puro”]
“O Sol já chegou. Não precisamos mais nos guiar pelas Estrelas.” - ibn Arabi
(Autor: Lucas Ralla)
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