Muitas vezes, o conflito que ocorre entre Israel e Palestina sai do campo político e ganha contornos religiosos. Isso se deve ao fato de um país ser composto por uma população predominantemente judaica e o outro, por muçulmanos.
Além da falta de esclarecimento, muitas pessoas acabam acreditando em discursos forjados para apresentar os muçulmanos como pessoas inerentemente antissemitas.
Nesta narrativa forjada, alega-se que se um muçulmano odeia um judeu e que isso não se deve a uma revolta pessoal ou ignorância, mas sim a um dever religioso que o Islam supostamente atribuiria aos seus seguidores.
Nada poderia estar mais distante da verdade pois, apesar do Islam considerar que os judeus estão afastados da mensagem do Alcorão, o Livro Sagrado islâmico e o Profeta Muhammad ensinaram a lidar com respeito com os adeptos do judaísmo.
Os judeus são referidos no Alcorão como um dos Povos do Livro, que acreditam no Deus Único, nos anjos, em boa parte de Seus Profetas e em alguns dos livros sagrados.
Homens como Abraão, Moisés e José são profetas admirados por judeus e muçulmanos e os livros da Torah e dos Salmos são sagrados para as duas religiões.
Os muçulmanos, no entanto, acreditam que os livros da Torah e dos Salmos foram corrompidos e, portanto, seguem apenas os ensinamentos que são validados pelo Alcorão. Porém, acreditam na santidade da revelação dos dois livros sagrados judaicos.
Por não acreditarem que Jesus foi crucificado, os muçulmanos não atribuem culpa inata a todos os judeus por sua morte e, além disso, ele também é considerado um profeta islâmico:
“Ora, eles não o mataram nem o crucificaram, mas isso lhes foi simulado" (Alcorão, 4:157)
Por compartilharem valores essenciais, o Alcorão também autoriza os homens muçulmanos a se casarem com mulheres judias, garantindo a elas o direito de manter a sua fé:
“Está-vos permitido casardes com as castas, dentre as crentes, e com as castas dentre aquelas que receberam o Livro antes de vós” (Alcorão, 5:5)
Com isso, historicamente, os judeus não foram impedidos de viver em países islâmicos ou de praticar sua religião.
É fato conhecido, por exemplo, que os ramos do judaísmo sefaradi e mizrahim viveram por muitos séculos em países islâmicos e gozavam de uma liberdade maior do que seus correligionários que viviam em países da Europa central e oriental.
Os episódios históricos mais harmoniosos entre judeus e muçulmanos, portanto, não ocorreram apesar do Islam, mas sim por causa dele.
O Profeta Muhammad ensinou aos muçulmanos que a dignidade humana estava além da religião. Uma das ocasiões em que ele demonstrou essa lição foi justamente durante o funeral de um homem judeu.
“Um cortejo fúnebre passou na frente do Profeta e ele se levantou. Quando lhe disseram que era o caixão de um judeu, ele disse: “Não é (a alma de) um ser vivo?” (Bukhari)
Ele também ensinou que muitos dos princípios e também algumas práticas judaicas são boas e também eram válidas para os muçulmanos.
Um dos casos mais célebres foi quando ele viu os judeus jejuando no dia de Yom Kippur e considerou esta uma prática legítima de adoração:
“Quando o Profeta (Muhammad) chegou em Medina, encontrou judeus fazendo o jejum no décimo dia de Muharram e perguntou-lhes por que jejuavam. Eles disseram: este é um dia abençoado. Neste dia, Allah salvou os filhos de Israel dos seus inimigos (no Egito), então o Profeta Moisés jejuou para agradecer a Allah.”
O Profeta Muhammad, como forma de comparar seu êxodo de anos de perseguição em Meca ao êxodo de Moisés da opressão do Egito, disse:
“Nós estamos mais próximos de Moisés do que vocês.” Portanto, ele jejuou naquele dia e ordenou aos muçulmanos que também jejuassem. (Bukhari)
Por causa disso, os muçulmanos jejuam no dia que é conhecido como Ashura. Porém, também jejuam durante o dia anterior ou posterior a esta data para que a prática entre as duas religiões seja distinta.
Quando o Profeta Muhammad se tornou o governante da cidade de Medina e elaborou a constituição local, ele garantiu liberdade de culto aos judeus que viviam ali.
O Mensageiro de Allah também se casou com uma judia da tribo Banu Nadir chamada Safiyyah bint Huyayy que, mais tarde, também se converteu ao Islam.
Ela sofreu um certo preconceito por parte das outras esposas do Profeta que eram da mesma tribo que ele e, portanto, se julgavam melhores que Safiyyah.
O Mensageiro de Allah consolou sua esposa exaltando as suas origens judaicas, dizendo a ela:
"Você deveria dizer a elas,' Como vocês poderiam ser melhores do que eu, se meu marido é Muhammad, meu pai é Haarun (Aarão) e meu tio é Musa (Moisés)?"' (At-Tirmidhi)
Os exemplos proféticos deixam claro que os judeus não são inimigos naturais dos muçulmanos e também mostra que aqueles que estão em paz com os muçulmanos devem ser tratados com respeito, independentemente de sua fé.
“Quem prejudicar um não-muçulmano em paz conosco nunca vai sentir a fragrância do Paraíso, embora esta possa ser sentida a uma distância de quarenta anos de viagem” (Bukhari).
Como muitos sabem, a revelação islâmica não é construída apenas em torno de elogios aos judeus. Há, também, muitas admoestações e taxações negativas feitas a eles.
A maior parte dessas revelações é dirigida a três tribos judaicas que viviam na cidade de Medina: os Banu Qaynuqa, os Banu Nadir e os Banu Qurayza.
Essas tribos tinham um pacto de cooperação com os muçulmanos e se propuseram a viver em harmonia com eles.
No entanto, as três violaram este acordo ao tentarem provocar agitações sociais, planejar o assassinato do Profeta e se envolverem em traições de guerra.
Os Banu Qaynuqa foram expulsos de Medina após importunarem uma mulher muçulmana e provocarem uma briga contra outros adeptos do Islam no mercado da cidade.
Já os Banu Nadir foram expulsos de Medina após planejarem o assassinato do Profeta Muhammad, mas acabaram sendo descobertos antes que pudessem colocá-lo em prática.
Mas o caso mais grave foi o dos Banu Qurayza, que tentaram facilitar a entrada dos pagãos Quraish em Medina quando estes combateram os muçulmanos na Batalha das Trincheiras.
Os homens dos Banu Qurayza que cooperaram com os inimigos foram julgados com base na Torah e sentenciados à morte.
“Porém, se ela não fizer paz contigo, mas antes te fizer guerra, então a sitiarás. E o Senhor teu Deus a dará na tua mão; e todo homem que houver nela passarás ao fio da espada. Porém, as mulheres, as crianças, e os animais, e tudo que houver na cidade, todo o seu despojo, tomarás para ti; e comerás o despojo dos teus inimigos, que te deu o Senhor teu Deus.” (Deuteronômio, 20:12-14)
Vale destacar que nem todos os judeus apoiaram essas sabotagens. Quando os pagãos se levantaram contra os muçulmanos provocando a Batalha de Uhud, os judeus de Medina se recusaram a honrar o pacto e lutar ao lado dos muçulmanos.
O rabino Mukhayrik, da tribo dos Banu Nadir, convocou seu povo para lutar ao lado dos muçulmanos, mas eles se negaram, alegando que aquele era o dia de descanso do shabbat e que os pagãos não queriam guerra com os judeus, apenas com os muçulmanos.
Quando ouviu aquilo, o rabino repreendeu os judeus e disse-lhes que aquilo não representava o verdadeiro significado de guardar o shabbat. Por isso, ele legou toda a sua riqueza ao Profeta Muhammad.
Quando Mukhayrik faleceu, o Profeta Muhammad disse que ele era o "melhor dos judeus".
Esta visão negativa do Islam sobre o judaísmo está, em boa parte, atrelada a uma comunidade específica dentro de um determinado período, mas não se estende a todos os judeus.
A visão geral do Islam sobre o judaísmo não pode ser reduzida a uma percepção de ódio ou repulsa.
Ela exalta pontos nobres e positivos e rechaça outros negativos como forma de orientação aos muçulmanos e admoestação aos judeus.
De modo geral, a revelação islâmica não impede os muçulmanos de terem uma boa convivência com os judeus e encoraja os fiéis a manterem a paz com aqueles que não estão em guerra contra eles.
As disputas entre os judeus e os muçulmanos pelo território da Palestina é um fenômeno recente e, embora existam culturas religiosas envolvidas, as principais questões em disputa são políticas.
Vale lembrar que, por muitos séculos, os judeus sefaradim e mizrahim viveram harmoniosamente em países islâmicos. Nos dias atuais, há samaritanos que ainda habitam a Palestina e árabes israelenses que são muçulmanos.
Por mais que existam muçulmanos que possam, eventualmente, não gostar de judeus, isso é uma questão pessoal desses indivíduos e não algo que a religião islâmica defende.
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