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Abu Bakr, Omar e Uthman usurparam o trono de Ali?

O processo de nomeação do primeiro califa foi legítimo, com base no Alcorão e na sunnah, e foi amplamente aceito pelos companheiros do Profeta.
  • O Profeta Muhammad não deixou instruções claras sobre seu sucessor. Por isso, os muçulmanos precisaram decidir isso em uma consulta pública.
  • Abu Bakr foi eleito por sua proximidade com o Profeta e superioridade perante a todos os muçulmanos.
  • Isso foi amplamente aceito pela comunidade, até por mesmo Ali Ibn Abu Talib, que prestou lealdade a Abu Bakr e aos demais califas que lhe sucederam.
  • Mesmo que alguém ache que Ali é o legítimo sucessor do Profeta, isso não dá o direito de amaldiçoar quem o Profeta abençoou.

Após a sua morte, o Profeta Muhammad foi sucedido politicamente por Abu Bakr, seu sogro e melhor amigo.

Em seguida, subiram ao trono Omar ibn al-Khattab, Uthman ibn Affan e, por último, Ali ibn Abu Talib.

Isto foi aceito pela maioria dos muçulmanos daquele período, mas não todos, pois uma pequena minoria acreditava que Ali deveria ter sido o sucessor imediato do Profeta Muhammad.

Esta convicção perdurou até os dias atuais, sobretudo entre os xiitas que são, por excelência, os partidários de Ali.

No entanto, alguns ultrapassam o limite de discutir os méritos políticos dos califas na hora de dizer quem deveria ser o legítimo sucessor do Profeta e partem para o campo da acusação.

Com isso, chegam ao ponto de dizer que Abu Bakr, Omar e Uthman são usurpadores do trono de Ali. Veremos a seguir que essas acusações são infundadas.

Esquecem-se, portanto, que os quatro califas bem guiados estão entre os dez homens aos quais o Profeta Muhammad prometeu o paraíso, possuindo um status elevado perante aos demais muçulmanos.

Este texto não possui como objetivo dizer quem as pessoas devem aceitar como sucessor do Profeta, mas apresentar a narrativa sunita sobre o assunto e reforçar o erro que é fazer falsas acusações contra qualquer um dos quatro califas bem guiados.

Lembramos aqui o princípio islâmico de não fazer acusações sobre as quais não temos certeza a respeito, portanto, independente da crença sobre quem é o legítimo sucessor do Profeta, deve-se apresentar a própria opinião com respeito e sem calúnias.

O Que Levou Alguns Muçulmanos a Crer em Ali como o Primeiro Califa

O Profeta Muhammad não deixou instruções claras sobre quem seria seu legítimo sucessor político. Este é o grande motivo por trás da disputa que se sucedeu após a sua morte.

Um dos eventos mais emblemáticos que levou os partidários de Ali a apoiarem-no como o primeiro califa foi a célebre nomeação de Ghadir Khumm.

Após fazer o seu sermão de despedida, o Profeta dirigiu-se a multidão e disse: 

"Aquele cujo mawla eu sou, Ali é seu mawla".

Mawla é uma palavra árabe que deriva da raíz "wali" que pode significar "amigo", mas também pode ser "patrono", "líder", "senhor", "mestre", "administrador", "guardião", "ajudante", "amigo protetor" e "herdeiro".

Historicamente, isso acabou dando margem para diferentes tipos de interpretação sobre o sentido da mensagem dita pelo Profeta, mas a maioria das pessoas que estavam presentes não entendeu isso como uma nomeação política.

Isso porque os termos mais apropriados para um cargo de governança seriam algo como: ​​"imam", "emir", "khalifa", "ulil-amr" ou "sultan”. Essas são, de fato, palavras envoltas de teor político.

Portanto, a autoridade atribuída a Ali foi entendida pela maior parte dos muçulmanos em sentido espiritual, ou seja, Ali tinha uma proximidade com o Profeta digna de destaque.

Não é à toa que Ali é uma referência importante também dentro do misticismo sunita, sendo o primeiro mestre da cadeia de quase todas as ordens sufis existentes.

No entanto, para os xiitas, isso não apenas significa que Ali é o líder espiritual e político, mas também que a sucessão da liderança está confiada à linhagem do Profeta Muhammad. Afinal, Ali era casado com Fatima, filha do Mensageiro de Allah, com quem teve filhos.

Isso será reforçado por outros relatos como o evento de mubahala, em que o Profeta Muhammad discutiu com sacerdotes cristãos sobre a natureza de Jesus ser humana ou divina.

Para pôr fim ao impasse, o Profeta Muhammad colocou uma capa sobre si próprio e, junto a ele, estavam Ali, Fatima e os netos do Mensageiro de Allah, Hassan e Hussein.

Ao fazer isso, o Profeta invocou a maldição de Deus sobre aqueles que estavam mentindo, o que atemorizou os cristãos fazendo com o que eles se retirassem.

Aqueles que acreditam em Ali como sucessor imediato do Profeta usam este relato como evidência para mostrar que ele e sua família tiveram parte na reivindicação profética do Mensageiro de Allah.

O Que Levou os Muçulmanos a Eleger Abu Bakr como Califa

Como já dissemos, as orientações sobre a sucessão do Profeta não foram explícitas, mas o Mensageiro de Allah, durante muitas oportunidades, falou o quanto Abu Bakr era o seu companheiro mais especial entre todos os demais.

Então, a maior parte dos muçulmanos entendeu que Abu Bakr deveria ser o sucessor político imediato do Profeta devido a esta preferência expressada por ele.

Isso é evidente nos diversos relatos que o Profeta exaltou Abu Bakr e elevou seu status perante os crentes: 

"Então fui até ele (o Profeta) e disse: 'Qual das pessoas é mais querida para você?' Ele disse: 'Aisha'. Eu disse: 'Quem entre os homens?' Ele (o Profeta) disse: 'O pai dela (Abu Bakr)'". (Bukhari, 3662; Muslim, 2384)

"A pessoa que mais me favoreceu, tanto com sua companhia quanto com sua riqueza, é Abu Bakr. Se eu tivesse que escolher um amigo que não fosse meu Senhor, eu teria escolhido Abu Bakr como tal, mas (o que nos relaciona) é a irmandade e a amizade islâmicas. Todos os portões da mesquita devem ser fechados, exceto o portão de Abu Bakr." (Bukhari 3654)

Um dos eventos que contribuiu para que muitos muçulmanos prestassem lealdade a Abu Bakr ainda durante a vida deste foi quando o Profeta e o seu melhor amigo ficaram escondidos na caverna de Thawr.

Eles estavam migrando de Meca para Medina, enquanto os pagãos da tribo Quraish os perseguiam na tentativa de matá-los.

Abu Bakr foi um fiel companheiro naquele momento e Allah revelou um versículo do Alcorão em que o melhor amigo do Profeta era mencionado:

"Se não o socorrerdes (o Profeta), Deus o socorrerá , como fez quando os incrédulos o desterraram. Quando estava na caverna com um companheiro, disse-lhe: Não te aflijas, porque Deus está conosco! Deus infundiu nele o Seu sossego, confortou-o com tropas celestiais que não poderíeis ver, rebaixando ao mínimo a palavra dos incrédulos, enaltecendo ao máximo a palavra de Deus, porque Deus é Poderoso, Prudentíssimo." (Alcorão 9:40)

Outro fato que contribuiria muito para que as pessoas aceitassem Abu Bakr como o legítimo sucessor político do Profeta é o fato do Mensageiro de Allah ter ordenado no fim de sua vida que seu melhor amigo guiasse as orações quando ele já estava muito debilitado para fazer isso.

Isso foi compreendido como se Abu Bakr estivesse assumindo o posto de liderança das funções que, até aquele ponto, pertenciam ao Profeta.

"O Profeta ficou doente e, quando sua doença se agravou, ele disse: 'Diga a Abu Bakr para liderar a oração.' Aisha disse: 'Ele é um homem de coração mole e não seria capaz de liderar a oração em seu lugar.' O Profeta disse novamente: 'Diga a Abu Bakr para liderar o povo em oração.' Ela repetiu a mesma resposta, mas ele disse: 'Diga a Abu Bakr para liderar o povo em oração. Vocês são os companheiros de José.' Então o mensageiro foi até Abu Bakr (com essa ordem) e liderou o povo em oração durante a vida do Profeta." (Bukhari 678)

Não há dúvidas de que, após o Profeta Muhammad, Abu Bakr era o melhor dos muçulmanos, e até mesmo Ali afirmou isso:

"Perguntei ao meu pai (Ali bin Abu Talib): 'Quem são as melhores pessoas depois do Mensageiro de Allah?' Ele disse: 'Abu Bakr'. Eu perguntei: 'E em seguida?' Ele disse: 'Em seguida ‘Omar'. Eu estava com medo que ele dissesse 'Uthman', então eu disse: 'Em seguida é você?' Ele disse: 'Eu sou apenas uma pessoa comum.'" (Bukhari 3671)

Ali prestou juramento de lealdade a Abu Bakr. Relatos mostram que, por ser da família do Profeta, ele queria ter sido consultado sobre a decisão, mas reconheceu a legitimidade do califa:

"Então ele disse: 'Reconhecemos sua excelência moral e o que Allah concedeu a você. Não invejamos o favor (ou seja, o Califado) que Allah conferiu a você; mas você fez isso (assumiu a posição de Califa) sozinho (sem nos consultar), e pensamos que tínhamos o direito (de sermos consultados) por causa de nosso parentesco com o Mensageiro de Allah. Ele continuou a falar com Abu Bakr (nesse sentido) até que os olhos deste último se encheram de lágrimas. Então Abu Bakr disse: 'Por Allah, em cujas mãos está minha vida, o parentesco do Mensageiro de Allah é mais caro para mim do que o parentesco do meu próprio povo.(...)' Então, Ali disse a Abu Bakr: 'Esta tarde é (fixada) para (jurar) lealdade (a você). (...)'" (Muslim 1759a)

Essa "demora" de Ali em apresentar sua lealdade, na verdade, ocorreu porque alguns muçulmanos tiveram pressa em adiar seu juramento a Abu Bakr para que não houvesse disputas pelo trono, enquanto outros fizeram isso em um segundo momento.

O Profeta jamais jurou lealdade a alguém que não o reconhecia como um mensageiro de Allah, portanto, aqueles que acreditam que Ali é um imam infalível não possuem motivos para acreditar que ele se submeteria a alguém injusto.

A sucessão de Abu Bakr se deu por um meio legítimo de consulta pública chamado "shura", na qual foi discutida se o sucessor seria alguém dos muçulmanos de Meca (conhecidos como muhajirun) ou de Medina (conhecidos como ansari).

O Evento da Saqifah e a Nomeação de Abu Bakr

Muitos xiitas acusam Abu Bakr e Omar de ganância, afirmando que eles deixaram de comparecer ao funeral do Profeta para ir até a Saqifah, local em que ocorria a shura.

Ali, por sua vez, estaria preocupado com o rito fúnebre do Mensageiro de Allah, a ponto de não ter tido a oportunidade de aparecer na consulta e, portanto, deixado de participar dela.

Isso é uma mentira flagrante, pois os primeiros relatos sobre Abu Bakr e Omar após a morte do Profeta mencionam o sentimento de luto que se abateu sobre eles e, no caso especial de Abu Bakr, de buscar acalmar os ânimos das pessoas à sua volta.

"Abu Bakr veio cavalgando de sua residência em As-Sunh. Ele desceu, entrou na mesquita e não falou com ninguém até que veio até mim e foi direto ao Profeta, e estava coberto com uma roupa listrada. Abu Bakr descobriu o rosto. Ele se ajoelhou e o beijou e então começou a chorar e disse: 'Meu pai e minha mãe sejam sacrificados por você, ó Profeta de Allah! Allah não combinará duas mortes em você. Você morreu a morte que foi escrita para você.'" (Bukhari 1241)

O luto de Omar foi expressado de forma ainda mais intensa, pois ele se recusava a aceitar que o Profeta Muhammad tinha morrido.

“Por Allah, ele (o Profeta) não está morto, mas foi para o seu Senhor como Moisés, que permaneceu escondido do seu povo por quarenta dias. Moisés voltou depois que foi dito que ele havia morrido.” (Al-Tabari Vol.9, p.184)

Tais especulações só acabaram após a desconcertante fala de Abu Bakr, que consolou a todos:

"Abu Bakr disse: "Quem dentre vocês adorou Muhammad, então Muhammad está morto, mas quem adorou Allah, Allah está vivo e nunca morrerá. Allah disse: 'Muhammad não é mais do que um apóstolo e, de fato, (muitos) Apóstolos faleceram antes dele." (Bukhari 1242)

Ibn Abbas disse:

“Por Allah, era como se as pessoas nunca soubessem que Allah havia revelado este versículo antes, até que Abu Bakr o recitou e todas as pessoas o receberam dele, e eu ouvi todos recitando-o (então).” (Bukhari: Volume 5, Livro 59, Número 733)

Omar disse:

“Por Allah, quando ouvi Abu Bakr recitá-lo, minhas pernas não conseguiram me sustentar e caí no exato momento em que o ouvi recitá-lo, declarando que o Profeta havia morrido.” (Bukhari: Volume 5, Livro 59, Número 733)

Ao contrário do que alguns afirmam, Abu Bakr e Omar não saíram de perto do Profeta sedentos por algum interesse, mas foram acionados por terceiros para resolver uma emergência:

"É relatado por Omar que, enquanto eles estavam sentados na casa do Profeta, um homem gritou de repente do lado de fora: 'Ó Filho de Khattab (ou seja, Omar), por favor, saia por um momento.' Omar disse-lhe para deixá-los em paz e ir embora, pois estavam ocupados fazendo os preparativos para o enterro do Profeta. O homem respondeu que havia ocorrido um incidente: os Ansar estavam se reunindo em força em Saqifah Bani Saidah, e - como a situação era grave - era necessário que ele (Omar) fosse e investigasse o assunto para que os Ansar não fizessem algo que levaria a uma guerra (civil)." (Al Faruq, de Allamah Shibli Numani, Vol 1, p.87)

"Omar soube disso (isto é, a reunião dos Ansari em Saqifah) e foi até a casa do Profeta e enviou (uma mensagem) para Abu Bakr, que estava na casa… (Omar) enviou uma mensagem para Abu Bakr para ir até ele. Abu Bakr enviou de volta (uma mensagem) que estava ocupado (isto é, cuidando do corpo do Profeta), mas Omar enviou-lhe outra mensagem, dizendo: “Algo (terrível) aconteceu e você deve cuidar pessoalmente.” Então (Abu Bakr) foi até ele…" (al-Tabari, Vol.10, p.3)

Eles não tiveram outra escolha, afinal, os muçulmanos de Medina estavam escolhendo o seu próprio califa sem consultar os muçulmanos de Meca, o que seria equivalente a tomar o poder para si e poderia levar a comunidade a um enorme conflito.

Fazer acusações contra Abu Bakr e Omar por causa da reunião em Saqifah é ignorar o clima tenso que teve esta assembleia.

Os ansaris de Medina estavam se preparando para tomar o poder e elegerem Saad ibn Ubadah, a quem o profeta deu o estandarte durante a conquista de Meca. 

No entanto, seu comportamento foi tão violento com o povo de Meca durante a conquista que o Profeta tirou o estandarte de suas mãos. Isso mostra sua atitude hostil contra aqueles que não eram de Medina.

Eles estavam prontos para subjugar aqueles que não aceitassem o estabelecimento de Saad.

"(O) Ansar disse: 'Caso eles rejeitem nosso Califa, nós os expulsaremos de Medina na ponta de nossas espadas.' No entanto, os poucos Muhajirs na assembleia protestaram contra esta atitude e isto causou disputa e desordem de natureza séria e uma guerra entre os Muhajirun e Ansaris parecia possível. Quando a situação tomou um rumo feio, Mughirah ibn Shubah deixou o local problemático e foi à Mesquita do Profeta para relatar o que estava acontecendo em Saqifah Banu Saidah." (Tarikh Al-Islam, Vol.1, p.273-274)

Algumas fontes ainda sugerem que a ideia dos ansar é que cada povo elegesse o seu próprio califa, havendo um representante de Meca e outro de Medina.

“Vamos ter um líder entre nós, e vocês (Quraish) um líder entre vocês.” (al-Tabari, Vol.10, p.3)

O impacto disso seria a fragmentação do Islam em pequenos feudos, vulneráveis a ataques estrangeiros e com algumas inimizades entre si, como naturalmente ocorria com reinos que aderiram a este tipo de organização.

Ao contrário disso, a união em torno de Abu Bakr tornou o Islam um império sólido, consistente e que, em poucos anos, se tornou um dos mais importantes do mundo.

No meio do caminho até a Saqifah, Abu Bakr e Omar encontraram Abu Ubaidah ibn al-Jarrah, e os três foram para lá.

É insensato pressupor que Abu Bakr pensaria em tomar o poder tendo apenas dois homens para enfrentar uma multidão. 

Se ele pretendia fazer com que os ansar o reconhecessem como califa, precisaria apelar para uma massa de apoiadores, pois três homens jamais poderiam fazer algo para impedir os muçulmanos de Medina.

No entanto, Abu Bakr fez um simples discurso conciliatório, exaltando as virtudes dos muçulmanos de Medina, mas acrescentando que eles não teriam a popularidade necessária para governar todas as tribos árabes que haviam abraçado o Islam após a conquista de Meca.

O representante deveria ser da tribo do Profeta, os Quraish, pois eles tradicionalmente eram os organizadores da peregrinação à Meca, que era o grande centro espiritual dos árabes desde a era pagã.

Os Quraish formavam a mais influente tribo entre os árabes. Quando combatiam o Islam, eles se aglutinaram para combater os muçulmanos e, quando Meca submeteu-se ao Profeta, os árabes converteram-se em massa. 

Os ansaris então foram persuadidos da posição privilegiada dos Quraish:

"Abu Bakr Siddiq disse: 'Omar e Abu Ubaidah estão aqui: escolha qualquer um deles.'

Omar disse: 'Não! Abu Bakr é o mais excelente entre os Muhajirs. Ele foi o Companheiro do Profeta na caverna (como mencionado no Alcorão); o Profeta pediu-lhe que fosse o Imam para liderar as orações, e a oração é o mais superior de todos os outros atos de fé. Portanto, ninguém (nem eu, nem Abu Ubaidah) tem o direito de assumir os deveres do Califado na presença de Abu Bakr.'

Dizendo isso, Omar foi o primeiro a estender a mão para fazer Bayah (juramento de lealdade) nas mãos de Abu Bakr Siddiq, seguido por Abu Ubaidah e Bashir ibn Saad Ansari. Depois disso, as pessoas de todos os lados de Abu Bakr vieram tomar Bayah (juramento de lealdade). À medida que a notícia se espalhava, todos os crentes correram para jurar lealdade ao califa." (Tarikh al-Islam, Vol.1, p.275)

Após a nomeação, Abu Bakr ainda voltou para o enterro do Profeta:

Terminada a tarefa de lavar o corpo, os Companheiros dividiram-se quanto ao local do sepultamento. Abu Bakr então disse: “Ouvi do Mensageiro de Allah que todo Profeta é enterrado no local onde deu seu último suspiro.” A roupa de cama do Profeta foi removida do local e uma sepultura foi cavada para ele no local. (Tarikh al-Islam, Vol.1, p.246)

Este homem seria responsável por combater aqueles que apostataram e levantaram guerra contra o califado após a morte do Profeta.

Abu Bakr reunificou os árabes e deu contribuições expressivas para a expansão do império islâmico e, se não fossem suas ações, seguidas pelos esforços de Omar e Uthman, é provável que o Islam não fosse uma religião tão expressiva ao longo da história e no atual cenário global, ou, talvez, sequer existiria.

Qual é a Base Para a Legitimidade de Abu Bakr, Omar e Uthman Como Califas?

A shura em Saqifah é o processo que legitimou o poder de Abu Bakr e isso é justificado pelo Alcorão e pelos relatos do Profeta.

Afinal, o grupo majoritário é aquele que confere o poder ao califa, ou seja, eles reconhecem que o governante possui legitimidade sobre o seu povo.

Aqueles que promovem discórdia e se rebelam contra o governante devem ser rechaçados pela comunidade, que deve se manter em união sob a base do califado.

"Disse o Profeta Muhammad: Você deve se ater ao corpo principal dos muçulmanos e ao seu líder." (Muslim 1847a)

"Aquele que desertasse da obediência (ao Amir) e se separasse do corpo principal dos muçulmanos - se morresse nesse estado - teria a morte de alguém pertencente aos dias de ignorância…" (Muslim 1848a)

Ou seja, está claro que os seguidores de Abu Bakr formavam o corpo principal, pois foi a ele que os muçulmanos prestaram lealdade e se submeteram.

Qualquer tentativa de levantar outro califa após este evento seria uma forma de dividir a comunidade (fitna).

Sabendo disso, até mesmo Ali não aceitou que outras pessoas o elegessem como califa enquanto Abu Bakr estivesse governando.

"Ele (Abu Sufyan) disse (para Ali): 'Ó pai de Hasan, estenda sua mão para que eu possa lhe dar Bayah', mas Ali recusou…(e) Ali o repreendeu, dizendo: 'Por Allah, você faz isso sem nenhuma pretensão, a não ser causar fitna(…)'” (al-Tabari, Vol.1, p.199)

Quando Abu Bakr estava perto de morrer, consultou seus conselheiros sobre a nomeação de Omar como califa, e eles aceitaram.

Quando Omar estava próximo de morrer, nomeou um conselho com seis dos dez homens aos quais o Profeta havia prometido o paraíso, e entre eles estava Ali, o que mostra que ele era um dos homens de confiança do califa.

No entanto, este conselho definiu que Uthman seria o terceiro califa. Quando este foi assassinado, Ali foi eleito pela comunidade islâmica como seu sucessor.

Todos esses processos ocorreram de forma legítima e incontestável pelos seus protagonistas, incluindo Ali.

Como Ali Legitimou os Três Primeiros Califas

Não há motivos para criar teorias mirabolantes sobre a razão de Ali não ter denunciado seus antecessores e estabelecido novas normas que se afastassem daquilo que os três primeiros califas instituíram.

Afinal de contas, todos sabemos que Ali foi o quarto califa dos muçulmanos e tais coisas nunca aconteceram. Pelo contrário, ele jurou lealdade a Abu Bakr, Omar e Uthman.

Ele jamais disse que os califas anteriores lhe retiraram seus direitos e sempre foi visto por eles como um homem de confiança, não como um rival, e muito menos como inimigo.

Essa admiração foi relatada até mesmo em fontes xiitas: 

"Ali ibn Abu Talib disse a Zubair: '(Embora) tenhamos ficado irritados momentaneamente no momento da consulta (ou seja, Saqifah), agora podemos ver que Abu Bakr é o mais merecedor do Califado: ele era o companheiro do Mensageiro de Allah na caverna. Sabemos de sua vida e sabemos que o Mensageiro de Allah ordenou que ele liderasse as orações.' E então ele (Ali) deu seu Bayah (para Abu Bakr). (Sharh Nahjul-Balagha; Ibn Abi Al-Hadeed; Vol.1, p.132)"

Quando Abu Bakr era califa, ele manteve as terras de Fadak sob controle do califado. Esta propriedade pertencia ao Profeta Muhammad, e Fatima, a filha do Mensageiro de Allah, reivindicou-a como um presente que seu pai havia deixado para ela.

No entanto, Abu Bakr não lhe repassou a propriedade, pois o Mensageiro de Allah havia dito que os Profetas não deixam heranças.

Muitas pessoas insistem em criticar Abu Bakr por tal decisão, mas se esquecem de que, quando Ali foi o califa, ele não deu as terras de Fadak aos filhos de Fatima.

Aliás, como vimos anteriormente, Ali ainda prestou lealdade a Abu Bakr mesmo mediante a suposta injustiça. 

Como se isso não fosse o suficiente, na gestão de Omar ele foi ainda mais ativo ao auxiliar o califa.

É registrado no sermão 134 do compilado xiita Nahj al-Balaghah que Ali atuou como conselheiro de Omar quando os muçulmanos estavam fazendo sua campanha de expansão contra os bizantinos.

O sermão 146 também registra que Ali foi o conselheiro de Omar quando os muçulmanos estavam fazendo sua campanha de expansão contra os persas.

No livro al-Amwal, é registrado que Ali recebeu um despojo de guerra de 5 mil dirhams. Ou seja, está claro que Ali teve um papel importante nas guerras de expansão do Islam, mesmo que não estivesse nas frentes de batalha.

Quando Uthman se tornou califa, enfrentou uma dura campanha de difamação, mas Ali o defendeu publicamente, o que está evidente até mesmo nos comentários do Nahj al-Balaghah (Sharh al-Nahj lil-Bahraanee 4/354).

Ali era admirado pelos califas e a recíproca era verdadeira, tanto é que ele nomeou três de seus filhos com o nome de seus antecessores: Abu Bakr, Omar e Uthman.

Isto não é uma invenção dos sunitas; também está claro em fontes xiitas e pode ser observado no Kitab al-Irshad, do Sheikh Mufid.

Nesta mesma fonte, é mostrado que Ali cedeu sua filha Umm Khultum em casamento a Omar ibn al-Khattab.

Ou seja, é evidente que não se trata de coincidências isoladas. Ali teve diversas oportunidades de lutar contra as supostas injustiças de seus antecessores ou, ao menos, revogá-las, mas nunca o fez.

Qual homem justo que, ao ver seus direitos e de sua família serem usurpados, não se levanta, aceita tudo que lhe é imposto, auxilia os supostos usurpadores e, quando assume o governo, não revoga ou denuncia absolutamente nada dos ditos "homens injustos"?

Como o Imam Hussein e o Imam Hassan Legitimaram os Três Primeiros Califas

Como se não fosse suficiente a legitimidade que Ali atribuiu aos três primeiros califas, vemos isso também no legado do Imam Hussein e do Imam Hassan, os filhos de Ali, que também são figuras proeminentes do xiismo.

Assim como Ali, Omar garantiu a Hassan e Hussein um despojo de guerra de 5 mil dirhams após as campanhas de expansão islâmica.

Já durante o califado de Uthman, eles estiveram na campanha militar do Tabaristão (Tarikh al-Tabari” vol. 5 p. 103).

Quando Uthman começou a sofrer uma dura campanha de difamação, o Imam Hassan, a mando de seu pai, defendeu o califa publicamente na expectativa de evitar animosidades.

Hassan também esteve entre os homens que tentaram evitar a morte de Uthman, mas o califa se ofereceu em sacrifício para que o banho de sangue não fosse maior.

"Hassan e Hussain, Ibn Omar, Ibn Zubair e Marwan, todos eles, correram (para a casa de Uthman) totalmente armados até entrarem na casa e Uthman disse: 'Ordeno que vocês retornem e deixem suas armas para ficarem em suas casas!'" (Tarikh al Khulafa, al Khayyat, p. 173)

E, seguindo o exemplo de seu pai, o Imam Hussein nomeou dois de seus filhos com os nomes dos primeiros califas: Abu Bakr e Omar.

A ideia de que os três primeiros califas foram pessoas perversas nunca fez parte da visão de Ali e de seus filhos,e não poderia ser outra coisa senão uma opinião tardia e inventada a respeito desses homens.

Companheiros Admirados Pelos Xiitas que Auxiliaram os Quatro Califas

  • Salman al-Farsi esteve, durante o califado de Omar, participando da campanha da conquista da Pérsia lutando contra o Império Sassânida (al-Bidayah wa-Nihayah” vol. 5 p. 135-140). Ele também atuou como governador de al-Madain, nomeado por Omar (“al-Isabah” vol. 3 p. 113).
  • Hudhayfa ibn al-Yaman foi governador de Kufa, nomeado durante o califado de Omar (al-Isabah vol. 1 p. 332), e de al-Madain, durante o reinado de Uthman (Irshad Al Qulub Vol 1. Hasan ibn Muhammad Al-Daylami). Foi líder militar durante o califado de Omar e Uthman e desempenhou papel importante na conquista do Iraque.
  • Ammar ibn Yasir foi um importante guerreiro nas guerras Ridda contra o falso profeta Musailimah, ainda na era Abu Bakr. Na era de Omar, ele foi nomeado como governador de Kufa (“Tarikh al-Islam” vol. 2 p. 581).
  • Bilal al-Habashi se juntou às campanhas militares ainda no califado de Abu Bakr e continuou na era de Omar (al-Isabah vol. 1 p. 171).

Conclusão

Não há problema em alguém achar que Ali era o legítimo sucessor do Profeta Muhammad, pois esse é um assunto que levantou divergências até mesmo entre os companheiros.

No entanto, isso deve ser feito com respeito, pois Abu Bakr, Omar, Uthman e Ali estão entre os dez companheiros aos quais o paraíso foi prometido. 

Todos os quatro califas foram nomeados através de processos políticos legítimos e deram contribuições expressivas para que o Islam se reunificasse e se expandisse após a morte do Profeta.

A maior parte dos muçulmanos, incluindo Ali, aceitaram os processos legítimos que ocorreram naquele período. As visões de que o trono foi usurpado por alguém são invenções tardias.

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