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Rumi: Tudo sobre o maior poeta de todos os tempos

Rumi foi jurista islâmico, discípulo de Shams Tabriz, e mestre sufi. Conheça os fatos que marcaram a trajetória deste ícone da literatura.
  • Jalal ad Din Rumi foi um poeta persa que, desde a sua juventude, trilhou passos como jurista e místico islâmico.
  • Seu aprendizado com o mestre Shams Tabrizi fez com que ele aprofundasse bastante os seus conhecimentos.
  • Ao contrário de histórias vinculadas no ocidente, Shams Tabrizi não ensinou Rumi a contemplar Deus transgredindo o Islam, mas seguindo-o.
  • Embora fontes ocidentais tentem eliminar o Islam da vida do poeta, seus versos originais mostram que ele era um grande religioso.

A reputação de excelente poeta condiz com quem foi Rumi, mas de forma alguma resume toda a sua grandeza e importância, sobretudo para a cultura islâmica. Além de escrever alguns dos mais belos versos já vistos, o escritor de origem persa também era um grande erudito de lei islâmica (Sharia) e um dos mais conhecidos mestres sufis da história. 

Embora hoje ele seja bastante popular no ocidente, e um dos poetas mais lidos dos EUA, parte de sua vida e obra sofreu mudanças nas traduções para o idioma inglês, a fim de tornar a leitura mais agradável ao público americano. Como consequência disso, parte importante da influência islâmica em seus textos e sua relevância para a cultura da religião acabaram, na melhor das hipóteses, sendo bastante diluídas pelos ocidentais.

No entanto, a beleza dos poemas de Rumi não está alheia à sua religião, pelo contrário, seu legado nos ajuda a compreender faces importantes da religião islâmica que nos mostram como o amor a Deus pode ajudar as pessoas a serem melhores nos aspectos mais importantes da vida.

Nascimento e criação

Jalal ad Din Muhammad Rumi nasceu no ano de 1207, em Balkh, na antiga Pérsia, um território que hoje faz parte do Afeganistão. O nome “Jalal ad Din” significa “a glória da religião” e “Rumi” significa “Romano”, isto porque ele viveu por um longo período na região da Anatólia que, durante muito tempo, foi controlada pelo Império Bizantino – os romanos do oriente.

Ele era filho de Baha al Din Walad, um grande erudito islâmico da época, que viveu em diversos lugares, mas nunca saiu da região da Ásia Central. Seus ensinamentos não eram focados na explicação por meio de palavras, mas sim em ter experiências que fizessem seus discípulos sentir a presença divina, o que também influenciaria Rumi mais tarde, quando se tornaria mestre.

Quando os Mongóis invadiram a Ásia Central, sua família viajou para o oeste até se estabelecer em Konya. Lá, Baha al Din deu aulas em uma madrassa até a sua morte, no ano de 1231. Sua liderança foi substituída por Sayid Burhan al Din Muhaqqiq al Thirmidi, que acabou se tornando o primeiro mestre de Rumi.

Sayid enviou seu aprendiz para a Madrassa Halawiya, em Aleppo, na Síria, onde ele se aprofundou nos conhecimentos sobre jurisprudência islâmica (segundo a escola Hanafi) e, na volta, orientou Rumi a fazer um retiro espiritual de 40 dias. Ao final, o primeiro mestre declarou que Jalal ad Din era alguém sem igual neste mundo.

Rumi e Shams Tabrizi

(Foto: insidearabia.com)

Embora, historicamente, Shams Tabrizi tenha sido descrito no ocidente como uma espécie de homem errante com um tipo de espiritualidade que transgredisse o Islam tradicional, ou como um contemplador de Deus desapegado da doutrina religiosa, traduções mais recentes mostram que ele era seguidor de uma grande escola de jurisprudência sunita (Shafi), e que também tinha sólida educação em língua árabe, a ponto de ensinar recitação do Alcorão para meninos.

O encontro entre Rumi e Shams Tabrizi ocorreu em 1244, em Konya. Relatos escritos por um discípulo de Rumi afirmam que ambos sentiram a presença do outro quando Shams chegou à cidade, e que eles se procuraram até que conseguiram estar de frente um para o outro. Eles dialogaram sobre citações do Profeta Muhammad e o mestre sufi Bayazid al Bistami e a conversa se encerrou quando o poeta afirmou que nenhum homem foi maior em grandeza espiritual do que Muhammad.

A convivência de mestre e discípulo durou cerca de três anos, e seus diálogos não eram baseados em uma realidade fora do Islam, mas sim na vontade de seguir os exemplos de comportamento deixados pelo Profeta Muhammad, algo que havia sido deixado de lado por muitos sufis da época que se achavam “iluminados” demais para se preocuparem com isso.

Shams se esforçou para mostrar a Rumi que o Profeta Muhammad foi muito além do que qualquer outro mestre sufi em todos os aspectos da espiritualidade, e o elo estabelecido entre os dois causou grande ciúmes entre os discípulos Jalal ad Din, fazendo com que Tabrizi saísse e não voltasse mais.

Influências de Shams na vida de Rumi

Depois que Shams foi embora, Rumi fez duas viagens até a Síria atrás de seu mestre, mas sem sucesso. Muito se especula a respeito deste sumiço, havendo hipóteses de que ele tenha sido assassinado ou que teria desaparecido miraculosamente. Jalal ad Din nunca acreditou nisso de fato e suas buscas são a prova disso.

O sumiço de Shams viria para concluir o aprendizado de Rumi, segundo relatos do próprio mestre:

“Como não estou em condição que me permita ordenar que você viaje, irei impor a necessidade desta viagem sobre mim mesmo, pelo êxito de sua grande obra, porque a separação é como cozer a comida… qual o valor de sua obra? Eu faria cinquenta viagens para que fosse cada vez mais elevado. Minhas viagens são para o bem de sua bem-sucedida obra que está a emergir. Caso contrário, que diferença faz para mim escolher entre Anatólia e Síria? Não faz diferença se estou na Caaba, em Meca, ou em Istambul. Mas faz-se necessário, pois é a separação que prepara e refina o buscador.” 

A reação de Rumi foi perceber que Shams só poderia ser encontrado em seu coração. “Embora estejamos distantes corporalmente, independente de corpo e espírito, somos uma e a mesma luz. Quer você o veja, quer veja a mim, eu sou ele, e ele sou eu, ó buscador…” 

Ele também disse: “Considerando agora que eu sou ele, para que eu o procuro? Agora que eu sou sua própria essência, eu posso falar desde o meu próprio eu.”

Sama: O Giro Dervish

(Foto: Flickr / David Spender)

A prática de fazer movimentos que buscassem o êxtase divino já era uma tradição entre os sufis desde, pelo menos, quatro séculos antes de Rumi existir. Nesses eventos, era costume compor poemas de adoração a Deus para serem recitados e cantados, e essas declamações eram acompanhadas de movimentos que, geralmente, eram feitos com as mãos.

Rumi participou de eventos como esse por diversas vezes. Existem controvérsias se Shams Tabrizi foi o principal responsável por fazer Jalal ad Din participar de tais concertos ou se foi por influência da esposa do poeta, Kerra. Mas existem narrativas que mostram que o giro dervish que ele costumava executar foi ensinado pelo seu mestre.

A ordem Mevlevi, da qual Rumi foi o grande precursor, formalizou o giro dervish pela primeira vez em um ritual de oração, o que acabou se tornando uma marca registrada. A prática foi replicada inclusive por outras comunidades islâmicas e seu uso ritual continua até os dias atuais, mesmo após o fim dos Mevlevis.

Ordem Mevlevi

A Ordem Mevlevi foi formalizada ainda no século XIII pelos discípulos de Rumi. Ela se estabeleceu na cidade de Konya, na Turquia e, durante a sua existência, teve ligações políticas com o Império Otomano

Diversos membros da Ordem ocuparam cargos oficiais no governo e esta proximidade com o califado garantiu que os Mevlevi se expandissem para outras regiões, como Bálcãs, Síria, Líbano, Egito, Palestina e Jerusalém.

Além do giro, os Mevlevis também adotavam outras práticas, como a lembrança de Allah (zikr), o estudo do Alcorão e da Sunnah do Profeta Muhammad, práticas meditativas para aproximação com Deus (muraqabah) e atenção plena nas práticas religiosas (adab). Esses hábitos são comuns nas ordens místicas islâmicas, havendo variações nos métodos ou na interpretação.

Com a secularização da Turquia nos anos 1920, a Ordem Mevlevi teve suas atividades interrompidas pelo governo e chegou ao fim. Atualmente, há iniciativas que mantêm os princípios dos Mevlevis, mas nada que se assemelhe aos seus anos de auge.

Rumi: Um poeta muçulmano

Além de místico, Rumi foi um grande jurista da lei islâmica (sharia). Seus poemas eram fortemente influenciados pelo Alcorão. Sua obra-prima, o “Masnavi”, cita ou se refere a palavras do Livro Sagrado islâmico em cada um dos seus 25 mil versos. No versículo abaixo, por exemplo, ele se refere claramente à 108ª surata do Alcorão:

“Você não leu as palavras que lhe demos na (surata) Kawthar? Por que então você está seco e por que você ainda está com tanta sede? Ou talvez você seja como Faraó, e para você, Kawthar, como o Nilo, se transformou em sangue e se tornou impuro, ó homem doente.” (Masnavi, Livro V:1233)

Para tornar os poemas de Rumi agradáveis para o público ocidental, toda a essência islâmica dos seus textos foi retirada, através de traduções propositalmente mal feitas e de fragmentações dos manuscritos, o que retirou o sentido da mensagem original dos versos. Atualmente, muitos livros com poemas de Jalal ad Din que estão em circulação não foram traduzidos dos textos originais em idioma persa, mas resgatados de livros ingleses da era vitoriana e, por isso, algumas frases atribuídas ao poeta sequer foram ditas por ele.

No ocidente, Rumi dificilmente é descrito como muçulmano, e sim como um santo, um mestre espiritual ou, no máximo, como um sufi. No entanto, afastar tanto o poeta quanto o sufismo da doutrina islâmica é um erro, pois nenhum dos dois contempla outra realidade espiritual, a não ser aquela que é transmitida pelo Alcorão e pelo Profeta Muhammad. Portanto, é preciso ter atenção ao ler qualquer suposta frase de Rumi que diga o contrário.

Frases de Rumi

(Foto:daysoftheyear.com)
  1. “A raíz das raízes das raízes da Religião é o Islam, no que diz respeito a revelar os segredos da união com Deus e certeza espiritual (da Verdade) (…),  é o remédio para os corações, o abrilhantador, o polimento para as dores, o revelador dos significados do Alcorão…”
  2. “Eu sou o servo do Alcorão enquanto tiver vida. Eu sou a poeira no caminho de Muhammad, o Escolhido. Se alguém cita alguma coisa, exceto isso, de minhas palavras, eu me afasto dele, indignado com estas palavras”.
  3. “Agora você deve saber que Muhammad é o líder e o guia. (Enquanto você não vier a Muhammad, não nos alcançará)”
  4. “Não considero o exterior e as palavras; considero o interior e o estado do coração. Olho para o coração, se é humilde, embora as palavras possam ser o inverso dos humildes. Porque o coração é substância e as palavras, acidentes.”
  5. “Os rejeitadores dos profetas eram seus piores inimigos: por si mesmos, eles infligiram golpes.”
  6. “Se alguém soprar a vela de Deus, como a vela pode ser apagada? Suas mandíbulas e nariz serão queimados.”
  7. “Você não é só uma gota no oceano, você é o próprio oceano dentro de uma gota.” 
  8. “Por que você disse que pequei tanto e Deus, de Sua misericórdia, não castigou meus pecados?” Tu dizes o contrário da verdade, ó tolo! Vagando pelo caminho e perdido no deserto! Quantas vezes te castigo, e tu não o sabes? Tu estás preso em minhas correntes da cabeça aos pés. No teu coração há ferrugem, ferrugem colecionada, assim, és cego aos mistérios divinos.”
  9. “Você se tornaria um peregrino no caminho do amor? A primeira condição é que você se torne humilde como poeira e cinzas.”
  10. “Peço a Deus, o Onipotente, que nos coloque nas fileiras dos Seus escolhidos, entre o número daqueles que Ele direciona para o caminho da segurança; em quem Ele inspira fervor, para que não o esqueçam; a quem Ele purifica de toda a contaminação, para que nada permaneça neles, exceto Ele mesmo; sim, daqueles em quem Ele habita completamente, para que eles não adorem ninguém, além Dele.”
  11. “E Abraão, no fogo, não sentiu-se alarmado. As fogueiras não podem machucar os profetas de Deus.”

Conclusão

Jalal ad Din Rumi foi um poeta persa, jurista islâmico e mestre sufi da Ordem Mevlevi. Embora ele tenha começado a se aprofundar nos conhecimentos religiosos ainda jovem, por influência de seu pai, foi sua relação com o mestre Shams Tabrizi que fez com que ele alcançasse um nível mais profundo de conhecimento.

Shams não ensinou Rumi a transgredir o Islam, e sim que o Alcorão e o exemplo deixado pelo Profeta Muhammad são os melhores caminhos espirituais. O mestre também inspirou o poeta a escrever versos, ensinou-lhe o giro dervish e o incentivou a participar de concertos místicos, o que acabou fazendo com que o legado de Rumi chegasse aos dias atuais.

Infelizmente, parte do legado deixado por Rumi foi corrompida no ocidente por tradutores que fizeram questão de apagar as influências islâmicas de seus poemas, o que deixa dúvidas sobre a procedência de muitas frases atribuídas ao poeta que circulam atualmente.

No entanto, seus textos originais no idioma persa mostram que a grandeza de Rumi não é algo alheio ao Islam, mas algo que está completamente atrelado à religião. Todos os versos do poeta estavam ligados à doutrina islâmica e sua obra-prima, o Masnavi, é um extenso poema repleto de comentários sobre o Alcorão.

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