Em 1925, o governo secular da Turquia tomou uma atitude severa contra a prática do Islam no país. A famigerada "Lei do Chapéu" pretendia incentivar que os homens abandonassem os adornos religiosos usados na cabeça e passassem a usar somente chapéus, igual aos ocidentais.
Isso foi um golpe duro para as pessoas de fé profunda, pois o topi e o turbante eram uma combinação que foi introduzida aos muçulmanos pelo Profeta Muhammad, feita para atrair bênçãos enviadas por Allah através de Seus anjos e para que os homens pudessem mostrar seu temor a Deus e que eram leais aos ensinamentos de Muhammad.
Um homem, no entanto, não aceitou isso facilmente e liderou uma revolta que mais tarde o transformaria em um mártir. O Imam İskilipli Mehmed Atif Hoca entendia que o turbante não era apenas um adorno, mas uma marca de fé dos muçulmanos, e abandoná-lo em troca de cartolas e bonés significaria aderir aos costumes de uma sociedade viciada em álcool, prostituição e ganância, como era o caso dos ocidentais.
Mehmed nasceu em 1875, na aldeia de Toyhane, província de Bayat, no então Império Otomano. Ficou órfão quando ainda tinha seis meses e por isso foi criado pelo avô. Em 1891, ele começou a receber educação na aldeia de Iskilip, na província de Çorum e, em 1893, ele se mudou para Istambul e começou a receber educação em uma madrassa, até que, em 1902, concluiu os seus estudos.
A partir do ano de 1903, Mehmed se tornou ulema (sábio teólogo) na mesquita Fatih, em Istambul. Em 1908, ele começou a se tornar participativo em questões políticas após a proclamação da monarquia constitucional turca, que iniciou uma era de ocidentalização da Turquia. Mehmed era contra a secularização do direito proposta pelo Comitê da União e Progresso, que foi a organização responsável por instaurar o constitucionalismo.
Em 1909, houve uma revolta que durou treze dias, liderada pelos militares do Batalhão de Caça do Império Otomano que se levantaram contra os oficiais do país e contra o Comitê da União e do Progresso. Várias pessoas que eram pró-absolutismo se juntaram ao movimento, que ganhou um grande apelo anti-constitucionalista e exigia a reintegração do antigo ministro da guerra, Nazim Pasha, mas acabou sendo derrotado.
Mehmed estava no exército dos rebeldes em 1913 e acabou sendo exilado por um ano e meio para a cidade de Sinop sob a acusação de matar Mahmud Sevket Pasha. Diversos combatentes derrotados foram executados e até mesmo o Sultão Abdulhamid II foi deposto.
Após o período do exílio, ele foi inocentado das acusações, voltou para Istambul e assumiu o cargo de professor na Madrassa Darul Hilafetil Aliyye e, depois, na Madrassa al-Kudat.
Em 1919, ele assumiu a direção da Sociedade da Ascensão Islâmica, que contava com as principais personalidades acadêmicas e religiosas do Império naquele período. O grupo assinou naquele ano um manifesto contra a ocupação grega na cidade de Esmirna e também se posicionou contra o bolchevismo.
Em 1925, escreveu seu trabalho mais notável, conhecido como “Imitação Ocidental e Chapéu”, um livro de 32 páginas em que ele explica que o avanço científico era bom e islamicamente recomendável, mas que copiar não-muçulmanos em seus hábitos e vestimentas era algo proibido, especialmente porque os europeus daquela época já cultivavam costumes de vício e ganância.
"É claro que a religião islâmica permite e encoraja os aspectos bons e benéficos da civilização ocidental e proíbe o seu lado decadente, imoral, vicioso e feio (como incredulidade (ateísmo), opressão, prostituição, jogos de azar, beber álcool ou dançar). O Islam proíbe os aspectos imorais da civilização ocidental, como bares, teatros, bordéis e casas de jogo. Portanto, é estritamente proibido no Islam imitar o estilo de vida ocidental e viver como não-muçulmanos. De fato, a civilização ocidental está longe de ser um modelo a ser adotado pela humanidade, pois não se interessa pelos aspectos morais e pela felicidade espiritual da humanidade, mas se concentra apenas nos ganhos materiais e estimula os instintos animais da humanidade" (Trecho de "Medeniyet-i Şeriyye ve Terakkiyat-ı Diniyye").
O manifesto de Mehmed contra o chapéu ocidental lhe renderia problemas. Isso porque um ano depois foi estabelecida uma lei no país que proibia o uso do turbante em público e outros chapéus que demonstrassem publicamente a religião das pessoas. Embora a publicação tenha sido feita fora do período em vigor da lei, isso não impediu que ele fosse julgado pelo Tribunal da Independência de Ancara.
Seu julgamento ocorreu em janeiro de 1926 e teve acontecimentos marcantes, como um embate com o juiz que indagou por que ele não usava um chapéu, afinal era apenas um pedaço de pano. Mehmed respondeu que a bandeira turca que estava presente no tribunal também era apenas um pedaço de tecido também e perguntou ao juiz o porquê de não trocá-la por uma da Grã-Bretanha.
O julgamento de Mehmed foi adiado para o dia seguinte, mas surpreendentemente ele abriu mão de tentar se defender e foi submetido à pena de morte por traição. O imam preferiu ser morto do que abandonar a sunnah do Profeta Muhammad e foi enforcado no dia 4 de fevereiro daquele mesmo ano e o corpo dele ficou pendurado durante toda a noite como exemplo para outros que tentassem fazer o mesmo.
A obra de Mehmed Atif Hoca serviu como inspiração para outras pessoas que se opuseram ao governo secular da Turquia. Ele foi enterrado em uma vala sem identificação e seu corpo foi encontrado em um estacionamento de Ancara somente no ano de 2009 e, em seguida, enterrado no cemitério de Iskilip.
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