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O Líder Muçulmano que Salvou a Vida de Milhares de Cristãos

  • O Emir Abdelkader foi um líder muçulmano que lutou pela independência da Argélia no século XIX.
  • Após ser derrotado, exilou-se em Damasco, onde testemunhou a escalada de um conflito entre cristãos e drusos.
  • Abdelkader mobilizou forças para proteger os cristãos de um massacre e conseguiu salvar a maioria da população de um bairro em Damasco.
  • Seus feitos heróicos lhe renderam honrarias de vários líderes cristãos e ocidentais, como o Papa Pio IX e o Imperador Dom Pedro II.

O Emir Abdelkader foi um líder muçulmano e sufi argelino que viveu entre 1808 e 1883. Ele conduziu a resistência contra a invasão francesa, entre 1830 e 1847, liderou diversas tribos argelinas no combate contra o domínio europeu e, por três anos, conseguiu estabelecer um estado autônomo a oeste do país, mas acabou sendo derrotado pelos invasores europeus.

Ele teve uma trajetória brilhante que atraiu admiração até mesmo de seus oponentes, principalmente pela justiça em lidar com os inimigos.

Em 1848, foi detido pelos franceses e só seria libertado no ano de 1852, após fazer um juramento de que não perturbaria mais a Argélia. No ano de 1855, ele se exilou em Damasco, onde viveu uma vida voltada para a produção intelectual. Em 1860, o Líbano viveu um grande motim anti-cristão provocado pelos Drusos e o Emir foi responsável por salvar milhares de vidas.

Guerra entre cristãos e drusos

No ano de 1842, o Monte Líbano era um território que pertencia aos turcos otomanos, que tinham o sultão Abdulmecid I como seu grande governante. Naquele ano, ele nomeou Omar Pasha para ser o governador daquela região, que tinha cristãos maronitas e drusos como as duas principais religiões.

Omar dividiu o Monte Líbano em duas sessões, uma foi dada ao vice-governador cristão e outra ao vice-governador druso. Havia crescente tensão entre os dois grupos, o que levou os cristãos a costurarem aliança com os franceses e os drusos a se aliarem aos britânicos. 

Em 1859, vários camponeses cristãos se rebelaram contra seus senhores maronitas e a revolta inspirou motins por todo o Monte Líbano. Em seguida, eles começaram a se preparar para enfrentar os latifundiários drusos que, por sua vez, começaram a se armar, temendo a grande vantagem numérica dos seus oponentes.

Em maio de 1860, os ataques violentos começaram depois que cristãos invadiram aldeias mistas e começaram a expulsar todos os drusos dali. A partir disso, diversos conflitos armados se instalaram por toda região, mas os maronitas acabaram sofrendo algumas derrotas severas.

Perseguição contra os cristãos em Damasco

As notícias que chegavam do Líbano em Damasco começaram a gerar confusões porque as informações não eram muito precisas, ninguém sabia ao certo o que estava acontecendo e isso causava muitas dúvidas. Os muçulmanos começaram a temer que a aliança dos cristãos com os franceses pudesse atrair uma invasão europeia no país, enquanto os cristãos temiam que os muçulmanos apoiassem os drusos para reprimir as revoltas.

A guerra começou a se espalhar por territórios próximos a Damasco e muitos cristãos começaram a se refugiar na cidade, o que começou a aumentar consideravelmente a hostilidade contra eles. Damascenos drusos, e também alguns muçulmanos, começaram a ver os cristãos como uma ameaça e, naquela altura, estes estavam entrando cada vez mais na cidade por não terem para onde ir.

Foi nessa época que Abdelkader começou a ajudar os refugiados. Além dele, outros muçulmanos notáveis se mobilizaram para ajudar os cristãos naquela época, como Muhammad Agha Nimr, Abd Agha al-Tinawi, Muhammad Qatana e al-Sayyid Hasan.

Por ser considerado um grande herói, o Emir argelino usou sua influência para estabelecer acordos diplomáticos entre todos os líderes muçulmanos da cidade, desde eruditos até os chefes tribais. Ele também se reuniu com o cônsul francês de Damasco, Michel Lanusse, e o convenceu a armar seus homens, aproximadamente 1000 soldados muçulmanos, para que eles pudessem fazer a defesa do bairro cristão.

A mobilização de Abdelkader fez com que o governador de Damasco, Ahmad Pasha, reforçasse a segurança dos cristãos com um contigente de guardas e com canhões para fazer barulho e dispersar multidões. A venda de armas aos drusos também foi proibida. A situação ficou estável por oito dias, mas uma traquinagem feita por alguns jovens colocou tudo a perder.

O massacre no bairro cristão de Damasco

No dia 8 ou 9 de julho, um grupo de meninos muçulmanos vandalizou propriedades dos cristãos e marcou o chão com cruzes para que os pedestres cristãos pisassem em seus símbolos sagrados. Os jovens, alguns deles de famílias importantes de Damasco, foram detidos pelos guardas otomanos, mas um grupo liderado pelo irmão de um dos detidos atacou os guardas, libertou os jovens e começou a incitar ataques no bairro cristão.

A notícia dos eventos se espalhou pela cidade e vários drusos, com ajuda de muçulmanos e até mesmo de pessoas da etnia curda, se juntaram, formando uma multidão de milhares de pessoas que se dirigiu ao bairro cristão com paus, porretes e armas para descontar a raiva que estavam sentindo pelas supostas ameaças e também pela prisão dos meninos.

Os guardas otomanos atiraram contra a multidão e dispararam os canhões, o que conteve a revolta por um tempo, mas logo o ataque foi retomado com força total. Os guardas receberam ordens para se retirar de suas posições e alguns acabaram se juntando aos revoltosos. Apenas um contingente muito pequeno continuou nas fileiras fazendo a segurança de forma eficiente.

Várias casas, igrejas e propriedades foram saqueadas e queimadas, e atiçaram fogo até em um lar para pessoas com lepra, que abrigava pacientes naquele momento. Cristãos se refugiaram em porões, latrinas, telhados e poços. Muitos também buscaram ajuda nos mosteiros próximos da cidade.

O resgate de Abdelkader

Quando os distúrbios começaram, os homens de Abdelkader estavam de prontidão para ajudar a evacuar o local. Vários missionários, irmãs de caridade e crianças ficaram sob sua proteção. Eles também conseguiram encontrar vários cristãos que estavam escondidos e os salvaram de todo o perigo.

Os distúrbios duraram cinco dias, sendo que, no segundo, Abdelkader tentou salvar monges franciscanos, mas eles não atenderam seus chamados e acabaram sendo mortos e o mosteiro foi queimado. No terceiro dia, um grupo de cristãos, contratado para fazer a segurança da casa de um sheikh, atirou por engano contra alguns muçulmanos que estavam tentando apagar o incêndio, o que alimentou a revolta, tornando a perseguição ainda mais implacável.

Os rebeldes passaram a matar todos os cristãos que encontravam e tentaram invadir a casa de Abdelkader, onde 10 mil cristãos estavam abrigados. Ele se dirigiu aos persecutores, dizendo:

"Suas criaturas lamentáveis! É assim que vocês honram o Profeta? Deus os castigue! Que vergonha, que vergonha! Chegará o dia em que vocês pagarão por isso... Não vou entregar um único cristão. Eles são meus irmãos. Saiam daqui ou colocarei meus guardas em cima de vocês. " 

Dois dias depois, o conflito terminou, após países europeus, junto com o Império Otomano, começarem a tomar providências para proteger as vítimas e punir os criminosos. O bairro cristão foi completamente destruído e cerca de 3 mil pessoas perderam a vida nos ataques.

Legado do Emir

Historiadores estimam que Abdelkader pode ter salvado até 15 mil cristãos. A maior parte deles fugiu para Beirute depois do ocorrido. 

O Emir recebeu honrarias da França, Turquia, Grã-Bretanha, Grécia e do Papa Pio IX do Vaticano. Durante sua viagem pelo Império Otomano em 1876, o imperador Dom Pedro II fez questão de agradecer a Abdelkader pelos serviços prestados. Eles tomaram chá juntos e o governante presenteou o líder islâmico com um livro de filosofia.

Abdelkader foi enterrado em Damasco, próximo ao sufi Ibn Arabi, que tinha como um grande mestre.

Fonte

-FAWAZ, Leila Tarazi, An Occasion for War: Civil Conflict in Lebanon and Damascus in 1860, Estados Unidos, University of California Press, 1995.  Disponível em Google Books 

-https://www.independent.co.uk/voices/manchester-attack-muslim-islam-true-meaning-a7754901.html

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