Com a ascensão das plataformas de educação à distância, a transmissão do saber e a obtenção de um certificado nunca foram tão fáceis. Atualmente, para a maioria dos campos do conhecimento, visando principalmente o enriquecimento das folhas de um curriculum, há diversas opções para os mais variados bolsos nas instituições.
Porém, se voltarmos mais de mil anos na história, quando o ensejo principal da vida humana era o enriquecimento não de um currículo, mas da certeza de que seu caminho espiritual era autêntico, como se certificaria a validade do saber a ser transmitido dos fundamentos do Islam? Bem, a resposta da civilização islâmica para isso foi um sistema inovador desenvolvido no século VIII conhecido como “ijazah”.
O termo arábico ijazah remete à ideia de uma permissão ou autorização, numa cadeia de transmissão que retorna de seu transmissor presente ao original.
Se alguém desejasse saber no que acreditar ou como praticar o Islam, deveria se certificar de que sua prática e crenças estariam de acordo com o que foi dito de Allah ao Anjo Gabriel, e dele ao Profeta Muhammad, que então o transmitiria para seus companheiros, verificando-se internamente através do isnad ou “cadeia de transmissão”.
O isnad precede o texto real onde o dito pelo Profeta está transmitido (matn), e assume a forma: “Foi relatado para mim por A, na autoridade de B, na autoridade de C, na autoridade de D, na autoridade de E (geralmente um Companheiro do Profeta), que o Profeta Muhammad disse isso ou aquilo….’’. Essa cadeia acontece até a compilação da informação.
Durante a vida do Profeta e após sua morte, os seus ensinamentos eram geralmente citados por seus companheiros e contemporâneos de forma direta, e não eram precedidos por cadeias maiores de que seu narrador direto; somente após uma geração ou duas (por volta dos anos 700 da era cristã) o isnad foi desenvolvido para certificação.
Quando o exemplo do Profeta foi incorporado nos hadiths, (em vez dos costumes locais desenvolvidos nas comunidades muçulmanas da época) foi estabelecido como a norma (sunnah) para um modo de vida islâmico, surgiu uma criação por atacado de hadiths, todos “substanciados” por elaborados isnads.
E agora, como saber o que era autêntico ou não? Daí surgiu a necessidade da criação de um sistema paralelo de autorizações ou “ijazah’’ para tais isnads. “Você está dizendo que o Profeta disse isso ou aquilo? Quem te autoriza? E quem autorizou ele que te autorizou? E assim por diante até que algo fosse confiavelmente transmitido.
Para obtenção de uma ijazah que se avaliasse um isnad, toda vida do indivíduo era posta em cheque: idade para memória, fama entre os seus, firmeza na fala, etc.
Um dos grandes transmissores de ensinamentos do Profeta, Imam Bukhari, após viajar por semanas, decidiu não aprender com um homem por vê-lo enganar seu cavalo com comida para amarrá-lo. Tal era é a rigorosidade do sistema.
As primeiras compilações dos hadiths mais confiáveis (conhecidos como musnads) foram organizadas por isnad; isto é, classificados de acordo com o companheiro do Profeta a quem foram atribuídos.
O mais notável deles foi a musnad de Ahmad ibn Hanbal, incorporando cerca de 29.000 tradições. Porém, a forma de organização dos isnads mostraram-se difíceis de usar eficientemente, e as compilações posteriores, conhecidas como musannada, agruparam os ditos do Profeta de acordo com o assuntos.
Esse sistema de certificação pessoal, na qual era necessária a presença diante de um mestre pessoalmente autorizado por um mestre, serviu não apenas para ditos do Profeta, mas também para a transmissão de textos de qualquer tipo, de história, direito, filologia, literatura, misticismo ou teologia.
O isnad de um manuscrito longo, bem como a de um hadith curto, deveria refletir idealmente a transmissão oral do texto, pessoalmente, de professor para aluno pela ijazah do professor, que valida o texto escrito. Em uma ijazah escrita formal, o professor que concede o certificado normalmente inclui uma isnad contendo sua linhagem de conhecimento vindo de professores, de sábios, autores de um livro específico, chegando ao Profeta por meio de seus Companheiros.
E assim o foi, e ainda largamente o é, na maioria dos países muçulmanos. Para aprender o Islam ou transmitir é preciso ser autorizado pela cadeia, senão, qualquer um pode dizer o que quiser sem ter base.
Em anos recentes, devido à influência de movimentos reformistas do século XVIII, o sistema de ijazah foi abandonado em alguns lugares, com pregadores que perverteram-o por uma certificação institucional impessoal, muito semelhante ao de universidades à distância, onde se estuda por 2 ou 3 anos com indivíduos que eles mesmos não possuem ijazah alguma, lê-se livros, e se torna “sheikh” (mestre), uma verdadeira aberração e deturpação da tradição islâmica.
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