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Declínio do Império Otomano – Parte 2: Declínio Islâmico

Como foi a segunda etapa do declínio do Império Otomano? Leia e entenda como essa potência começou a declinar, agora nos assuntos religiosos
  • Além das razões políticas e econômicas, acontecimentos sociais e religiosos foram importantes para a queda do Império.
  • Inspirado nos novos Estados europeus, o Sultão Mahmud II instituiu mudanças dentro do governo e em suas tropas.
  • Leis baseadas na Shariah foram extintas, assim como a estrutura de justiça e equidade que o Islam trouxe para o Império Otomano.
  • Em 1876, o Sultão Abdulhamid II assumiu e fez esforços no sentido de defender o Islam, mas não conseguiu salvar o Império.

Na parte 1 do declínio do Império Otomano, foram analisados os aspectos políticos e econômicos desse evento. Porém, na história, nada acontece por uma única razão. O declínio dos otomanos foi resultado de um grande número de fatores. Entre as razões mais importantes, estão as mudanças sociais e religiosas do reino Otomano. Este texto vai analisar as mudanças islâmicas nas últimas décadas do Império Otomano nos anos 1800 e como ajudaram a trazer a queda do império em 1922.

Alterações religiosas – A Tanzimat

Desde o início do Império Otomano, no início dos anos 1300, o Islam havia sido a base do Estado. Os otomanos construíram sobre as tradições islâmicas o governo do Império Seljuk na Idade Média e se orgulhavam de serem os defensores do Islam em seu tempo. Enquanto o império cresceu e se expandiu ao longo dos séculos, os otomanos formalizaram a sua posição como os defensores do Islam com os sultões, assumindo o título de khalifah (califa) do mundo muçulmano. A lei da terra foi a Shariah e as leis religiosas do Islam foram transmitidas pelo Profeta Muhammad nos desertos da Arábia nos anos 600.

No final do Império Otomano, no entanto, as coisas começaram a mudar. Com a ascensão política e econômica da Europa em face do declínio otomano, as perguntas começaram a ser feitas sobre o rumo do Império. Muitas pessoas dentro do governo começaram a pensar que, a fim de se tornar poderoso como os europeus, o Império Otomano precisava tornar-se mais como as nações europeias.

Estas crenças chegaram aos ouvidos do sultão otomano no início de 1800. Logo, as reformas destinadas a tornar o Império Otomano mais europeu tocaram todos os aspectos da vida Otomana. Em 1826, o sultão Mahmud II, que reinou entre 1808 e 1839, instituiu uma reforma nas roupas para todos os funcionários do governo. Em vez das vestes tradicionais e dos turbantes que os sultões e funcionários do governo usavam, eles agora vestiriam roupas militares de estilo europeu. Parecer-se como os europeus não foi a única reforma, no entanto. Mahmud também aboliu os antigos Janízaros, que eram as tropas militares que vieram de todas as partes do império. No lugar dessas tropas, ele começou um novo corpo chamado de cedid Nizami, que era formado somente por cidadãos turcos do império.

As reformas de Mahmud II foram apenas o início das drásticas mudanças às quais o Império Otomano se submeteu no turbulento século XIX. As mudanças culminariam nas reformas Tanzimat sob o sultão Abdulmecid, em 1839 e em 1856. “Tanzimat” significa “reorganização” em turco otomano e é exatamente o que essas mudanças foram: a reorganização completa do governo. O Tanzimat foi uma série de leis que foram destinadas a modernizar o Império Otomano ao longo das linhas europeias. O antigo sistema de um governo baseado na Shariah tinha acabado. Leis e normas islâmicas foram extintas do governo. A estrutura social islâmica justa e equitativa do império tinha ido embora.

Sultão Abdulmecid I, que instituiu as reformas Tanzimat
Sultão Abdulmecid I, que instituiu as reformas Tanzimat

Tendo em mente seus problemas políticos e econômicos, o Império Otomano certamente precisava de uma reforma. Ele estava em declínio rápido de poder, em comparação com as nações da Europa Ocidental. No entanto, o caminho que os otomanos tomaram foi apagar o Islam a partir da estrutura política do Estado otomano. Durante este tempo, a Europa tinha se livrado principalmente da influência religiosa na política. A Revolução Francesa no início dos anos 1800 separou a igreja e o Estado e criou uma sociedade secular. O poder da Igreja Anglicana na política inglesa estava longe de seu antigo poder. O papa, em Roma, era apenas uma figura decorativa. A ideia primordial na Europa naquela época era de que, livrando-se da religião, o Estado  se torna mais bem sucedido. Os otomanos copiaram esta mesma fórmula.

Algumas das mudanças foram: tribunais seculares substituíram juízes islâmicos, foram implantados um sistema de financiamento baseado no modelo francês e a legalização da homossexualidade, fábricas substituíram alianças de artesãos, aplicação de um modelo “otomano” forçado de identidade cultural em vez de identidades culturais únicas e a reforma do sistema educacional, baseando-se em um currículo de ciência/tecnologia, em vez de temas tradicionais como o Alcorão, estudos islâmicos e poesia. Embora houvessem muitas outras reformas que eram necessárias e que não alterariam o papel do Islam no império, muitas das novas leis tiveram o sentido de remover o Islam da vida pública. Os otomanos trouxeram pessoas conhecidas como os “pensadores franceses” da Europa para virem reformar sua sociedade.

Influência européia foi vista até mesmo na arquitetura. Palácio Dolmabaçe, construído pelo sultão Abdulmecid, foi concebido para se parecer com palácios europeus da época.
Influência européia foi vista até mesmo na arquitetura. Palácio Dolmabaçe, construído pelo sultão Abdulmecid, foi concebido para se parecer com palácios europeus da época.

Esta tentativa de remover o Islam da vida pública deixou muitos que viviam no Império com a sensação de que suas tradições tinham sido marginalizadas em favor das normas europeias que não se encaixavam no Império. O papel dos professores, shaikhs e juízes islâmicos foi subitamente marginalizado. Grandes segmentos da população se opuseram aos esforços do Tanzimat para redefinir suas vidas. Rebeliões islâmicas contra o governo começaram a acontecer em lugares como os desertos da Arábia (o Primeiro Estado Saudita), a Bósnia e o Egito. O Império Otomano, historicamente, tinha usado o Islam para unir os diversos povos de suas terras mas, com a remoção do Islam, o agente da ligação foi lentamente rompendo com o império.

Sultão Abdulhamid II

No meio de todas essas mudanças e reformas em relação ao papel do Islam, veio um novo sultão em 1876: Abdulhamid II. Enquanto ele estava a favor das partes do Tanzimat que não contradiziam o Islam e, na verdade, beneficiavam o Império, ele era veementemente contra o declínio do papel do Islam no Império. Desde 1517, os sultões otomanos também foram os califas do mundo muçulmano, os líderes oficiais e protetores dos muçulmanos em todo o mundo. A maioria dos sultões recentes tinham minimizado seus papéis como califas. Abdulhamid, por outro lado, enfatizou os aspectos islâmicos do seu trabalho.

No final dos anos 1800, Sultão Abdulhamid II tentou trazer de volta o caráter islâmico do Império Otomano.
No final dos anos 1800, Sultão Abdulhamid II tentou trazer de volta o caráter islâmico do Império Otomano.

Durante o seu reinado, Abdulhamid construiu a estrada de ferro de Istambul até Medina para tornar mais fáceis as viagens para o Hajj. Durante o seu reinado, foi feito em Istambul um centro de impressão islâmico, produzindo milhares de cópias do Alcorão para distribuição em todo o mundo muçulmano. Em 1889, ele estabeleceu uma “Casa dos Sábios”, cujo objetivo era promover as ciências islâmicas em todo o Império. Talvez a sua defesa mais ousada e notável do Islam e dos muçulmanos ocorreu quando o líder sionista, Theodor Herzl, ofereceu a Abdulhamid II 150 milhões de libras em ouro em troca da terra da Palestina. A resposta de Abdulhamid foi lendária:

“Mesmo se você me desse tanto ouro quanto o mundo inteiro, e muito menos os 150 milhões de libras inglesas em ouro, eu não aceitaria isso tudo. Tenho servido o milla Islâmica e a Ummah de Muhammad por mais de trinta anos e nunca insultei as páginas dos Muçulmanos – meus pais e ancestrais, os sultões otomanos e legatários. E, assim, eu nunca vou aceitar o que você me pediu.”

Apesar dos esforços de Abdulhamid, a crescente onda de secularismo europeu era grande demais para resistir. Em 1909, um grupo secular liberal chamado Jovens Turcos derrubou Abdulhamid e instalou seu irmão Mehmed V no trono. Mehmed não teria nenhum poder na realidade, estando o controle do império nas mãos de um grupo de três jovens turcos chamados “Três Pashas”. Abdulhamid II foi o último sultão otomano a exercer qualquer poder real sobre o império. Apenas 13 anos depois, o Império seria destruído no rescaldo da Primeira Guerra Mundial e o califado destruído dois anos mais tarde, em 1924.

Bibliografia

Armağan, Mustafa. Abdülhamid’in Kurtlarla Dansı 2. Istanbul: Timaş, 2009. Print.

Hodgson, M. G. S. The Venture of Islam, Conscience and History in a World Civilization. 3. Chicago, IL: University of Chicago Press, 1974.

Itzkowitz, Norman. Ottoman Empire and Islamic Tradition. Chicago: The University of Chicago Press, 1972. Print.

Ochsenwald, William, and Sydney Fisher. The Middle East: A History. 6th. New York: McGraw-Hill, 2003.

Traduzido de Lost Islamic History

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