Muitas pessoas que estão acostumadas a estudar as heranças culturais do Brasil sabem que o país possui muita influência dos nativos indígenas, europeus e africanos, que formam a base cultural de quase todas as regiões do país. O que é difícil de imaginar é que, dentro disso, há um legado quase silencioso deixado pelas civilizações islâmicas, que moldariam principalmente as expressões que surgiram no nordeste.
Entretanto, é um fator curioso se pensarmos que os legados islâmicos mais marcantes da história nordestina foram estabelecidos de um povo católico - os portugueses. A contínua presença desses europeus no território brasileiro, que por muitos anos foi dominado por eles, gerou expressões culturais diversas na cozinha, música, arquitetura e nos trajes típicos. Tudo isso possui marcas deixadas pelo Islam na península ibérica.
Todas essas curiosidades estão chegando a um grande público novamente através do trabalho da página História Islâmica que, entre outubro e novembro, criou publicações falando um pouco sobre a herança nordestina dos portugueses que, na verdade, vieram dos mouros que povoaram e governaram boa parte da península ibérica entre os séculos VIII e XV e perderam o domínio para os portugueses poucos anos antes de eles chegarem ao Brasil.
Somente em 1492, a cidade de Granada, o último território dos mouros na península ibérica, foi conquistado pelos cristãos. No entanto, os muçulmanos continuariam naquela região ao longo do século XVI, mesmo sob o governo dos católicos. Enquanto isso, o Brasil foi descoberto em 1500 e, na metade do século, a colonização se intensificaria, o que significa que a presença islâmica no mediterrâneo europeu coexistiu com a chegada dos portugueses na América do Sul.
De acordo com o curador da página História Islâmica, Mansur Peixoto, essa cronologia de eventos foi fundamental para o surgimento da cultura nordestina: “Por ter sido a primeira região a ser colonizada e a última a ser globalizada quando falamos de Brasil, isso proporcionou uma cápsula do tempo para que este legado cultural se preservasse de maneira mais forte no Nordeste”, afirmou.
A pesquisa feita pela página mostrou coisas muito interessantes, como os símbolos encontrados no castelo de Alhambra presente no chapéu dos vaqueiros, usados inclusive por figuras como os cangaceiros; o gibão que veio das túnicas dos árabes chamadas de jubbah; o cobogó vindo dos muxarabis andaluzes; e até mesmo as expressões musicais, como a trilogia sertaneja, com o pífano, rabeca e viola, que possuem origens andaluzes.
A página História Islâmica também lembrou que alguns artistas populares da música brasileira, como Belchior e Xangai, que já mencionaram a origem árabe do aboio, o canto de condução dos gados dos boiadeiros, que foi influenciado pelo azan, o chamado da oração islâmico. A influência já virou até obra de literatura, como a Pedra e o Reino, de Ariano Suassuna, que também inspirou a construção do Castelo Armorial, em São José do Belmonte, Pernambuco.
Em muitos casos, os muçulmanos podem ter contribuído diretamente para a cultura brasileira, sem intermédio dos católicos. “As vias de transmissão foram diversas. Se deu tanto pelos próprios portugueses cristãos como por cripto muçulmanos, não só no Brasil como em toda a América Latina. Sua presença é bem documentada, bem como sua caça e morte. Então, sim, havia muitos muçulmanos por aqui”, diz Mansur.
No entanto, os conteúdos da página também revelam que a herança islâmica também está presente em algumas expressões de outras religiões do Brasil. Um exemplo são os muçulmanos expulsos da Espanha, que tiveram uma grande importância para o surgimento de diversas características da cultura gaúcha, como as vestimentas e a cavalaria. Isso ocorre principalmente porque essas influências estavam muito presentes na Espanha e em Portugal.
“Mas um olhar pelo nordeste faz os pesquisadores perceberem que o legado islâmico foi muito mais preservado naquela região. Ainda que haja expressões culturais notáveis, como no Rio Grande do Sul, que passa a ser povoado por mouriscos espanhóis, fruto das grandes deportações, o nordeste foi a região que mais recebeu e conseguiu guardar este legado”, concluiu Mansur.
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