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Quando o Islam Erradicou a Pobreza: O Bom Uso do Zakat

Conheça a história do Califa Umar bin Abdul-Aziz, que com suas habilidades e temor a Allah, conseguiu erradicar a pobreza por meio do Zakat.

O Zakat, como potencial fonte de erradicação da pobreza, proporciona otimismo e positividade. Contudo, muitas vezes a distância entre a teoria e a realidade é algo significativo. No sul e no sudeste da Ásia, há uma distância assim, infelizmente.

A implementação do zakat teve sucesso limitado, e padece de grave ineficiência. A situação do zakat nos dias de hoje, com seus infortúnios, é o contrário da situação da época em que Umar bin Abdul-Aziz aplicou sua estratégia de sucesso; ele sempre é mencionado como o representante do êxito do zakat. Relatos históricos indicam que havia um excesso de fundos de zakat durante o seu governo. Havia pouquíssima pobreza, e eram pouquíssimos os que se enquadravam como recebedores do zakat (As-Salabi, 1999, p. 574).

Neste artigo, trataremos do sucesso de Umar bin Abdul-Aziz na implementação do zakat, e da maneira com que ele o aplicou para reduzir substancialmente a pobreza. Está inclusa uma breve nota introdutória sobre Umar bin Abdul-Aziz e, depois, são enumerados três fatores que contribuíram com seu sucesso: a confiabilidade de Umar para encorajar o pagamento do zakat, a distribuição local dos fundos e a aplicação desses fundos para o desenvolvimento da capacidade de produção.

Definido brevemente, o zakat é uma caridade obrigatória, que deve ser coletada das pessoas que mantiverem mais do que uma quantidade mínima de bens no decorrer de um ano lunar, e que deve ser dada aos pobres e necessitados.

Quem foi Umar bin Abdul-Aziz?

Umar bin Abdul-Aziz foi o califa dos muçulmanos, sucessor de Sulayman bin Abdul-Malik, do ano 99 do calendário islâmico até sua morte em 101 d.H. (As-Sallabi, 1999, p. 102-109). Seu governo foi notório; muitos se referem a ele como um dos Califas Bem Orientados (As-Sallabi, 1999, p. 49) – um grupo que mantém o padrão áureo dos primeiros líderes islâmicos: Abu Bakr As-Siddiq, Umar ibn Al-Khattab, Uthman ibn Affan e Ali ibn Abi Talib. Durante seu governo, ele enfrentou controvérsias teológicas e políticas, inclusive a revolta Carijita (As-Sallabi, 1999, p. 181-197).

De certo, seus talentos iam além das esferas de liderança e política; Umar era mujtahid (quem decreta decisões jurídicas) e hafiz (memorizador do Alcorão inteiro, palavra por palavra) (p. 48). A biografia de Umar, escrita por As-Sallabi, o enaltece por sua piedade, seu caráter e sua conduta.

A maior honra atribuída a Umar é que ele foi e é considerado o primeiro Mujaddid (Revivificador) do Islam; isto é, os sábios o consideram o primeiro dos que cumpriram o hadith: “Allah fará surgir para esta comunidade, a cada cem anos, o homem que renovará a sua religião” (Sunan Abu Dawud). As-Sallabi (2010, p. 204) diz que isto é, ao menos em parte, resultado dele exercer sua capacidade como califa para rejuvenescer a comunidade islâmica.

Dada a magnânima honra presente em Umar, talvez não seja surpresa que sua implementação do zakat é vista como modelo na história islâmica.

O sucesso de Umar bin Abdul-Aziz

Relatos históricos indicam que havia um excesso de fundos de zakat durante o seu governo. Havia pouquíssima pobreza, eram escassos os que se enquadravam como recebedores do zakat (As-Salabi, 1999, p. 574). No entanto, é possível que uma erradicação total da pobreza não tenha ocorrido; com a ausência de comunicação e de transporte rápidos, possivelmente havia algumas pessoas que eram pobres o bastante para receber o zakat, mas que não foram encontradas.

De qualquer maneira, pôde-se reduzir significativamente a pobreza. Há uma série de fatores que podem ter contribuído com o sucesso dessa implementação:

  • O comprometimento de Umar com a justiça e a equidade, que serviu como encorajamento para que as pessoas pagassem o zakat;
  • Uma ênfase na distribuição local dos fundos;
  • A aplicação dos fundos do zakat para a ampliação da capacidade de produção.

Em primeiro lugar está o notável comprometimento de Umar com a justiça e a equidade. A princípio, ele foi nomeado califa pelo califa anterior, Sulayman bin Abdul-Malik. A primeira coisa que ele fez como califa foi destituir a si mesmo. Umar insistiu que seria califa apenas se as pessoas votassem por ele, o que fizeram (As-Sallabi, 1999, p. 106).

Afirma-se que seu firme comprometimento com a justiça e sua notável piedade resultaram numa forte relação de confiança entre ele e os pagadores de zakat (As-Sallabi, 1999) – de maneira oposta aos líderes anteriores, que haviam usado os fundos de zakat incorretamente. Por isso, as pessoas  pagavam o zakat com boa vontade para os oficiais que eram considerados confiáveis por Umar.

Isso viria a ser algo central na diminuição da pobreza. Estudos contemporâneos demonstram que, se todos pagassem o zakat, em certos países islâmicos, a miséria diminuiria consideravelmente, ou até mesmo desapareceria (Islamic Social Finance Report, 2014). No entanto, na prática, a mobilização de fundos de zakat é muito baixa. Neste aspecto, o comprometimento de Umar com a equidade foi um fator que diminuiu a distância entre os fundos de zakat efetivos e os potenciais. Podemos também concluir que a confiabilidade dos institutos de zakat é importantíssima para encorajar as pessoas a pagarem o zakat.

O segundo fator que contribuiu com o sucesso de Umar é o enfoque na distribuição local do zakat. Umar instruiu que os oficiais do zakat distribuíssem os fundos nas regiões em que eram coletados, a menos que houvesse maior necessidade em outro local. O conhecimento pessoal que acompanha a distribuição localizada do zakat é, de fato, algo poderoso.

Friedrich Hayek, rival intelectual de John Maynard Keynes, fez uma defesa das forças de mercado; de que é mais próprio que os indivíduos usem seu próprio dinheiro e façam suas próprias decisões. Ele se baseia na noção de que, individualmente, as pessoas têm acesso ao “conhecimento das circunstâncias particulares do período e do local”.

Esse conhecimento, diz Hayek, por natureza, não é quantificável e não pode ser expressado para outros indivíduos. Hayek prossegue e argumenta que esse tipo de conhecimento em particular constitui a maior parte do total do conhecimento. Logo, o estado teria muito menos informações do que o indivíduo para tomar decisões e, dessa maneira, o indivíduo estaria em posição mais apropriada para tomar suas próprias decisões (Hayek, 1945).

Aplicando o mesmo raciocínio com o zakat, o indivíduo possivelmente teria um maior conhecimento de qual seria a melhor maneira de usar seu zakat num determinado local, diferente de ONGs e caridades internacionais. O conhecimento íntimo da comunidade e de suas necessidades poderia levar a uma aplicação melhor dos fundos do zakat.

Apesar de os argumentos de Hayek não serem perfeitos, a noção geral de uma distribuição de zakat de maneira localizada, para o aprimoramento de sua eficácia como alívio à pobreza, com base em informações locais é um ponto importante. Neste quesito, a insistência de Umar na distribuição local indica que os fundos foram utilizados de uma maneira mais eficiente.

Em terceiro lugar, a maneira com que os fundos de zakat eram usados também foi um grande fator para o sucesso. O foco era no encorajamento à agricultura e à capacidade de produção em geral. Isso levou a um aumento de renda, fazendo com que se enquadrassem mais pessoas na categoria de pagadores de zakat e menos pessoas na categoria de recebedores.

Assim, a receita de zakat aumentou (As-Sallabi, 1999, p. 574). A teoria econômica também reforça que o foco na agricultura, como ponto de partida para o desenvolvimento econômico, é algo positivo. O Modelo Lewis de Desenvolvimento defende que o processo de desenvolvimento econômico faz parte do movimento dos trabalhadores, da agricultura à indústria. No entanto, antes que isso possa acontecer, o setor da agricultura deve ser produtivo o bastante e gerar alimentos em excesso. Quando houver um excesso de alimentos, a economia tende ao desenvolvimento de bens manufaturados (Lewis, 1954).

No entanto, como o modelo de Lewis foi desenvolvido no final da década de 1950, aplicá-lo numa era tão distante não teria exatamente os resultados que ele antecipa. Podemos, no entanto, usar o modelo de Lewis como um método de raciocínio: ao melhorar a capacidade de produção agricultural, Umar gerou uma abertura para que os indivíduos fossem além da subsistência e iniciassem atividades econômicas mais produtivas, reduzindo, dessa forma, a pobreza.

Em resumo, a confiabilidade de Umar, a distribuição local dos fundos e o foco na agricultura e na capacidade de produção foram fatores determinantes do sucesso de sua implementação do zakat.

Conclusões

Relata-se que Umar bin Abdul-Aziz, o califa que é considerado o primeiro Mujaddid do Islam, erradicou a miséria em seu governo de dois anos e meio. Neste artigo, atribuímos essa erradicação a três fatores: a justiça e a confiabilidade de Umar como incentivo para que as pessoas pagassem o zakat, seu foco na distribuição dos fundos arrecadados nos locais onde eram arrecadados, gerando um aumento na eficiência da distribuição, e a aplicação dos recursos para desenvolver a agricultura e a capacidade de produção.

Esses não são todos os fatores, outros fatores, como a implementação jurídica do zakat, foram omitidos, pois vão além do escopo do texto. A história de Umar é encorajadora e gera grande otimismo – demonstra a eficácia do zakat. Por isso, talvez a ausência de um sucesso semelhante nos dias de hoje seja ainda mais decepcionante.

A comunidade de financistas e pensadores islâmicos precisa dar mais atenção a esse problema; a literatura acadêmica sobre zakat é escassa nos dias de hoje; foca-se mais em outros elementos da economia islâmica, muito possivelmente de menor importância. Essa ausência de atenção é algo chocante, dada a escala do que o zakat pode realizar, tal como o caso de Umar propriamente demonstra.

A comunidade islâmica em seu todo tem de intensificar seus esforços para abordar a situação. A educação, as políticas e o meio acadêmico deveriam servir como agentes canalizadores desses esforços. Mas, antes de mais nada, jamais devemos esquecer que o zakat é um pilar do Islam e uma forma de adoração a Deus. Apenas quando se mantiver isso em mente que a comunidade muçulmana adquirirá o fervor e o zelo que são necessários para implementar o zakat de uma maneira tão bem-sucedida quanto a de Umar.

Links para Leitura

Via National Zakat Foundation

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