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Declínio do Império Otomano – Parte 3: Nacionalismo

Quais foram as razões para o declínio e consequente queda do império Otomano? Muitos fatores colaboraram. Nesse texto listamos todos ele. Leia!
  • Além de questões políticas, econômicas, sociais e religiosas, o nacionalismo também foi importante para o declínio do Império Otomano.
  • O Sistema de Millet garantia liberdade religiosa a fiéis cristãos e judeus e não lhes dava motivo para revoltarem-se contra o Império.
  • Mas as reformas Tanzimat e o apoio nacionalista das nações europeias conseguiram motivar revoltas.

Na Parte 1 desta série, nós olhamos para o impacto que os problemas políticos e econômicos tiveram para derrubar esta dinastia de longa duração. Na Parte 2, uma perda de caráter islâmico foi analisada em conexão com o declínio e a queda do império global, apesar dos melhores esforços do Sultão Abdulhamid II. Neste texto, os efeitos de longo alcance do nacionalismo serão entendidos em relação aos grupos étnicos e políticos dentro do Império Otomano.

O Sistema Millet

Antes de entender como o nacionalismo afetou os otomanos, temos de olhar mais para trás, para a forma como as diferentes nacionalidades eram originalmente uma fonte de força para os otomanos. Após o sultão Mehmed II conquistar Constantinopla, em 1453, ele teve um problema exclusivo em suas mãos: como lidar com a considerável minoria cristã dentro de seu reino? O Islam tem inúmeras regras sobre como tratar as minorias religiosas e quais são os tipos de direitos que lhes são conferidos. Trabalhando com estas regras, o sultão Mehmed estabeleceu um sistema que mais tarde ficou conhecido como o sistema de Millet (que vem de uma palavra árabe que significa “nação”).

Sultão Mehmed II estabeleceu o sistema de Millet, dando liberdade religiosa para as minorias no Império Otomano
Sultão Mehmed II estabeleceu o sistema de Millet, dando liberdade religiosa para as minorias no Império Otomano

De acordo com o sistema de Millet, os cristãos dentro do Império Otomano eram autorizados a viver como faziam antes do domínio otomano. Eles foram autorizados a escolher os seus próprios líderes religiosos, coletar seus próprios impostos, usar sua própria língua e até mesmo ter seus próprios tribunais, onde eram julgados de acordo com as leis cristãs, e não de acordo com as leis islâmicas. Este tipo de sistema foi revolucionário na Europa naquele momento, onde não havia em áreas cristãs o conceito de liberdade ou os direitos das minorias religiosas.

Ao longo do tempo, o sistema de Millet iria crescer para incluir mais do que apenas um grupo de cristãos. Para acomodar todas os diferentes formas de cristianismo dentro do reino Otomano, foram dados a cada igreja seu próprio millet e a prerrogativa de poder seguir suas próprias regras. Os judeus também foram autorizados a ter seu próprio millet. Durante o reinado de Bayezid II, filho de Mehmed II, milhares de judeus que estavam experimentando perseguição religiosa nas mãos dos católicos da Espanha foram recebidos no Império Otomano, onde receberam muito mais liberdade religiosa do que em qualquer outro lugar do mundo naquela época.

Com o sistema de Millet, diferentes nacionalidades, etnias, culturas e religiões foram autorizadas a prosperar. As pessoas geralmente pensam no Império Otomano como um império “turco”, mas isto está longe de ser verdade. Enquanto os sultões, desde o início até o fim, eram turcos, a população em geral foi composta por uma grande variedade de povos. Pessoas dentro dos millets foram capazes de ascender na sociedade para posições de destaque. Na verdade, muitos dos vizires do sultão (ministros) vieram de origens gregas, bósnias, árabes ou persas.

O Nacionalismo Europeu

Em 1789, uma revolução que iria alterar a história do mundo começou na França. O império francês, liderado por um rei tirânico, foi abalado em seu núcleo. A revolução ajudou a trazer ideias iluministas para a vanguarda na Europa, tais como direitos naturais, governo para o povo e a teoria do contrato social. No entanto, além dos efeitos políticos da revolução, um aspecto muito mais importante foi tomando forma: o nacionalismo.

Na Europa, o conceito de nacionalismo assumiu a forma de pessoas que estão sendo lideradas por alguém etnicamente semelhante. Os grandes impérios multinacionais do passado, como o Sacro Império Romano ou o Império Espanhol, foram vistos como inerentemente fracos por causa das inúmeras nacionalidades e línguas que existiam no âmbito do império. Grupos étnicos/linguísticos começaram a revolta. O objetivo de muitos desses grupos era serem liderados por alguém que tivesse a mesma etnia e língua que eles. Assim, por exemplo, os holandeses da Holanda rejeitaram o domínio espanhol, assim como fizeram os italianos, na Sicília. Revoluções eclodiram em todo o continente europeu com base na ideia de criar os Estados-nação: os países que só têm uma nacionalidade dentro deles e são governados por alguém desta nacionalidade.

Esta crescente onda de nacionalismo também fez seu caminho para o Império Otomano. Embora o sistema de Millet tenha dado às pessoas os seus direitos e permitido-lhes governarem a si mesmas, o nacionalismo europeu ditou que as minorias étnicas do Império Otomano não deveriam ter um sultão turco. Nacionalismo significava que eles tinham de se libertar do Império Otomano e serem conduzidos por seu próprio povo.

Tal ideia não surgiu por conta própria dentro do Império Otomano. Como foi referido anteriormente, o sistema de Millet garantia uma estrutura para que diferentes nacionalidades tivessem direitos e liberdades dentro do reino Otomano. Com este tipo de contentamento, pessoas comuns não eram suscetíveis a levantarem-se contra seus governantes otomanos. Para fornecer a espinha dorsal para tais revoluções, as grandes potências europeias da época – Grã-Bretanha, França e Rússia – entraram em cena.

As revoltas contra o Governo Otomano

As potências europeias encorajaram ativamente as nacionalidades dentro do Império Otomano a revoltarem-se ao longo dos anos 1800. Por exemplo, a Revolução Grega, de 1821 até 1832, foi fortemente incentivada por outras potências europeias, que procuraram minar e enfraquecer os otomanos. Nem todos os gregos eram a favor da independência. De fato, o Patriarca Ortodoxo, que foi escolhido pelos gregos de acordo com o sistema de Millet, denunciou abertamente os rebeldes em favor da unidade com os otomanos. No entanto, os revolucionários gregos foram fortemente auxiliados pelos britânicos, que enviaram sua marinha (junto com os russos e os franceses) para combaterem os otomanos em nome dos gregos. Com as tensões políticas e econômicas que os otomanos já estavam enfrentando naquele momento, eles não foram capazes de derrotar esta intervenção por parte da Europa e, assim, a Grécia foi proclamada independente do Império Otomano.

Com o sucesso da revolta nacionalista dos gregos, outras minorias dentro do Império foram incentivadas à revolta. As reformas Tanzimat também ajudaram a fortalecer as revoltas nacionalistas. O Tanzimat incentivou todas as pessoas dentro do Império Otomano a se submeterem a um único código de leis, em vez de permitir-lhes o direito de viver de acordo com suas próprias regras étnicas/religiosas. Assim, mais revoltas se seguiram. Os sérvios continuaram a revolta armada contra os otomanos durante todo o período dos anos 1800 e foram fortemente apoiados pelos russos. Armênios espalhados na Anatólia também se revoltaram e foram também apoiados pelos russos. Mesmo os companheiros muçulmanos, os bósnios, também começaram a lutar pela independência, tanto por causa de ideias nacionalistas, como por protesto contra as reformas não-islâmicas do Tanzimat.

O Nacionalismo Turco

Talvez as formas mais desconcertantes do nacionalismo durante o declínio do Império Otomano eram as ideias nacionalistas dos turcos e árabes. Desde 1517, esses povos tinham sido intimamente ligados dentro do Império Otomano. Suas culturas e histórias misturadas explicam a enorme quantidade de palavras similares entre si em ambas as línguas hoje. Ambos tiveram um papel muito grande dentro do Império Otomano, e deveriam ter tido todos os motivos para quererem vê-lo em sucesso. No entanto, a crescente onda de nacionalismo europeu afetou-os também.

Em resposta às revoltas dos gregos, armênios, sérvios e outros, os líderes turcos do Império Otomano precisavam encontrar uma maneira de combater os efeitos de tais revoluções. Enquanto a solução do Sultão Abdulhamid II foi a solidariedade pan-islâmica e uma identidade “otomana” em vez de uma identidade nacionalista no império, muitos outros começaram a pensar no Império Otomano como um Estado puramente turco. Eles promoveram as ideias de que o orgulho turco deveria ser enfatizado da mesma forma que o orgulho nacionalista foi predominante em toda a Europa. Os turcos começaram a promover-se em todo o governo e excluir os outros. Esta política foi promovida pelo mesmo grupo que promoveu o secularismo e um movimento para longe do Islam ao longo dos anos 1800, os Jovens Turcos.

Primeira Guerra Mundial e o Nacionalismo Árabe

Como reação à ascensão do nacionalismo turco, alguns pensadores árabes e líderes políticos começaram a formular ideias de nacionalismo árabe. Eles se lembraram das eras dos abássidas e omíadas, quando os árabes eram os líderes do império muçulmano, e esperavam criar algo similar. Em suas opiniões, os turcos otomanos tinham dificultado o progresso do mundo árabe e acabou os atrasando.

No momento em que a Primeira Guerra Mundial começou, no verão de 1914, o Império Otomano não era nada, além de uma carcaça de seu antigo império. As suas antigas terras na Europa se foram com os gregos, búlgaros, sérvios e bósnios, agora sendo todas independentes ou estando sob controle europeu. Tudo o que restou foram as terras predominantemente turcas da Anatólia e as terras árabes no sul da mesma, incluindo a atual Síria, Iraque, Palestina e Arábia Saudita.

Soldados da Revolta Árabe. A bandeira (projetada pela Inglaterra) da revolta árabe passou a ser a base das bandeiras nacionalistas modernas de muitos países árabes.
Soldados da Revolta Árabe. A bandeira (projetada pela Inglaterra) da revolta árabe passou a ser a base das bandeiras nacionalistas modernas de muitos países árabes.

Na Primeira Guerra Mundial, os otomanos estavam ao lado dos alemães e austríacos contra a Rússia, França e Grã-Bretanha. Devido ao nacionalismo turco, o exército foi quase inteiramente formado por turcos, com os árabes sendo excluídos. Por isso, os britânicos viram uma oportunidade de quebrar ainda mais a união do Estado otomano e ofereceram seu próprio reino árabe ao governador árabe de Meca, Sherif Hussain, se ele se aliasse com eles e se revoltasse contra os otomanos. Mais tarde, os britânicos enviaram o infame e famoso T.E. Lawrence (também conhecido como Lawrence da Arábia) para Hussain, para convencê-lo a se revoltar e fornecer-lhe enormes quantidades de dinheiro e armas.

Com o encorajamento britânico, um grupo de árabes do Hejaz (lado ocidental da Península Arábica, incluindo Meca e Medina), revoltou-se contra seus irmãos no Islam e ficou ao lado dos britânicos. De 1914 a 1918, os árabes assediaram as forças otomanas em todo o mundo árabe. Por causa dessa revolta, os britânicos foram capazes de conquistar facilmente o Iraque, a Palestina e Síria a partir do Império Otomano. Pela primeira vez desde 1187, a cidade santa de Jerusalém estava sob o controle da Europa cristã, desta vez por causa da ajuda dada a eles por árabes nacionalistas.

Destruição final do Império Otomano

A Primeira Guerra Mundial não foi boa para os otomanos. Invadidos por potências europeias e devido à revolta dos árabes contra eles, o Império Otomano essencialmente deixou de existir no momento em que a guerra acabou, em 1918. Um líder turco ultra-nacionalista, Mustafa Kemal Ataturk, tomou o poder no território que agora era conhecido como a Turquia e declarou um estado puramente turco. Outras nacionalidades não eram bem-vindas nesta nova nação. Na verdade, enormes transferências de populações ocorreram entre a Grécia e a Turquia, com cada país expulsando o outro grupo étnico de dentro de suas fronteiras.

O Acordo Sykes-Picot de 1916 dividiu o Império Otomano entre os britânicos e os franceses.
O Acordo Sykes-Picot de 1916 dividiu o Império Otomano entre os britânicos e os franceses.

No mundo árabe, os ingleses não mantiveram a sua promessa ao Sherif Hussain. Eles tinham decidido simultaneamente dividir o mundo árabe entre Grã-Bretanha e França. Linhas arbitrárias foram desenhadas no mapa para dividir o mundo árabe em novos estados chamados Transjordânia, Síria, Iraque, Líbano e Palestina. Judeus sionistas foram encorajados a se estabelecerem na Palestina, criando um novo Estado judeu – Israel. O Egito continuou sob domínio britânico para tornar-se sua própria nação, separado do resto do mundo árabe. O que uma vez tinha sido o grande e coeso Império Otomano não era mais, e foi substituído por numerosos concorrentes e desunidos estados nacionalistas.

Conclusões

Como todos os impérios ao longo da história islâmica e história do mundo em geral, os otomanos não duraram para sempre. Eles foram o último grande império muçulmano, terminando apenas há algumas gerações atrás. As razões para o seu declínio são muitas. A corrupção política enfraqueceu-os em face do crescente poder da Europa. Economicamente, muitos fatores (tanto dentro como fora do controle Otomano) ajudaram a trazer a pobreza e desespero para o império, que outrora foi a potência econômica da Europa. O caráter islâmico do império foi perdido. E, finalmente, a ideia europeia do nacionalismo deu ao império seu golpe mortal. O objetivo desta série não é definhar em falhas e erros do passado, e sim educar as pessoas, muçulmanos e não-muçulmanos, para entenderem os erros do passado para evitar cometer os mesmos erros no futuro.

Bibliografia

Hodgson, M. G. S. The Venture of Islam, Conscience and History in a World Civilization. 3. Chicago, IL: University of Chicago Press, 1974.

Ochsenwald, William, and Sydney Fisher. The Middle East: A History. 6th. New York: McGraw-Hill, 2003.

Traduzido de Lost Islamic History

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