Em 2017, a história de Abdul Karim, professor da rainha britânica Victoria (1819-1901), ganhou destaque no longa-metragem “Victoria e Abdul – O Confidente da Rainha”, dirigido por Stephen Fears. Quem assistiu sabe que a história da relação entre os dois ficou oculta por anos, sendo descoberta somente no século XXI.
Isto se deve a uma pesquisa feita pela jornalista Shrabani Basu, que descobriu a história por acaso. Ela estava fazendo uma pesquisa sobre curry e sabia que a rainha Victoria era uma apreciadora do tempero indiano. Ela tinha alguns empregados indianos entre seus servos e este detalhe foi o que motivou a pesquisa.
No entanto, um retrato pintado de Abdul na parede da Casa Osborne chamou muita atenção da jornalista. O indiano não parecia um serviçal, mas um nobre, pintado com vestimentas sofisticadas e segurando um livro. Isto motivou o início de uma nova pesquisa que teria um desfecho surpreendente.
Abdul era escriturário muçulmano indiano e vivia na cidade de Agra. Ele era filho de um assistente de hospital e foi selecionado como ajudante no Jubileu de Ouro, que ocorreu em 1887, na Inglaterra. O evento era oferecido pela rainha Victoria, que receberia diversos chefes de estado no Palácio de Buckingham.
Naquela ocasião, a Índia estava sendo colonizada pelo britânicos e sua imperatriz era a rainha Victoria. Antes mesmo do jubileu, ela já havia manifestado interesse no território, solicitando que funcionários indianos estivessem presentes no banquete.
Os funcionários indianos foram apresentados à rainha como um “presente da Índia”. Ela decidiu contratar Abdul e um outro funcionário, que foi descrito apenas como um homem de pele mais escura e mais baixo. O futuro confidente da rainha, no entanto, foi descrito por ela como um homem “alto, com um belo semblante sério”.
Após o Jubileu de Ouro, Abdul impressionou Victoria preparando-lhe um curry de frango, servido com um pouco de arroz e um tipo de ervilha vermelha comum na Índia. A rainha gostou tanto do prato que o acrescentou em sua rotina de refeições.
Ela lhe pediu que a ensinasse o idioma urdu, que naquela época era conhecido como hindustani, para que pudesse se comunicar com seus criados. Em contrapartida, também o motivou a se esforçar para aprender o inglês, para que os dois pudessem se comunicar melhor.
Em entrevista ao The Telegraph, a jornalista Shrabani Basu afirma que a amizade entre os dois se deu pelo fato de que Abdul via Victoria não como uma rainha, mas como uma pessoa. Seu jeito irreverente e a forma inocente como ele a tratava foi o que a levou a admirá-lo e, por sua vez, ele também a amava, sempre conversava com ela, dividindo suas histórias e seus relatos sobre a Índia.
Por causa disso, Abdul logo foi promovido de simples servo a escriturário indiano da imperatriz rainha e “munshi”, uma palavra em urdu que significa “professor”. Ele recebia um salário de 12 libras e, mais tarde, foi promovido a secretário.
Victoria endereçava as cartas a Abdul se referindo a ele como “filho querido” e “melhor amigo”, chegando a mandar-lhe até alguns beijos, algo muito incomum para a época. Ela o levava em suas viagens pela Europa, o que causava inveja entre seus serviçais.
Ele teve autorização para portar uma espada e para trazer seus parentes para a Inglaterra. Abdul trouxe sua esposa e a rainha deu ao casal algumas casas nas principais propriedades reais do Reino Unido. A dificuldade dos dois em ter filhos fez a monarca, inclusive, aconselhar os dois para tentarem engravidar.
“Ela deveria tomar cuidado no momento específico todos os meses para não se cansar”, conta Shabrani Basu.
O pai de Abdul Karim foi, inclusive, o primeiro homem a fumar um narguilé no Castelo de Windsor, apesar da aversão que a rainha tinha ao fumo.
Victoria pediu que Abdul Karim estivesse entre o grupo de enlutados no Castelo de Windsor. Ele participou do seu funeral e foi o último a ver seu corpo antes de o caixão ser fechado.
Logo depois da morte da rainha, seu filho sucessor, o rei Edward VII, enviou guardas ao chalé de Abdul Karim, queimou todas as cartas que ele havia trocado com a rainha e ordenou que ele voltasse à Índia sem alarde ou despedidas.
A relação entre o munshi e a monarca era vista como algo escandaloso entre os membros da coroa inglesa, que não aceitavam que um indiano pudesse ter um status tão elevado na corte, especialmente em uma época na qual a Índia estava sendo dominada.
Abdul havia sentido este preconceito antes mesmo da morte da rainha e, por diversas vezes, ela precisou repreender os abusos que ele sofria.
Os únicos vestígios do munshi na Inglaterra estavam nas pinturas deixadas na Casa Osborne, que foram encomendadas por Victoria. Foi somente em 2003 que essas imagens foram úteis para trazer à tona a história do homem no retrato.
Ao se sentir intrigada pelo quadro, Shrabani Basu passou cinco anos pesquisando sobre aquele homem. Ela chegou a ler os cadernos da rainha Victoria, onde estavam as lições de urdu, um idioma que, até então, nenhum historiador ocidental havia conseguido compreender.
Ao todo, eram 13 volumes com as lições repassadas pelo munshi e esses manuscritos relatavam não só o aprendizado da monarca, mas também a relação que ela tinha com Abdul, seu amor pela Índia e sua curiosidade em conhecer o país e sua cultura.
Durante a pesquisa, um membro da família de Abdul entrou em contato com Shrabani e lhe deu acesso aos diários de seus antepassados, que eram mantidos na cidade de Karachi, no Paquistão. Os relatos do munshi foram incorporados ao livro “Victoria & Abdul – A Extraordinária História Real do Confidente Mais Próximo da Rainha”, que foi escrito pela jornalista e lançado no ano de 2010, e serviu como base para o filme “Victoria e Abdul – O Confidente da Rainha”.
“Este é o diário da minha vida na corte da rainha Vitória, do Jubileu de Ouro de 1887 ao Jubileu de Diamante de 1897”, escreveu Karim. “Fui apenas um peregrino em uma terra estranha e entre um povo estranho. (…) Enquanto registro minha vida, não posso deixar de lembrar as muitas honras que caíram sobre mim e por toda a grande bondade de Sua Majestade. Peço ao Todo-Poderoso que as mais ricas bênçãos sejam derramadas sobre nossa boa rainha Imperatriz”, conclui.
Com informações de Vanity Fair
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