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O Líder Muçulmano que Lutou Contra a Segregação Racial do Apartheid

  • Abdullah Haron foi um líder religioso que tentou ajudar sua comunidade durante o regime do apartheid na África do Sul.
  • Ele divulgou panfletos, incentivou o apoio aos movimentos contra o apartheid e até tentou captar ajuda de países islâmicos para combater a segregação.
  • Ele foi preso por se opor ao apartheid e foi o primeiro líder religioso a morrer em custódia na África do Sul.

Em 1969, o regime do apartheid, que defendia a segregação racial na África do Sul, mostrava sua violência não somente pela forma de subjugar a população negra do país, mas também pela brutalidade em lidar com aqueles que se opunham a este sistema. Naquele ano, o imam Abdullah Haron foi o primeiro líder religioso morto em custódia por militar contra a política discriminatória sul-africana.

A luta de Abdullah não era apenas política, mas também religiosa. O imam dizia publicamente que o apartheid era “desumano, bárbaro e não-islâmico”. Ele entrou para a história por combater a segregação e seu legado se transformou em uma grande inspiração na luta pelo fim da política racista na África do Sul.

Origem e Influências

Abdullah Haron nasceu em 1924 na Cidade do Cabo e, após a morte da sua mãe, foi enviado para morar com uma tia que sempre incentivou seus estudos. Após concluir o 6º grau, ele foi estudar com alguns sheikhs em Meca, em 1950. Entre eles, estava o Sheikh Alawi al-Maliki, um dos nomes mais importantes da escola Maliki de jurisprudência islâmica do século XX.

A educação que Abdullah recebeu em Meca teve um grande impacto na sua mentalidade. O Islam ensinou a ele a importância de participar das atividades em comunidade, do serviço aos necessitados e na promoção do bem-estar social. Nessa época, ele também passou a se relacionar com pessoas que participavam de movimentos pela libertação da África do Sul, que lhe permitiram conhecer melhor a realidade política de seu país.

Desde a era colonial, a África do Sul vivia uma forte segregação racial, mas em 1948 isso se intensificou por causa da instituição do regime do apartheid, que retirou a cidadania dos negros, fazendo com que eles fossem reconhecidos apenas como membros de uma das 10 tribos do país. Isso provocou o surgimento de áreas residenciais separadas por cor e deu aos negros direitos e serviços públicos inferiores aos dos brancos.

Na década de 1950, o mundo árabe e o sul da Ásia foram palco de atuação de diversos movimentos políticos que pretendiam acabar com o colonialismo europeu e estabelecer governos locais. Muitos deles eram motivados pelo resgate das tradições religiosas e Abdullah acabou se inspirando por essas iniciativas que o fizeram acreditar ser a chave para solucionar as injustiças de seu país.

Início do Combate ao Apartheid

Em 1955, Abdullah se tornou imam da mesquita de Al-Jamia, na Cidade do Cabo. Três anos depois, criou um jornal mensal para o templo chamado “Islam Notícias”, que falava de assuntos pertinentes à comunidade, tratando sobre assuntos religiosos, culturais e políticos.

O jornal abriu espaço para que muitas pessoas influentes da sociedade sul-africana falassem para a comunidade islâmica local que, por sua vez, passou a se conscientizar sobre a importância em agir contra a brutalidade do governo que tomava conta do país naquele momento.

Em 1961, a mesquita começou a emitir o panfleto “O Chamado do Islam”, que já começava a divulgar um conteúdo crítico ao apartheid. Nos sermões de sexta-feira, Abdullah começou a enfatizar o papel da fraternidade na religião, incentivando os fiéis a apoiarem os africanos que estavam enfrentando situações de extrema necessidade e opressão por causa do segregacionismo.

“Nossa pátria tem sido uma grande prisão com apenas algumas brechas para respirar. Agora que está cimentada, uma parede de granito deve ser construída em torno de nossa pátria para nos sufocar, para que o mundo não ouça o nosso clamor”, disse Abdullah em um discurso sobre a lei que estabeleceu punições contra quem manifestasse contra a segregação.

Início da Perseguição

Abdullah começou a desenvolver relações com membros do Congresso Pan-Africanista (PAC), um movimento político que teve um importante destaque pela libertação da África do Sul e que defendia o nacionalismo negro. Embora nunca tenha sido um membro do grupo, ele apoiou algumas iniciativas, sobretudo no momento em que as políticas de repressão começaram a endurecer.

Em 1965, o próprio Abdullah foi obrigado a se mudar de sua casa para um bairro onde somente não-brancos poderiam habitar. 

Em 1968, viajou para Meca com o objetivo de rever a sua relação com o PAC e resolver um programa de estudos para sua filha em uma instituição de Londres. Nessa viagem, ele se encontrou com o Rei Faisal e o ministro da educação saudita para falar sobre questões educacionais. 

Depois, partiu para o Cairo e lá participou de uma reunião com o Conselho Islâmico Mundial, onde buscou ajuda de governos para ajudar os sul-africanos. Antes de voltar para o seu país, Abdullah foi avisado de que, se retornasse à África do Sul, estaria correndo um grande perigo.

O Departamento de Segurança de seu país havia levantando diversas informações sobre suas atividades clandestinas e agora estava atrás do imam para que ele prestasse conta de seus atos.

Prisão

Dois fatos foram importantes para que Abdullah não deixasse a África do Sul. O primeiro foi o fato de seu pai já ser um homem velho e frágil que não poderia mais sair dali e o outro foi que a embaixada canadense negou seu pedido para que ele pudesse emigrar, não lhe deixando outra alternativa a não ser voltar para casa. 

Em 28 de maio de 1969, os muçulmanos celebrariam o Mawlid, o aniversário do Profeta Muhammad. Porém, desta vez, Abdullah não pôde comemorar com seus irmãos de fé, pois foi preso naquele mesmo dia. Ali se iniciava um período de 123 dias em que o imam ficaria totalmente incomunicável, detido com base em uma lei anti-terrorismo.

A congressista Catherine Taylor chegou a discutir no congresso, em julho daquele ano, as razões pelas quais Abdullah estava detido. Mas o Ministro da Polícia, Sr. Muller, respondeu que este não era um assunto de interesse público. 

Morte

No dia 27 de setembro de 1969, o Imam Abdullah Haron morreu violentamente com múltiplas fraturas nas costelas e hematomas pelo corpo. No entanto, o Departamento de Defesa alegou que ele havia caído de uma escada - uma versão que desde aquela época foi amplamente contestada pela família do líder religioso e por pessoas que apoiaram sua luta. Até hoje, ninguém foi responsabilizado por sua morte.

No dia da sua morte, seu caixão foi levado por cerca de 10 quilômetros acompanhado e por 40 mil pessoas. Embora seja algo raro na Cidade do Cabo, o local viveu um intenso terremoto, o mais destrutivo já registrado em sua história.

Fonte

https://www.sahistory.org.za/people/imam-abdullah-haron

https://www.bbc.com/news/world-africa-49850411

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