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Andaluzia: O Poderoso Reinado Islâmico Medieval

Domínio islâmico na Península Ibérica, até hoje o legado muçulmano é percebido em uma parte importante dessa região: a Espanha.
  • O Reinado de Andaluzia deixou monumentos impressionantes em todo o território ibérico.
  • A arquitetura mourisca é um dos grandes representantes da cultura deixada pelo al Andalus.
  • Com a dominação cristã, grande parte dos monumentos islâmicos foram convertidos, mas ainda preservam muitas características originais.
  • Atualmente, na Espanha, o Islam é a segunda religião com mais adeptos.

Aspectos gerais de al Andalus 

O Reinado de Andaluzia, também conhecido pelo termo al Andalus, refere-se ao reino muçulmano que ocupou grande parte da Península Ibérica, a partir do ano 711 (Era Comum). Foi nesse ano que um exército de Árabes e Berberes, vindos do norte da África e unidos pela fé no Islam, atravessou o estreito de Gibraltar e chegou à Península Ibérica – o que inclui territórios de Portugal, da Espanha e até domínios franceses e ingleses.

Depois disso, em menos de uma década os muçulmanos já estavam dominando a maior parte da região, chamando as terras que controlavam de Andaluzia, ou al Andalus, nome que, segundo alguns estudiosos, é uma corruptela do nome Atlântida.

Embora as fronteiras de Andaluzia tenham mudado ao longo dos séculos, os muçulmanos permaneceram uma força poderosa na península por quase oitocentos anos, marcando forte presença no território que hoje é a Espanha e parte de Portugal. 

A Espanha e Portugal Muçulmana durou até o colapso da Dinastia Omíada Espanhola, no início do século XI. Mas seu legado permanece até hoje, sendo relembrado e festejado. Isto porque se costuma dizer que Andaluzia era uma mistura multicultural, envolvendo povos de três grandes religiões monoteístas: os muçulmanos, os cristãos e os judeus.

Embora cristãos e judeus vivessem sob relativas restrições, na maioria das vezes, os três grupos conseguiam se dar bem e, em certa medida, até se beneficiavam da presença um do outro. Além disso, esse foi um período conhecido como extremamente rico culturalmente, tendo deixado monumentos magníficos espalhados pelo atual território da Espanha. 

A arquitetura mourisca 

A arquitetura mourisca se refere à arquitetura islâmica desenvolvida no norte da África e em partes de Espanha e Portugal, justamente nas regiões que são identificadas como pertencentes ao Reinado de Andaluzia. Nessas áreas, os Mouros dominaram entre 711 e 1492. 

Alguns dos melhores exemplos arquitetônicos nesse estilo, e que ainda sobrevivem na Península Ibérica, são a Mesquita Bab al Mardum (hoje convertida na Mesquita Cristo de la Cruz), em Toledo, La Mezquita, localizada em Córdoba, e o Palácio Alhambra, que fica em Granada, que foi um ponto importante de Andaluzia, principalmente entre os anos de 1338 e 1390. Além desses monumentos, a Giralda de Sevilha, localizada na cidade de mesmo nome e datada de 1184, também é um destaque da arquitetura mourisca. 

Para quem tem interesse em conhecer mais obras e lugares na Espanha com esse estilo arquitetônico, vale a pena conhecer outros monumentos igualmente impressionantes. A cidade em ruínas do Palácio de Medina Azahara, que esteve de pé entre os anos 936 e 1010, a Aljafería, em Zaragoza, e passeios por banhos árabes, que podem ser vistos em Ronda: todos esses são pontos imperdíveis para conhecer mais sobre a história e cultura deixadas por Andaluzia. 

Em relação aos elementos característicos da arquitetura mourisca, estes incluem muqarnas, arcos de ferradura, aduelas, cúpulas, arcos com ameias, arcos de lancetas, arcos de ogee, pátios e azulejos decorativos, que são conhecidos como zellij. 

A Mesquita de Córdoba

Mesquita de Córdoba
(Foto: Wikipedia)

Um dos mais importantes monumentos dessa arquitetura, como vimos, é a La Mezquita, também conhecida como Mesquita de Córdoba (hoje Catedral). Ela é considerada o monumento mais importante de todo o mundo islâmico ocidental e também é tida como uma das mais impressionantes construções do mundo. A evolução do estilo Omíada na Espanha é retomada na história da Mesquita de Córdoba, bem como de outros estilos, como o Gótico, o Renascimento e o Barroco da arquitetura cristã.

Diz-se que o lugar atualmente ocupado pela Mesquita-Catedral de Córdoba foi dedicado, desde os tempos antigos, ao culto de diferentes divindades. Nesse mesmo local e durante a ocupação visigótica, outro edifício foi construído, a Basílica de São Vicente. No topo desta basílica, a primeira versão da mesquita foi construída. 

A basílica, de forma retangular, foi compartilhada por um período de tempo entre muçulmanos e cristãos. Após o crescimento do número de muçulmanos, a Basílica se tornou propriedade do governante omíada Abdul Rahman I, que a destruiu para construir a primeira “Mesquita Alhama” – ou, em outras palavras, a principal mesquita da cidade (por isso, “La Mezquita”). Atualmente, alguns dos elementos constitutivos do edifício visigodo estão integrados na primeira parte do que pertencia a Abdul Rahman I.

A Grande Mesquita possui duas áreas diferentes: o pátio, ou “arcade sahn”, onde o minarete foi construído por Abdul Rahman III, e o “haram”, ou salão de orações. O espaço interior é constituído por colunas e arcos vermelhos e brancos, dando um efeito de cores bem característico, que mostraremos em detalhes mais adiante. 

Como já mencionado, a estrutura original da Catedral de Córdoba foi construída por Abdul Rahman I, em 784-786. Mas, com o passar dos tempos, especialmente nos séculos IX e X, a construção recebeu extensões que fizeram o monumento dobrar de tamanho, tornando-se um dos maiores edifícios sagrados do mundo islâmico.

A planta do edifício, já em sua versão concluída, forma um vasto retângulo que tem, aproximadamente, 23 mil metros quadrados. Cerca de um terço dessa área é ocupada pelo Pátio das Laranjas (ou “Corte das Laranjas”) e pelos claustros que cercam a mesquita no norte, leste e oeste. 

Em 1236, a antiga mesquita passou a servir como catedral cristã. Seu estilo mourisco foi alterado no século XVI, com a construção de um altar-mor central em seu interior, numerosas capelas ao longo de sua área e um campanário de 90 metros de altura que foi colocado no lugar do antigo minarete.

Características gerais da Mesquita de Córdoba 

Mesquita de Córdoba
(Foto: Wikipédia)

A icônica Mesquita é mais conhecida por seu salão com arcadas, que abriga 856 colunas de jaspe, ônix, mármore, granito e pórfiro. Essas colunas foram feitas de peças do templo romano que ocupavam o local anteriormente, bem como de outros edifícios romanos, como o anfiteatro de Mérida. 

Os arcos duplos eram considerados uma inovação e permitiu a construção de tetos mais altos. Os arcos duplos são constituídos por um arco inferior em ferradura e um arco semi-circular superior. Como mencionamos, na mesquita, o destaque fica por conta justamente de suas famosas aduelas, que são alternadas de vermelho e branco. 

A construção também possui um nicho de oração, ou Mihrab, predominantemente dourado. O seu Mihrab é considerado uma obra-prima arquitetônica, com desenhos geométricos e fluidos das plantas. Outras características de destaque são a quadra aberta (Sahn), que é cercada por arcadas, as telas de madeira, os mosaicos coloridos e as janelas também ornamentadas com vidro colorido. 

Já nas paredes, a Mesquita de Córdoba apresenta inscrições do Alcorão. Como muitos adeptos do Islamismo rejeitam representações esculturais ou pictóricas de pessoas ou de Deus em contextos religiosos, toda a decoração da Mesquita/Catedral é realizada através de trabalhos em azulejos, caligrafia e formas arquitetônicas. 

O declínio do Reinado de Andaluzia 

Aos poucos, o Reinado de Andaluzia foi dividido em pequenos pedaços e novos governantes passaram a cuidar de seus principados. No início dos anos 1000, havia muitas divisões entre os governantes muçulmanos. Como resultado dessa crescente divisão, quando o exército cristão começou a se infiltrar nas terras muçulmanas, muitos governantes muçulmanos ficaram uns contra os outros

Nesse contexto, as razões para a fraqueza muçulmana eram diversas. Mas diz-se que a mais importante era que os líderes se tornaram corruptos e se desviaram dos princípios da religião islâmica. Consequentemente, eles eram cruéis, egoístas e injustos. Isso levou aos maus tratos de judeus e cristãos da Espanha. 

Nesse contexto, em alguns locais eles não tinham permissão para ter casas mais altas do que as casas dos muçulmanos e também não podiam praticar sua fé – fazendo com que qualquer indício de outra religião, diferente da muçulmana, fosse punida por lei. O resultado disso foi o aumento da desconfiança entre os muçulmanos e seus vizinhos não-muçulmanos.

Rebeliões e invasões de cristãos, dentro e fora do país, passaram a ser cada vez mais comuns e levaram ao desaparecimento de Andaluzia, a Espanha Muçulmana. Afinal, com os desentendimentos e as divisões constantes, tornou-se mais fácil para os estados cristãos assumirem os reinos, um por um. 

A Reconquista e as mudanças nas grandes obras da religião muçulmana

Catedral de Toledo
Catedral de Toledo (Foto: Pixabay)

“A Reconquista” é o termo comumente usado para o processo pelo qual os Reinos Católicos do norte da Espanha conseguiram derrotar e dominar os estados muçulmanos do sul da Península Ibérica. 

A primeira grande cidade espanhola a ser dominada, nesse contexto, foi Toledo, em 1085. Depois que Toledo caiu, não foi difícil para os cristãos dominarem o resto de “al Andalus”. Isso ocorreu porque a cidade de Toledo está localizada no centro da Península Ibérica e, à época, sua derrota para as forças cristãs representou a possibilidade de novas invasões vindas do Reino do norte.

Em 1236, Córdoba foi dominada pelos cristãos e o centro da icônica Mesquita da cidade foi convertido em uma catedral católica. Alfonso X supervisionou a construção da Capela Villaviciosa e da Capela Real, ambas dentro da mesquita. Ao longo dos anos, outras características cristãs foram incorporadas à construção.

Um grande exemplo das mudanças feitas foi a conversão do minarete da mesquita de Córdoba na torre sineira da catedral. Ele foi adornado com os sinos das catedrais de Santiago de Compostela. Mas a alteração mais significativa foi a construção de uma catedral renascentista no meio da estrutura da antiga mesquita.

A inserção foi construída com a permissão de Carlos V, rei de Castela e Aragão. No entanto, diz-se que, quando Carlos V visitou a catedral concluída, ele ficou insatisfeito com o resultado e comentou: “Você destruiu algo único para construir algo comum”. Artesãos e arquitetos continuaram a aumentar a estrutura existente até o final do século XVIII.

A Reconquista e a intolerância à cultura islâmica  

Após a queda de Toledo, a maior parte do Reinado de Andaluzia foi subjugada, exceto o Emirado de Granada. Mais tarde, em 1482, as forças cristãs começaram uma guerra, na tentativa de conquistar a cidade, que guardava Alhambra e muitos outros marcos importantes. 

Dez anos depois, em 1492, dois monarcas católicos – a rainha Isabel I e o rei Fernando II – tinham controle total sobre o Emirado de Granada. Aos muçulmanos, devido a um tratado, havia a permissão de que algumas manifestações religiosas poderiam ser professadas. No entanto, cada cidade interpretou o tratado de acordo com seu desejo e entendimento. O primeiro arcebispo de Granada, por exemplo, adotou uma visão bastante tolerante em relação aos muçulmanos.

No entanto, esse episódio de tolerância não durou muito tempo. Após a morte do arcebispo e sob o governo de um novo cardeal, ocorreram conversões forçadas em massa e milhares de textos em árabe foram queimados. Aos muçulmanos, foram colocadas apenas duas opções: tornar-se cristão ou ir embora. 

A maioria do povo decidiu se tornar cristão, mas praticou secretamente o Islam (Taqiyyah). Para distinguir os verdadeiros cristãos dos falsos, a Inquisição Espanhola foi formada. Ao observar o que eles chamavam de “comportamento suspeito”, como não comer carne de porco ou beber vinho, o povo cristão da Espanha caçou e matou muçulmanos. 

Como resultado, um Gran Mufti aprovou uma decisão afirmando que os muçulmanos poderiam fazer certas coisas, como beber e comer alimentos não permitidos pela religião. Tudo isso para tentar proteger sua verdadeira religião. Assim, por um tempo, os muçulmanos conseguiram se proteger de ataques.  

Mas a perseguição continuou. Aos poucos, o uso da língua árabe foi banido e todos os textos em árabe foram queimados. Além disso, as pessoas não podiam se vestir de acordo com a cultura muçulmana e não podiam criar seus filhos da maneira islâmica. Nesse contexto, quando as pessoas se rebelavam, massacres eram realizados e muitos muçulmanos foram expulsos de suas casas.  

Muçulmanos na Espanha de hoje 

A Espanha tem quase dois milhões de pessoas que professam a religião muçulmana, um grupo religioso que tem tido um grande crescimento nos últimos anos. Como exemplo disso, estima-se que há cerca de 1.200 locais de culto muçulmano na Espanha, de acordo com dados de 2016 da Comissão Islâmica da Espanha. Ainda segundo o levantamento, apenas 12 desses locais são novas mesquitas, sendo o restante instalações ou apartamentos habilitados como local de culto.

Por sua vez, o Observatório do Pluralismo religioso na Espanha (órgão que depende do Governo), em 2015, estimou um total de 1.334 locais de culto muçulmano no país. Independente do número exato, esses dados representam cerca de 21% do total de locais de culto de todas as religiões presentes na Espanha.

Atualmente, a maioria dos muçulmanos que vive na Espanha é imigrante do norte da África, principalmente do Marrocos. No entanto, ainda se soma a esses imigrantes uma parcela da população espanhola que se converteu ao Islamismo. Tendo isso em vista, estima-se que, aproximadamente, 2,5% da população da Espanha é muçulmana, sendo esta a segunda maior religião do país – que, diga-se de passagem, é uma nação predominantemente cristã. 

O entrelaçamento do Islamismo na atual sociedade espanhola é tanto que muitos cristãos descobriram que têm antepassados muçulmanos. Por causa desse laço, muitos começaram a olhar o Islam sob uma nova perspectiva e ampliaram o diálogo com a religião. 

Conclusões

A ocupação muçulmana na Península Ibérica, mais conhecida como Reinado de Andaluzia, ou “al Andalus”, foi um importante marco da cultura islâmica no Ocidente. Até hoje, na Espanha, há diversos traços da cultura muçulmana espalhados pela arquitetura das principais cidades do país.

Os monumentos realizados nesse período são conhecidos por fazerem parte da arquitetura mourisca, que impressiona pelos detalhes e grandiosidades das construções. Com o declínio do Reinado de Andaluzia e a dominação cristã, no entanto, esses monumentos passaram por um processo de conversão, ganhando novos formatos.  

Mas, até hoje, a inspiração da cultura islâmica pode ser vista nessas construções. Isso mostra não apenas a beleza e a força da arquitetura mourisca, mas também a importância do Reinado de Andaluzia para a cultura ibérica.   

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