Do mesmo modo que uma civilização avança pela fé e pelo conhecimento, ela se torna cativa e se auto implode pela ignorância e pela ganância. Mesmo quando os exércitos muçulmanos continuaram seu avanço para as fronteiras da Índia, da China e do Oceano Atlântico, as sementes da ganância e do nepotismo estavam sendo semeadas no coração do islã. O espólio persa era enorme. Quantidades incontáveis de ouro, prata e joias preciosas foram capturadas dos persas e transportadas para Medina. É relatado que Omar (586 – 644 d.C) ficou perplexo quando as riquezas da Pérsia foram apresentadas.” Quando Deus concede riquezas a uma nação”, disse ele, “a inveja e ciúme crescem em seu povo e, como resultado, nascem a inimizade e a injustiça”. Com sua visão espiritual, os Companheiros previam o que essas riquezas fariam ao caráter de seu povo. Eles opuseram-se à acumulação de riqueza que prejudicaria a missão espiritual do Islã. Por exemplo, um dos itens espoliados da Pérsia era um tapete requintado chamado “farsh-e-bahar” (o tapete da primavera). Era uma posse de monarcas persas e era tão grande que poderia acomodar mil convidados bebendo e comendo sobre ele. Algumas pessoas em Medina queriam preservá-lo. Ali ibn Abu Talib (601 – 661) (r) insistiu para que o tapete fosse destruído. A sugestão de Ali (r) foi atendida e o tapete foi desfiado.
Omar (r) fez com que o tesouro não se tornasse um pretexto para o acúmulo de ouro e prata. As gemas e joias foram vendidas e os lucros foram distribuídos para que todas as pessoas se beneficiassem. O capital em circulação cresceu e o comércio floresceu. Os cronistas recordam que quando Omar ibn al Khattab (r) foi assassinado, havia apenas ração suficiente no tesouro para alimentar dez pessoas. A firmeza e a sabedoria necessárias para administrar a súbita infusão de riqueza desapareceram com o falecimento de Omar (r). Dentro de dez anos após sua morte, a comunidade islâmica estava em desacordo e em meio a uma guerra civil de grande escala.
Depois da fé religiosa, a riqueza é o motor mais importante na construção de uma civilização. Apropriada e gerenciada adequadamente, a riqueza, como energia excedente do esforço humano, inclina à inventividade e ao avanço civilizatório. Quando é acumulada, isso leva à contração econômica, promove ciúmes, intriga, ganância, lutas internas e, finalmente, destrói uma civilização.
A origem das guerras civis está no ouro da Pérsia. Enquanto a figura imponente de Omar (r) estava presente, as pressões que inevitavelmente acompanham a riqueza repentina foram mantidas sob controle. Omar (r) administrou o estado com justiça, firmeza e equidade. A menor indicação de nepotismo foi punida. O auto-enaltecimento foi desencorajado publicamente. Mesmo um popular e bem sucedido general, como Khalid bin Walid (592 – 642), não escapou do castigo quando descobriu-se que ele havia pago um poeta para escrever um poema em louvor de sua própria pessoa (Apesar de Khalid ter sido exonerado, mais tarde descobriu-se que pagou seu desejo com dinheiro de seu próprio bolso).
Enquanto estava deitado no seu leito de morte, Omar (r) nomeou um comitê de seis pessoas para selecionar seu sucessor com instruções explícitas de que eles não deveriam selecionar seu próprio filho, Abdullah bin Omar (614 – 693 d.C) (r), nem se nomear. O comitê consistiu em Ali ibn Abu Talib (r), Uthman bin Affan (577 – 656 d.C) (r), Zubair ibn al Awwam (594 – 656 d.C), Talha ibn Ubaidallah (595 – 656 d.C), Sa’ad ibn Waqqas (595 – 674 d.C) e Abdur Rahman ibn Aus (580 – 652 d.C). Abdur Rahman ibn Aus foi encarregado de guiar a comunidade em relação à questão da sucessão. Assim o fez e descobriu que havia apoio generalizado para Ali (r) e Uthman (r). Antes de uma grande reunião na mesquita do Profeta, a questão foi colocada aos dois finalistas: “Vocês desempenharão as responsabilidades desta tarefa de acordo com os Mandamentos de Deus, Seu Mensageiro e o exemplo dos dois shaykhs (Abu Bakr (r) E Omar (r))?” A Ali (r) foi concedido primeiro a oportunidade de responder. Respondeu que conduziria a função de acordo com os Mandamentos de Deus e Seu Mensageiro. A resposta foi considerada pelos ouvintes querendo significar que Ali (r) mostrou-se ambíguo sobre o legado de Abu Bakr (r) e Omar (r). Uthman (r) foi então indagado com a mesma pergunta, e respondeu que, de fato, ele serviria de acordo com os mandamentos de Deus, Seu Mensageiro e o exemplo dos dois shaykhs. Uthman bin Affan (r) obteve a vitória e foi eleito califa.
A questão, embora aparentemente inócua, foi manejada em favor de Uthman (r). A menos que se trate de um argumento forte para a continuidade histórica, alguns estudiosos argumentam que não era necessário incluir a tradição dos dois Shaikhs como pré-requisito para o Califado naquele momento. A questão, no entanto, é muito mais profunda do que esse simples argumento. O que estava ocorrendo era um desdobramento histórico das diferenças entre os Companheiros em relação a – adequação de ijma (consenso dos sábios) na aplicação da Shariah. Tais diferenças foram codificadas nos últimos tempos nas diferentes escolas de Fiqh (jurisprudência religiosa). O importante é que as diferenças não foram doutrinárias; mostraram-se ser apenas diferenças de ênfase.
Uthman (r) tinha mais de setenta anos quando eleito califa. Era um homem de piedade, um erudito, um homem de extrema integridade e humildade e um dos primeiros companheiros do Profeta. Ele era um homem de bens e usava sua riqueza com larga generosidade ao serviço da comunidade islâmica. Ele era casado com Ruqaiyya (601 – 624 d.C), a filha do Profeta e depois de sua morte, casou-se com Umm Kulthum, outra das filhas do Profeta. Mas Uthman (r) também era extremamente tímido e indeciso. Tais qualidades, que podem ser inócuas em um indivíduo, se mostrariam capitais em Uthman (r) como regente. Mais significativamente, Uthman (r) pertencia aos Banu Umayyah (Omíadas). Nos tempos pré-islâmicos, os Omíadas frequentemente competiam por poder e prestígio com os Bani Hashim (Hashimitas), a tribo a que o Profeta e Ali ibn Abu Talib (r) pertenciam. Esses fatores tornaram-se cada vez mais importantes à medida que a unidade promovida pelo islamismo se agravava sob as pressões geradas durante o período de Uthman (r).
O califado de Uthman (r) durou doze anos e pode ser dividido em duas fases distintas. Durante os primeiros seis anos, o impulso criado por Omar ibn al Khattab (r) trouxe exércitos muçulmanos para o Azerbaijão, Kirman, Afeganistão, Khorasan e Cazaquistão no leste e na Líbia para o oeste. Várias rebeliões no Curdistão e na Pérsia foram suprimidas.
Duas das iniciativas empreendidas por Uthman (r) durante este período tiveram um impacto duradouro na história islâmica. Foi por iniciativa de Uthman (r) que a pronunciação do Alcorão foi padronizada. O Alcorão foi revelado ao Profeta como a Palavra de Deus e foi memorizado por centenas de hafiz (memorizadores do Alcorão). Após a Batalha de Yamama, quando muitos hafiz morreram, Abu Bakr as Siddiq (r), sob o conselho de Omar ibn al Khattab (r) ordenou que o Alcorão fosse transformado em livro exatamente segundo os parâmetros de organização que o Profeta havia estipulado. A Organização escrita do Alcorão é chamada Mushaf e Siddiqi. A língua árabe, como normalmente é escrita, não apresenta as vogais e a pronunciação é deduzida do contexto. Consequentemente, Mushaf e Siddiqi não apresentava nenhuma vogal. À medida que o Islã se espalhava para além das fronteiras da Arábia em áreas que não eram de língua árabe, havia o risco de uma pronúncia errada com consequente interpretação errada da Palavra Revelada. Uthman (r) ordenou a preparação de uma cópia escrita contendo vogais e consoantes consistentes com as recitações do Profeta. Onde os estilos de recitação usados pelo Profeta variaram todos eles foram observados.
A segunda iniciativa foi a construção de uma armada. Omar (r) havia resistido a ideia por julgar prematura para um exército árabe usado para movimentos rápidos no deserto. Por recomendação de Muawiya, Uthman (r) ordenou a construção de uma poderosa armada para verificar o poder bizantino no Mediterrâneo oriental. Uma força naval foi construída e Chipre foi capturado. A expansão contínua da armada proporcionou ocasião dez anos depois para um assalto naval à capital bizantina, Constantinopla (atual Istambul).
Foi durante a segunda metade do califado de Uthman (r) que divisões sérias surgiram na comunidade islâmica. A natureza tímida, retirada e indecisa de Uthman foi um convite para os criadores de sedições. Alguns da tribo de Banu Umayyah aproveitaram essa indecisão para criar grandes propriedades para si. Uthman (r) removeu alguns dos administradores nomeados por Omar (r) e os substituiu por homens da tribo Banu Umayyah. Alguns desses nomeados não eram qualificados para suas posições. Quando a incompetência desses oficiais chegou à sua atenção, Uthman (r) muitas vezes hesitou e ações corretivas foram postergadas. Como Uthman (r) pertencia aos Banu Umayyah, ele era vulnerável a acusações de nepotismo. As animosidades tribais pré-islâmicas entre Bani Hashim e Banu Umayyah, que existiram à época do Profeta, surgiram mais uma vez.
O elemento mais importante na instabilidade política resultante foi a enorme riqueza adquirida da Pérsia. Os registros de Mas’udi (896 – 956 d.C) (como relatado por Ibn Khaldun (1332-1406), Muqaddamah, página 478, op. Cit.), “No dia em que o califa Uthman (r) foi assassinado, o tesoureiro tinha sob seu poder pessoal, uma soma de 150.000 dinares e 1.000.000 de dirhams . Além disso, ele possuía propriedades no valor de 200 mil dinares nos vales de Qura e Hunain, onde manteve uma grande quantidade de camelos e cavalos. Uma das propriedades pertencentes a Zubair (594 – 656) valia 50 mil dinares onde ele mantivera 1.000 cavalos. Talha (594 – 656) obteve uma renda de mil dinares de suas propriedades no Iraque. Abdur Rahman bin Awf (580 – 653) tinha 1.000 cavalos em seu estábulo, além de 1.000 camelos e 10.000 cabeças de ovelhas. Após sua morte, um quarto de sua propriedade foi avaliado em 84 mil dinares. Zaid bin Thabit (615 – 665) possuía tijolos de ouro e prata que demandavam um grande machado robusto para que fosse possível cortá-los. Zubair tinha construído várias casas em Basrah, Egito, Kufa e Alexandria. Da mesma forma, Talha possuía uma casa em Kufa além de uma antiga residência em Medina, que ele havia renovado com tijolos, argamassa e madeira de carvalho. Sa’ad bin Waqqas (595 – 674 d.C) construiu uma mansão, de pedra vermelha. Maqdad construiu uma casa em Medina, e a rebocou no interior e no seu exterior”.
Masudi continua afirmando que essa riqueza foi adquirida legitimamente através do espólio e do comércio. Embora a riqueza, adquirida legitimamente, não tenha influenciado os Companheiros, muitos outros na comunidade eram menos optimistas sobre como a riqueza foi adquirida ou sobre como ela era usada. A nova opulência da comunidade contrastava com a simplicidade com que viviam os califas anteriores. Omar ibn al Khattab (r), enquanto ele era o califa, costumava cobrir os buracos de suas roupas esfarrapadas com nódoa de pele de cabra. Mas os tempos mudaram. A infusão de ouro persa mudou o caráter de alguns dos árabes. Damasco, que era governado por governantes Omíadas, tornou-se uma cidade de palácios. Começou um inexorável processo de decadência em que o luxo deslocou a robustez da vida nômade e retirou os homens e as mulheres da transcendência do espírito levando-os aos prazeres da carne.
A crescente corrupção deu uma oportunidade para a propagação de rumores, insinuações e preconceitos. Neste cenário turbulento, dois personagens destacam-se. Um foi Abdullah bin Saba (século VII), um converso recente, que tentou virar Uthman (r) contra Ali (r) e incitou o povo de Kufa (Iraque) e do Egito contra Uthman (r). O outro era Hakam bin Marwan (623 – 685), um Omíada, que Uthman (r) havia nomeado como seu secretário-chefe. Hakam foi responsável pela correspondência oficial e abusou desta posição privilegiada para arbitrariamente representar mal Uthman (r) em momentos críticos. A insatisfação e o descontentamento finalmente entraram em erupção e rebelião abertas. Bandas de rebeldes de Kufa e Egito entraram em Medina, cercaram a residência do califa e exigiram sua renúncia. Uthman (r) não pôde cumprir esta demanda porque isso destruiria o califado como instituição. Ele foi atacado e impiedosamente executado em 655 d.C. As guerras civis começaram.
Ações que são impulsionadas por paixões geram paixões semelhantes com consequências imprevisíveis. O assassinato de Uthman (r) desencadeou o caos em Medina. Não havia liderança, nenhuma ordem e nenhuma autoridade na cidade. O corpo de Uthman (r) não foi reclamado por mais de 24 horas quando um grupo de muçulmanos reuniu coragem para realizar a ablução final e enterrar o califa assassinado na escuridão da noite. Apenas dezessete homens participaram do funeral. Em meio a esse caos, foram feitas declarações a Ali ibn Abu Talib (r) para aceitar o califado. Ele hesitou, mas cedeu a insistência de alguns dos principais companheiros do Profeta e tornou-se o quarto califa do Islã.
Ali (r) entendeu que o assassinato de Uthman (r) era um sintoma de um problema mais profundo. O ouro da Pérsia criou um poderoso redemoinho no qual o corpo islâmico político foi apanhado. Algumas dessas riquezas encontraram lastro para as capitais provinciais onde financiou um estilo de vida opulento. Aqueles que haviam se acostumado com esse estilo de vida estavam relutantes em mudar e reverter para a simplicidade exigida pelo Profeta.
A primeira prioridade de Ali (r) era estabelecer ordem. Ele desejava alcançá-la de tal forma que a própria doença seria curada no caminho. Percebendo que qualquer reforma deve começar do topo, Ali (r) exigiu a renúncia dos governadores provinciais. Como veremos, isso provou ser uma decisão fatídica. Alguns dos governadores são obrigados a se retirar; outros recusaram expedindo uma declaração aberta de rebelião. Notável entre os últimos foi Muawiya bin Abu Sufyan (602 – 680), o governador dos Omíadas da Síria.
Fé e riqueza são os dois dos motores mais poderosos da história. Vemos pela primeira vez após o assassinato de Uthman (r) a atração oposta desses dois elementos. A riqueza é como um cavalo selvagem. Quando é domesticado, ele se move com graça e dá energia a quem o monta. Indomado, ele se destrói e consigo leva quem o monta. A fé é o arnês que domina a riqueza. Sem a disciplina que vem com a fé, a riqueza leva à ganância e destrói tudo o que constrói uma civilização. O que era necessário depois da conquista da Pérsia era a firmeza e determinação de alguém como Omar (r). A natureza tímida e retirada do terceiro califa Uthman (r) foi uma receita para o desastre. Na segunda metade do califado de Uthman (r), vemos como a nova riqueza gerou corrupção e nepotismo, ameaçando destruir a própria fé que permitiu aos muçulmanos ganhar a riqueza.
Ali (r), treinado como foi pelo Profeta Mohamed (A paz esteja sobre ele), queria restabelecer a vida islâmica após o prístino exemplo do Profeta. Mas os tempos mudaram. A conquista do Império Persa fez com que alguns notáveis fossem extremamente enriquecidos. Esses nobres prefeririam lutar para manter seus privilégios a render-se. O islamismo era agora uma religião tanto deste mundo quanto era do mundo vindouro e teve que competir na base do poder pessoal e do prestígio para a fidelidade dos corações das pessoas. A luz beatífica do exemplo do Profeta teve que chegar a um acordo com a realidade mundana do ouro e da ganância.
A fé e a ganância estavam em combate mortal. Neste contexto, o assassinato de Uthman (r) foi um evento que forneceu combustível para os combatentes. A prioridade de Ali (r) era estabelecer a ordem. Mas muitos dos Companheiros desejavam resolver a questão do assassinato de Uthman (r) como primeira prioridade. Exigiram qisas (a apreensão e a devida punição aos assassinos conforme prescrito pelo Alcorão). Para eles, a justiça deveria ter precedência sobre a ordem.
Tão chocada ficou a comunidade islâmica no assassinato de Uthman (r) que não menos Aisha binte Abu Bakr (612 – 678) (r), esposa do Profeta, abordou a questão das qisas. Companheiros notáveis como Talha ibn Ubaidallah e Zubair ibn al Awwam se juntaram à briga. No ano 656, Aisha (r) partiu de Meca para Basra (Iraque) com uma força de 3.000 homens. Este foi realmente um momento grave. Aqui estava a própria Ummul-Momineen (esposa do Profeta Mohamed), marchando para capturar e punir os assassinos de Uthman (r) e no processo minando a autoridade do califado. Um sentimento de tristeza e desamparo tomou a comunidade da Meca. Alguns se juntaram à briga, incluindo os bem conhecidos Companheiros do Profeta Talha ibn Ubaidallah e Zubair ibn al Awwam. Um grande número sentiu a gravidade da situação e permaneceu neutro.
A posição de Aisha (r), motivada por um desejo fervoroso de reformar a comunidade e punir o culpado, teve o efeito de criar uma força armada independente do califado e enfraquecer sua autoridade. Não pode haver duas forças armadas independentes dentro de um estado político. A justiça, conforme exigido por Aisha (r), deveria entrar em conflito com a ordem desejada por Ali (r). As duas posições colidiram na Batalha de Camel (656).
Ali (r) estava preparando-se para marchar na Síria para controlar Muawiya. Mas o movimento da força de Meca sob Aisha (r) em relação ao Iraque foi um distúrbio que não podia ser negligenciado. Assim, Ali (r) marchou para o Iraque à frente de uma força de 700 homens. Esta foi outra decisão fatídica, pois Ali (r) nunca conseguiu retornar a Medina. As rodas do destino foram colocadas em movimento. Quando se aproximou de Kufa (Iraque), a hoste de Ali foi reforçada por um forte contingente de vários milhares de iraquianos. Era apenas uma questão de tempo antes de as forças combinadas de Medina e Iraque sob Ali (r) confrontar a força de Meca sob Aisha (r).
Foram feitas cuidadosas tentativas para reunir as posições dos dois lados para evitar conflitos armados. Um entendimento foi realmente alcançado entre os dois lados para evitar a guerra e conciliar a comunidade. As facções que foram responsáveis pelo assassinato de Uthman (r) foram determinadas em sabotar o acordo porque uma reconciliação pacífica os exporia a severas punições de ambos os lados. Uma dessas facções, liderada por um recém converso Abdulla bin Saba, foi particularmente ativa no Iraque e no Egito. Determinados a fazer um acordo de paz por qualquer meio, os seguidores de Saba atacaram ambos os campos na escuridão da noite. Na confusão que se seguiu, cada lado pensou que o outro o havia enganado. Quando Aisha (r) montou seu camelo para controlar a situação, seu grupo assumiu que ela havia feito isso para liderar pessoalmente a acusação. A guerra geral entrou em erupção. Milhares morreram em questão de horas. Entre as baixas do conflito estava o notável companheiro Talha ibn Ubaidallah. Outro bem conhecido companheiro Zubair ibn al Awwam se retirou, mas foi assassinado a caminho do campo de batalha. Percebendo que, enquanto Aisha (r) fosse visível em seu camelo, a batalha continuaria, Ali (r) ordenou que seu camelo fosse derrubado. Quando o camelo caiu, o lado de Aisha (r) caiu em desordem. Ali (r) conquistou decisivamente a batalha. Aisha (r) foi tratada com a maior cortesia e foi enviada de volta a Meca sob escolta militar.
A Batalha de Camel foi um desastre para os muçulmanos. Destruiu a coesão da comunidade islâmica que foi proferida com tanto cuidado pelo Profeta. Aisha (r) expressou seu pesar por esta batalha no final da vida. Foi a primeira rodada de uma guerra civil que abalou o Islã e que culminou em Karbala. Embora Ali (r) tenha conquistado decisivamente a batalha, enfraqueceu sua posição política e encorajou seus oponentes a persistirem em suas demandas de qisas. Os assassinos de Uthman (r) puderam ter certeza de que poderiam se esconder atrás de uma facção ou outra e escapar da punição. Na verdade, Ali (r) nunca foi capaz de nomear um tribunal para levar os assassinos de Uthman (r) à justiça.
A Batalha do Camel deu a Muawiya tempo adicional para se preparar para a próxima luta contra o califa Ali ibn Abu Talib (r). A roupa manchada de sangue de Uthman (r) foi pendurada na porta da Grande Mesquita em Damasco. Pessoas de todo o lado visitaram a mesquita e vislumbraram o sangue de Uthman (r), choravam e juravam vingar o sangue do terceiro califa. Cumplicidade de Ali (r) no assassinato de Uthman (r) foi alegada primeiro em segredo e depois abertamente. Muawiya recrutou o apoio de um conhecido orador, Shurahbeel bin Samat Kindi, para difundir toda essa acusação na Síria. Por tais meios, Muawiya conseguiu unir os sírios contra Ali (r) e construiu uma sólida força militar de 70 mil homens para enfrenta-lo.
A luta entre Ali (r) e Muawiya foi um exemplo clássico de uma batalha entre princípio e política. Alguns muçulmanos a consideraram como uma luta entre Tareeqah (escola de educação espiritual) e Shariah. Outros se esquivaram de examinar o conflito citando a honra e o respeito que é devido a todos os Companheiros do Profeta. Contudo, outros sustentaram que o ijtihad (raciocínio jurídico) de Ali (r) e Muawiya estavam corretos, mas o de Ali (r) era de uma ordem superior à de Muawiya. Não tomamos nenhuma posição em relação à questão, exceto de citar os fatos históricos à medida que se desenrolaram. Ali (r), que o Profeta chamou de “porta de entrada ao meu conhecimento”, era um manancial de espiritualidade, um homem de princípio, um grande erudito, um soldado nobre, mas estava apanhado nas tempestades políticas geradas pelo califado de Uthman (r) e seu assassinato. Muawiya era um administrador consumado, um político soberano e um inimigo determinado. Os dois provaram ser fiéis às suas posições até o final de suas vidas. Ali (r), como califa legítimo, desejava estabelecer a ordem primeiro e depois atender a outros assuntos de estado, incluindo o assassinato de Uthman (r). Ali (r) não consumou seu intento e a batalha consumiu o seu califado e sua pessoa. Muawiya exigiu primeiro as qisas, antes de aceitar o califado de Ali (r).
Por sua vez, Ali (r) mudou a capital do estado islâmico de Medina para Kufa (656) e consolidou sua posição. Ele criou um exército de 80 mil cabeças para a marcha na Síria. Este exército era composto principalmente de iraquianos, com contingentes de Medinitas e Persas. Ao ver as tempestades se juntarem no horizonte, alguns Companheiros notáveis tentaram fazer a paz. Abu Muslim Khorasani (718 – 755) convenceu Muawiya a escrever para Ali (r). Em sua carta, Muawiya ofereceu seu juramento de fidelidade a Ali (r) se ele entregasse os assassinos de Uthman (r). Mas até agora as posições se endureciam em ambos os lados. Muawiya sabia que Ali (r) era politicamente fraco no momento para atender essa demanda. Quando a questão foi levantada antes de um grande encontro na mesquita de Kufa, mais de 10 mil iraquianos levantaram as mãos e declararam que cada um deles era um assassino de Uthman (r). O mensageiro da Síria voltou com as mãos vazias.
Muawiya, com seu exército sírio, foi o primeiro a se mudar para o Iraque e ocupar as águas do Eufrates perto das planícies de Siffin. Quando o exército de Ali (r) chegou à cena, água lhes foi negada. Ali (r) ordenou prontamente que os sírios fossem expulsos e controlou os recursos hídricos. A Batalha de Siffin começou. Foi uma das batalhas mais sangrentas à época. Durante três meses, os sírios e os iraquianos se afastaram com fúria total, convencidos de que suas respectivas posições estavam corretas. Mais de 40.000 pessoas perderam a vida. Tão genial foi o banho de sangue que muitos dos dois lados se perguntavam em voz alta se os muçulmanos sobreviveriam se essa carnificina continuasse.
Durante muito tempo a batalha foi um impasse sem que nenhum dos lados ganhasse uma vantagem decisiva. Mas na noite de Laitul-Hareer (a Noite da Batalha), os partidários de Ali (r) atacaram com força tão letal que os sírios perceberam que estavam à beira da derrota. Foi aqui que Muawiya jogou mais uma artimanha. Com o conselho de Amr bin al As (585 – 664), a quem Muawiya havia prometido o governo do Egito, os sírios levaram cópias do Alcorão em suas lanças e declararam que aceitariam o hakam (arbitragem) do Alcorão entre as partes contestantes. Ali (r) viu através desta artimanha, mas estava impotente diante da demanda determinada por ambos os lados.
Esta foi mais uma das decisões fatais para o califa Ali (r). A aceitação da arbitragem estabeleceu Muawiya como um contendor legítimo de poder com Ali (r). Os dois lados estabeleceram um tribunal de duas pessoas, um de cada partido, para decidir entre Muawiya e Ali (r). Abu Musa Aashari, um piedoso companheiro idoso do Profeta, foi selecionado para representar Ali (r). Amr bin al As, um partidário declarado, era o representante de Muawiya.
Foi nesse momento que um grupo do exército de Ali se afastou. Eles foram chamados Al Khwarij (aqueles que se afastaram, também chamados Kharijitas). Os Kharijitas ficaram furiosos porque, em sua opinião, o Califa Ali ibn Abu Talib (r) cometeu shirk (ato de adorar qualquer outro que não seja Deus) aceitando a arbitragem de homens em oposição ao hakam (arbitragem) do Alcorão. E a menos que ele se arrependesse, eles prometeram se opor a Ali (r).
Esta foi uma ilustração clássica de como a transcendência da revelação divina é comprometida quando pessoas de compreensão limitada aplicam-na em assuntos mundanos. Os Kharijitas justapunham duas ayats (versículos do Alcorão) e extraíram uma justificativa para suas atividades implacáveis. Inicialmente, eles forçaram Ali (r) a aceitar a arbitragem com base na Ayat: “Se alguém falhar em julgar pelo que Deus revelou, esse são dos malfeitores” (Alcorão, 5:47). Então eles se afastaram quando um tribunal foi nomeado, baseando sua posição em outra Ayat: “No entanto, aqueles que rejeitam a fé mantêm (outros) como iguais a seu Senhor” (Alcorão, 6: 1). Era posição deles que o Alcorão sozinho era o árbitro; o arbitramento de homens não era aceitável.
Os árbitros decidiram que Ali (r) e Muawiya deveriam renunciar e que uma substituição deveria ser eleita pela comunidade. Quando chegou a hora de tornar este anúncio público, outro truque foi usado. Abu Musa Aashari foi convidado a falar primeiro e ele anunciou fielmente a decisão conjunta. Mas quando Amr bin al As seguiu, ele mudou a narrativa previamente acordada: “Ó povo, vocês ouviram a decisão de Abu Musa. Ele depôs seu próprio homem e agora eu também o deponho. Porém eu não deponho meu próprio homem Muawiya. Ele é o herdeiro de Emir ul Momineen (comandante dos fiéis) Uthman (r) e quer vingança legal por seu sangue. Portanto, ele tem mais direito de tomar assento do califado”. Houve um pandemônio na reunião. Acusações voaram. Mas era tarde demais. Quando a notícia desse episódio chegou a Ali (r), ele ficou triste. Amr bin al As retornou a Damasco, onde Muawiya foi declarado califa (658). Foi assim que, durante os anos 658-661, houve dois centros de califado, um em Kufa e outro em Damasco.
Esta chicana era inaceitável para os seguidores de Ali (r) e a guerra continuou. Durante três anos várias províncias foram disputadas entre Muawiya e Ali (r), incluindo Medina, Meca, Jazira, Anbar, Madain, Badya, Waqusa, Talbia, Qataqtana, Doumatul Jandal e Tadammur. Finalmente, ambos os lados pareciam ter cansado e uma trégua foi declarada em 660. Segundo os termos, Ali (r) manteve o controle de Meca, Medina, Iraque, Pérsia e as províncias ao leste. Muawiya manteve o controle sobre a Síria e o Egito.
A partição de facto reestabeleceu a fronteira geopolítica histórica entre Bizâncio e Pérsia, e fronteiras do Eufrates. Como vimos mais de uma vez em nossa exposição da história islâmica, essa fronteira foi reafirmada por muitos califas e sultões, tanto que a experiência histórica dos persas, dos asiáticos centrais, dos índios e dos paquistaneses de hoje é significativamente diferente da experiência histórica dos sírios, jordanos, libaneses, egípcios e norte-africanos. A Síria e o Egito não aceitaram o califado de Ali (r) até o período Abássida (750), enquanto Ali (r) tornou-se para todos os tempos o califa, o “Leão de Deus”, professor e mentor para persas e muçulmanos aculturados persas ao leste.
Os Kharijitas não se contentaram em se afastar de Ali (r). Eles procuraram alterar o status quo através do assassinato, e do caos; e decidiram assassinar simultaneamente Ali (r), Muawiya e Amr bin al As, culpando estes três pelas guerras civis. O assassinato de Ali (r) foi bem sucedido. Muawiya escapou com uma pequena ferida. Amr bin al Como não se apresentou a oração no dia em que ele deveria ser assassinado, seu designado foi morto em seu lugar. Ali ibn Abu Talib (r), o Quarto Califa do Islã e o último na linha dos ilustres homens que se esforçaram para governar de acordo com a Sunnah (tradição) do Profeta, morreu no dia 20 do Ramadã, no ano de 661.
As tempestades criadas pelo assassinato de Uthman bin Affan (r) eliminaram a unidade na comunidade islâmica. Ali ibn Abu Talib (r) tentou dirigir o estado em águas tempestuosas; no esforço, no ele mesmo afundou. Dizem que ele está enterrado em Kufa. Mas um exame minucioso das crônicas revela que sua sepultura não é conhecida. Pode ser em Kufa, ou no deserto, ou seu corpo pode ter sido enviado a Medina para o enterro, para que os Kharijitas não o destruíssem. O tributo duradouro que é pago pela história a este grande homem é que todos os muçulmanos, quer sejam xiitas, sunitas, zaidi ou fatímidas, eles o aceitam como califa do islã. Ele é o Qutub (polo espiritual dos Sufis.), um orador consumado, uma torre de firmeza, um pilar de coragem, fonte de espiritualidade. Ele foi o criador da gramática árabe clássica. O Profeta o chamou, “meu irmão… ‘’ e ‘’Porta ao meu conhecimento”. Seus eloquentes discursos, coletados sob o título de Nahjul Balaga, têm um apelo universal. Nenhuma outra pessoa na história islâmica tem tal honra.
Fonte: https://historyofislam.com/contents/the-age-of-faith/the-civil-wars/
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