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Quem foi Rumi? – Uma breve Biografia

”Você não é só uma gota no oceano, você é o próprio oceano dentro de uma gota.” Rumi

 

Jalāl al-Dīn Rūmī b. Bahā’ al-Dīn Walad b. Ḥusayn b. Aḥmad Khaṭībī, nasceu em  6 de Rabīc al-Awal. no ano 604 do calendário islâmico (30 de setembro de 1207 do calendário gregoriano) próximo da antiga cidade de Balkh em uma região de Khorāsān (atual Afeganistão) e morreu em 5 de Jumāda al-Thania 672 (17 de dezembro de 1273 no calendário gregoriano) em Konya (atual Turquia). Seu nome de nascimento era o mesmo que o de seu pai: Muhammmad. Desde muito cedo, seu pai acostumou-se a chamá-lo pelo título arábico Jalāl al-Dīn (”A Glória da Religião”). Ele também foi chamado por outro título árabe, Mawlānā (”nosso Mestre”) como o era seu pai. Além disso, seus discípulos o chamavam por seu título persa, Khodāwandgar (”grande Mestre”). Ele era conhecido como Rūmī (”Rinabi”) porque dispendeu a maior parte de sua vida na região conhecida pelos muçulmanos como “Rūm,” a península da Anatólia, a maioria dos quais havia sido conquistada pelos Saljūq Turcos após séculos de governo do Oriente (Bizantino), Império Romano.

Durante muito tempo Mawlānā foi considerado como um dos maiores poetas persas de todos os tempos e foi chamado de ”certamente o maior poeta místico na história da humanidade” (Arberry, 1949, p. xix). É autor das seguintes obras poéticas: Dīvān-é Kabīr (”Grandes obras poéticas reunidas”) ou Dīvān-é Shams-é Tabrīzī (que contém, nos primeiros manuscritos, mais de 3.000 ghazaliyāt ou poemas líricos, 40 tarjīcāt ou poemas stanzaicos, mais de 1800 rubācīyāt ou poemas em quadras), e Mathnawī-yé Macnawī (“Dísticos de profundo significado espiritual”), considerado seu maior trabalho composto em seus últimos anos, que contém mais de 25,000 versos autênticos). Ao longo dos séculos, muitos poemas e versos, e até mesmo supostas ”adaptações” dentro de versos, foram adicionadas aos manuscritos mais tradicionais; versos e poemas com menor confirmação de sua autenticidade são reivindicados como pertencentes a Mawlānā em livros e artigos contemporâneos. Suas obras em prosa crê-se haverem sido compiladas após sua morte, são Fīhi Mā Fīhi (“Whatever Is In It, Is In It,” também conhecido como ”Discursos de Rumi”), Majālis-é Sabca (“Seven Sessions,” também conhecido como ”Sermões”), e Maktūbāt (“Cartas”).

A mais comum história da vida de Mawlānā é bem conhecida: como ele emigrou de Balkh com sua família antes de sua destruição pelo exército Mongol de Genghis Khan, viajou de um lugar para outro (incluindo Meca) com sua família antes de morar em várias cidades da Anatólia (Atual Turquia) e finalmente se mudou para Konya (a antiga cidade de Iconium), sucedeu seu pai que era um renomado erudito religioso, conheceu o errante dervish Shams al-Dīn Tabrīz que teve um impacto transformador em sua vida, foi perturbado pelo ciúme de seus seguidores, o que acabou levando ao primeiro desaparecimento de Shams; enviou seu filho mais velho (Sulṭān Walad) para trazer Shams de volta de Damasco, ficou completamente aflito quando Shams desapareceu permanentemente, desde então, tornou-se mais profundamente criativo do que nunca como um poeta místico, e foi sucedido (após a morte de seu principal discípulo, Ḥusām al-Dīn Chalabī) por Sulṭān Walad, que foi o primeiro a organizar a Tradição dos Sufis Mawlawī (Mevlevi) – mais tarde conhecidos no Ocidente como os ”Dervixes Giradores”.

Aqui, certos aspectos de sua vida foram selecionados por importância, dos quais desafiam suposições e alegações que ocorrem com frequência em muitos dos livros e artigos sobre Mawlānā.

De acordo com Sepahsālār, que escreveu que ele era o discípulo direto de Mawlānā, o nascimento de Mawlānā foi no ano de 1207 D.C. (p.22). E Aflākī também aceitou este ano em sua hagiografia (p.73), escrito a pedido do neto de Mawlānā (entre 1318-1353) e mencionou a data completa como 30 de setembro de 1207 (6 de Rabīc al-Awwal 604 A.H.). No entanto, alguns estudiosos de Mawlānā pensaram que havia evidências de uma data de nascimento anterior, mas esta opinião não foi aceita pela maioria dos estudiosos (Lewis, pp. 317-20).

Há evidência, baseada no jornal de seu pai, Macārif, , que Mawlānā nascera em Wakhsh (Atual Tajiquistão), a cerca de 240 quilômetros ao nordeste de Balkh no Vale do rio Wakhsh (Que desemboca em Āmū Daryā, ou Rio Oxus), onde seu pai viveu e trabalhou como jurista e pregador entre 1204 e 1210 (Bausani, 1965, p. 393; Meier; Schimmel, p. 11; Lewis, pp. 47-49). A cidade de Wakhsh era culturalmente uma parte da cidade de Balkh. No ano de 1212, o pai de Mawlānā mudou-se com sua família a Samarqand (Atual Uzbequistão). Ele presumivelmente retornou a Balkh em algum momento, desde que ele e sua família emigraram de lá para a Anatólia por volta de 116 ou 1217. Uma vez que há razão para acreditar que Mawlānā viveu em Balkh por algum período de tempo, isso dá justificativa para considerá-lo nativo de Baalkh, um ”Balkhī.”

O pai de Mawlānā, Bahā’ al-Dīn Walad, pode ter nascido e crescido em Balkh. No entanto, não há evidência que corrobore que ele fosse um erudito religioso em Balkh (Lewis, pp. 46-47, 54-55); em vez disso, desenvolveu-se uma estória miraculosa, baseada em um sonho que ele registrou em seu diário, que o Profeta Mohammad o declarou ”Sultão dos Eruditos Religiosos” Presumivelmente, ele viveu em Balkh por algum período como pregador, erudito, e mestre espiritual. Portanto, ele também pode ser considerado um “Balkhī,” um homem de Balkh. Livros sobre Mawlānā normalmente dizem muito pouco a respeito de seu pai, apenas descrevem-no como erudito e jurista muçulmano. Porém, Bahā’ al-Dīn era um místico extraordinário, cujo foco não era discursar, mas em experiência da presença de Deus por meio de oração, sonho, visões, e intimidade. Há evidências de que os próprios ensinamentos místicos de Mawlānā foram fortemente influenciados por seus estudos sobre o diário de experiências e intuições místicas de seu pai (Lewis, pp. 82-86, p.107).

Um certo número de estórias sobre a vida de Mawlānā foram adicionadas ou alterados em ordem de adequar-se a necessidades hagiográficas. Por exemplo, alegações feitas de que ele era descendente de Abu Bakr (o primeiro sucessor do Profeta Mohhamad) e que sua avó foi princesa real (a filha de Khwārazmshāh, o rei de Khorāsān ou Pérsia oriental). Estas asserções foram refutadas por estudiosos (Forūzānfar, 1988, p. 8; Lewis, p. 91). A lenda de que a avó de Mawlānā teria sido uma princesa costumava apoiar uma alegação feita por estudiosos turcos que Mawlānā na verdade seria turco e que sua língua nativa era a língua turca (baseada na suposição de que a família regente na Ásia Central pertencia a uma dinastia turca). Uma afirmação relacionada é que Mawlānā aprendeu mais tarde um “dialeto persa da Anatólia” (Önder, pp. 198-99). Estas afirmações são contraditadas pelo fato de que não há mais de duas dúzias de versos contendo palavras turcas dentre todos os milhares de versos compostos por Mawlānā em seu Dīwān (Lewis, pp. 548-49) e muito poucas palavras em seu Mathnawī. Além disso, as obras poéticas de seu filho (Sulṭān Walad) e seu neto (Ūlū cārif Chalabī) são inteiramente em persa, exceto por um pequeno número de poemas em língua turca.

Uma afirmação (feita no século 15) de que Mawlānā conheceu o grande poeta sufi cAṭṭār quando criança permite que ele seja visto como “abençoado” com um dom poético semelhante (Lewis, pp. 64-65). A afirmação (também feita no século XV) de que o pai de Mawlānā era um discípulo do famoso mestre Sufi Najm al-Dīn Kubrā pode ser considerada lendária, já que permanece infundamentada (Lewis, pp. 30-33, 92).

Muitos livros e artigos sobre a vida de Mawlānā o descrevem como um intelectual religioso convencional, um erudito e juiz islâmico (como seu pai tende a ser descrito), que de repente se transformou em místico depois de conhecer Shams-é Tabrīzī. Embora não haja dúvidas de que suas experiências com Shams-é Tabrīzī foram enormemente transformadoras, Mawlānā já havia passado nove anos de treinamento Sufi com o principal discípulo e sucessor de seu pai, Sayyid Burhān al-Dīn Muḥaqqiq al-Tirmidhī, conhecido como o “Conhecedor dos Segredos” (Sirr-Dān). Sayyid Burhān al-Dīn chegou a Konya em 1232, um ano depois que o pai de Mawlānā morreu.

Durante parte destes anos de discipulado Sufi, Sayyid dirigiu Mawlānā à Síria para dominar os ramos islâmicos tradicionais do conhecimento. Ele primeiro foi para Aleppo, onde estudou na Madrasa-yé Halāwiyya (uma faculdade da escola Ḥanafī de jurisprudência islâmica sunita) e onde ele se associou com alguns discípulos de seu pai. Após terminar seus estudos, retornou a Anatólia e Sayyid dirigiu-o em diversos retiros espirituais de quarenta dias. Dizia-se que o Sayyid estava tão impressionado com o estado espiritual de Mawlānā, depois de completar esses retiros, que o declarou sem igual no mundo, nos grandes ramos do conhecimento, e também de segredos espirituais ocultos (Aflākī, pp. 83-84). No ano 1241, Mawlānā recebeu a notícia de que Sayyid Burhān al-Dīn havia morrido e foi visitar o túmulo de seu professor (em Qaysarīya). Sayyid Burhān al-Dīn era um místico maduro que adorava citar a poesia sufi de Sanā’ī.

Mawlānā foi casado toda sua vida, desde aproximadamente seus 18 anos de idade, e era muito dedicado a suas duas esposas. Seu primeiro casamento foi com Gawhar (“Pérola”) a quem conhecia desde a infância. Ela era filha de um dos discípulos de seu pai (Sharaf al-Dīn Lālā de Samarcanda), que acompanhou a família durante suas migrações. O casamento ocorreu na cidade de Lāranda (hoje Karaman), que não era muito longe de Konya. Foi lá, durante o período de sete anos que permaneceu, que os filhos de Mawlānā, Bahā’al-Dīn Muḥammad Walad (conhecido como Sulṭān Walad) e  cAlā’ al-Dīn Muḥammad  nasceram; foi também onde morreram sua mãe, a mãe de sua esposa e seu irmão cAlā’ al-Dīn. A família mudou-se para Konya em 1228. Sua esposa morreu lá em uma idade ainda muito jovem. Mais tarde casou-se com uma viúva (que tinha um filho), Kerrā de Konya, e com esta viúva teve um terceiro filho,  Muẓaffar al-Dīn Amīr cĀlim, e uma filha, Malika.

O segundo mestre Sufi de Mawlānā, Shams-é Tabrīzī, chegou a Konya em 29 de novembro de 1244 (Aflākī, p.84). Aflākī o chamou de “Mawlānā Shamsu ‘l-Ḥaqq wa ‘l-Dīn Muḥammad, ibn cAlī, ibn Malakdād al-Tabrīzī” (p.614). De acordo com a tradição de Mawlawī (Mevlevi), tradição espiritual dos sucessores de Mawlānā, diz-se que ele tinha 60 anos (Forūzānfar, página 50). Mais tarde, Shams pediu para se casar com uma jovem criada na casa de Mawlānā chamada Kīmiyā, e depois que eles se casaram, eles moraram na casa de Mawlānā (Sepahsālār, p.133).

Apesar de há mais de um século Shams-é Tabrīzī vir sendo descrito como um iletrado, como um dervish errante (qalandar), carismático e com tendências antinomianas ou heréticas, nós atualmente dispomos de muito mais informação sobre ele em língua inglesa (Graças a estudiosos como Franklin Lewis e William Chittick), material este que anteriormente só estava disponível em língua persa (Muwaḥḥid, 1990 and 1998). Atualmente sabemos, baseando-nos em notas de seus discursos (Maqālāt-é Shams-é Tabrīzī) compilados por seus discípulos (dentre os quais se contava o filho de Mawlānā, Sulṭān Walad), que ele tinha uma sólida educação islâmica em língua árabe e que ele era um muçulmano sunita que seguiu a escola Shāficī de jurisprudência islâmica (Maqālāt, pp. -83). Ele deve ter memorizado o Alcorão, já que ele ensinou aos meninos sua memorização (Chittick, p.16).

Shams al-Dīn colocou muita importância em “seguir” [mutābacat], ou seja, seguir a Sunnah ou o exemplo do comportamento que foi modelado pelo Profeta Mohammad. Shams era crítico em relação a vários mestres sufis conhecidos (mais antigos e contemporâneos) porque não seguiam suficientemente o exemplo do Profeta, e alguns aparentemente sentiam-se tão espiritualmente avançados que não tinham muita necessidade disso (Lewis, p 150, 156-58).

Com base nessa compreensão, o encontro inicial entre Shams e Mawlānā pode ser visto sob uma nova perspectiva: Shams estava procurando por um dos grandes santos escondidos de Deus, e uma das provas de quem seria tal pessoa, seria uma humilde veneração e amor ao Profeta Moḥammad, combinado com um forte comprometimento de seguir o piedoso modo de vida do Profeta. Isto estaria em contraste com outros Sufis que fizeram reivindicações de receber extraordinários favores espirituais de Deus, mas que tinham uma falta de compromisso em seguir o exemplo do Profeta.

Na hagiografia de Aflākī há duas versões do famoso encontro. O primeiro relato é geralmente o preferido de populares autores ocidentais, porque ele se encaixa na visão de que Mawlānā tinha sido um mero erudito e teólogo muçulmano até ele conhecer Shams, que o apresentou aos ensinamentos místicos.

De acordo com a primeira versão (pp. 84-87), Shams desafiou Mawlānā com citações do Profeta Muḥammad e do (século IX dC) Sufi, Bāyazīd al-Bisṭāmī (também escrito Abū Yazīd):

‘’Dizei quem foi o maior: Ḥażrat-é Muḥammad, O Profeta, ou Bāyazīd?” Ele respondeu: “Não, não! Moḥammad Muṣṭafà é o maior, o líder e chefe de todos os profetas e santos! E a grandeza pertence a ele! “Shams então disse:” Então isto significa que Ḥażrat-é Muṣṭafà disse (para Deus): “Glória a Ti! Nós não conhecemos a Ti como Mereceis ser conhecido; e Bāyazīd disse, ‘Glorificado seja eu! Quão grande é o meu estado! E eu sou o Rei dos reis!’’

Mawlānā é, desde então, retratado caindo de sua mula de temor a essa resposta, gritando, desmaiando e dormindo por uma hora. Quando retornou a si, é descrito que ele levou Shams a pé para seu colégio (religioso), em uma pequena cela na qual a mais ninguém foi dada a passagem até que 40 dias se completassem, ou 3 meses na opinião de outros.

A segunda versão de Aflākī (pp. 619-20) retrata Mawlānā como um muçulmano fiel que reverenciou o Profeta Moḥammad mais do que ninguém, e Shams-é Tabrīzī é descrito como aquele que desmaiou depois de ouvir a resposta de Mawlānā:

Para Abū Yazīd, a sua sede foi saciada por apenas um gole de água, ele falou desde um estado de saciedade, e o jarro de sua compreensão estava preenchido por essa quantidade. Esta luz era adequada à medida da janela de sua casa. Mas para Ḥażrat-é Muṣṭafà (Que a Paz de Deus esteja com ele), a sede era tremenda, havia sede seguida de sede… necessariamente, ele falou sobre a sede a partir deste estado e todos os dias ele crescia em súplicas por maior proximidade com Deus. E destas duas asserções, a de Muṣṭafà é inigualavelmente a maior. Porque Abū Yazīd chegou perto de Deus, viu-se como pleno, e não cobiçou ir mais longe. Mas Muṣṭafà (Que a Paz esteja com ele), contemplou cada dia mais e foi mais longe. E dia após dia, hora após hora, ele testemunhou mais das Luzes, Grandeza, Poder, e Sabedoria de Deus. Por isso ele disse: ”Nós não Vos conhecemos como Mereceis ser conhecido.”

Um relato anterior foi escrito pelo discípulo de Mawlānā, Sepahsālār, que escreveu (aproximadamente 40 anos após a morte de Mawlānā). De acordo com esta versão (pp. 126-28), os dois perceberam a presença um do outro em Konya, e partiram em busca dessa presença, e acabaram sentados em bancos opostos. Quando Shams fez a pergunta, ele citou Bāyazīd primeiro lugar e o Profeta em segundo. Mawlānā respondeu,

Embora Bāyazīd seja um dos eleitos entre os santos e gnósticos (contempladores de Deus) que realizaram o estado espiritual do coração, ele parou no círculo desta santidade e manteve-se fixado lá. A grandeza e perfeição dessa estação lhe foi revelada a partir das qualidades exaltadas de sua própria estação espiritual, e ele declarou a explicação de tal unificação por estas palavras. E embora Ḥażrat-é Rasūlullāh (Que a Paz e as Bênçãos de Deus estejam sobre ele), atravessasse setenta grandes estações espirituais todos os dias, de modo que a primeira não tinha mais relação com a segunda; quando chegou à primeira estação expressou gratidão a Deus e sabia que era uma viagem inesgotável. Quando alcançou um segundo grau e testemunhou que era uma estação mais alta e mais nobre que a anterior, pediu perdão Divino a respeito do primeiro nível e de seu contentamento com aquela estação.

Ambos são então descritos como caindo em um estado de êxtase espiritual, após o qual Mawlānā levou Shams para uma pequena cela que pertencia a um discípulo próximo (Shaykh Ṣalāḥ al-Dīn Zarkôb) por um período de seis meses.

Há um relato ainda mais antigo, do filho de Mawlānā, Sulṭān Walad (p.34), ele provê apenas uma breve descrição poética de seu encontro sem qualquer detalhe de sua conversa inicial.

O relato mais antigo é feito pelo próprio Shams-é Tabrīzī, e conforme o registrado por seus discípulos começa com uma crítica a Bāyazīd (p.615):

As primeiras palavras com as quais falei com Mawlānā foram estas: ”Mas quanto a Abū Yazīd, por que ele não aderiu a seguir o exemplo do Profeta Mohammad e por que não disse: ”Glória a Ti! Nós não Vos adoramos como Mereceis ser adorado”? A seguir Mawlānā sabia a perfeição e conclusão (o significado) de tais palavras do Profeta. Mas qual foi o resultado final dessas palavras? Então a parte mais íntima de sua consciência o embriagou a partir dessas palavras, porque sua consciência mais íntima foi purificada, e, portanto o significado dela tornou-se conhecido para ele. E com sua embriaguez, eu também conhecia o prazer e o deleite dessas palavras – pois eu negligenciava completamente o prazer e deleite dessas palavras.

Esses relatos indicam que Mawlānā já era um avançado Sufi, e também um erudito religioso.  Sugerem que Shams-é Tabrīzī encontrou Mawlānā para ser o santo oculto que ele havia procurado desde há muito tempo, um que fosse avançado no caminho Sufi, e que continuasse a seguir o Profeta Moḥammad, e que reconhecesse que o Profeta viajou muito além de qualquer um dos muçulmanos Mestres Sufi que vieram após ele na adoração mística de Deus.

Uma afirmação contemporânea foi promulgada, dizendo que Mawlānā e Shams-é Tabrīzī eram “amantes” tanto no nível físico quanto no espiritual. No entanto, este ponto de vista é mal informado, carecendo de características significativas da cultura medieval persa: tal relação teria sido incompatível com o homoeroticismo da época. E essa afirmação ser crida, deixa transparecer que se entende mal a natureza de temas amante-amados na poesia Sufi persa, coisa que havia sido uma convenção estabelecida por trezentos anos (Lewis, pp. 320-24). Um exemplo de um desses temas refere-se à prática sufi de cultivar o amor intenso ao mestre espiritual até que haja “aniquilação na presença do mestre” [fanā fī ‘l-shaykh] como um estágio no caminho para a “aniquilação na Presença de Deus “[fanā fī ‘llāh]. Além disso, tal afirmação ignora os papéis básicos de mestre-discípulo em vários campos de conhecimento, profissões e ofícios ao longo da história muçulmana – em particular, a formação de um discípulo por um mestre Sufi, baseado na ética islâmica tradicional. Mawlānā condenou sodomia e comportamento efeminado em vários lugares em sua poesia (como Mathnawī 5: 363-64, 2487-2500; 6: 1727-32, 3843-68). E Shams-é Tabrīzī condenou os atos homossexuais  como pouco viril e censurável na presença de Deus (p. 773).

Mawlānā queria passar a maior parte de seu tempo com seu recém-encontrado mestre espiritual. Durante o período inicial da permanência de Shams em Konya (de cerca de 16 meses), os discípulos de Mawlānā se sentiram negligenciados e quando o ciúme aumentou, Shams-é Tabrīzī saiu de Konya e foi para a Síria. Duas datas foram dadas por Aflākī para esta partida: 21 de março de 1245 (p.88) e 11 de março de 1246 (pp 629-30); A data posterior é considerada a mais confiável, uma vez que foi escrita em árabe (Lewis, p. 177, Muwaḥḥid, 2000, p.207). Parece que ele voltou e saiu novamente para a Síria uma segunda vez, sete dias depois de sua esposa Kīmiyā morrer, por volta de dezembro de 1246 (Aflākī, p.642, Muwaḥḥid, p.207). Ele retornou somente depois que Mawlānā enviou seu filho, Sulṭān Walad, com um grupo para convidá-lo de volta. De acordo com Aflākī, Shams foi assassinado por alguns dos discípulos invejosos de Mawlānā em uma quinta-feira em algum momento durante o ano lunar islâmico que ocorreu entre maio de 1247 e abril de 1248 (p 686). O tempo total que Mawlānā gastou com seu maior mestre espiritual parece ter sido menos de três anos; do final de novembro de 1244 a abril de 1248, parece ter passado uma estadia de sete meses em Aleppo (mencionada pelo próprio Shams, p.359), uma estadia que aparentemente precedeu a viagem a Damasco, ficou a menor parte do tempo em Damasco, viajando de Damasco para Konya por duas ou três veze nesse ínterim.

A afirmação de Aflākī (em sua hagiografia que foi completada 80 anos depois de Mawlānā morrer) de que Shams foi assassinado foi desafiada e rejeitada por estudiosos (Muwaḥḥid, p.199-203 e Lewis, p.155-93). Em primeiro lugar, parece improvável que a família e os discípulos de Mawlānā pudessem ter escondido tal assassinato dele. Nem seu filho Sulṭān Walad nem Sepahsālār mencionam um assassinato em suas obras que são anteriores à obra de Aflākī (Lewis, p.155). Nenhuma testemunha viu Shams morrer, porque ele supostamente desapareceu milagrosamente depois de ser ferido (Aflākī, p.664). Embora haja um santuário em Konya dedicado a Shams-é Tabrīzī, a alegação de que seu corpo foi lançado dentro de um poço em Konya e enterrado ao lado do corpo do fundador do colégio religioso de Mawlānā, Amīr Bahā al-Dīn Gawhartāsh (Aflākī, pp. 700-01), foi refutada porque somente uma sepultura foi encontrada, presumivelmente a de Gawhartāsh (Lewis, pp. -90). Mesmo se a suposta informação do assassinato de Shams em Konya houvesse chegado a Mawlānā , ele claramente não acreditou, porque ele fez duas viagens à Síria para procurar Shams (Sepahsālār, p.134). E finalmente, há evidências de que Shams-é Tabrīzī pode ter sido enterrado, não em Konya, ou em Tabrīz (onde há também um suposto túmulo de Shams), mas na cidade de Khôy (agora no Irã, a cerca de 50 quilômetros ao leste da atual fronteira turca, na estrada de Tabrīz), onde um sultão do Império Otomano foi cumprimentar o túmulo de Shams no início do século XVI dC (Mowaḥḥid, p.209).

Mais pertinentes são as declarações de Shams sobre desaparecer permanentemente, como sua ameaça de desaparecer de tal maneira que “Eu me tornarei tão ausente que nenhum vestígio de mim como um ser criado será encontrado” (Sepahsālār, p.134; Sulṭān Walad, pp. 50-51). E ele insinuou que o precisaria fazer a fim de continuar o desenvolvimento de Mawlānā como um mestre espiritual. Por exemplo, em um discurso registrado por seus discípulos (pp. 163-64), no qual ele parece dirigir-se a Mawlānā, onde ele disse:

Dado que não estou em condição que me permita ordenar que viaje, irei impor a necessidade desta viagem sobre mim mesmo pelo êxito de sua grande obra, porque a separação é como cozer da comida… qual o valor de sua obra?  Eu faria cinquenta viagens para que seja fosse cada vez mais elevado. Minhas viagens são para o bem de sua bem sucedida obra que está a emergir. Caso contrário, que diferença faz para eu escolher entre Anatólia e Síria? Não faz diferença se estou na Kaaba em Meca, ou em Istambul. Mas faz-se necessário, pois é a separação que prepara e refina o buscador.

Após Mawlānā realizar duas viagens sem êxito a Damascos para encontrar Shams, seu filho, Sulṭān Walad, escreveu (p. 50, 52):

Ele não encontrou Shams-é Tabrīz na Síria; em vez disso, encontrou-o dentro de si mesmo, à semelhança de uma lua claríssima. Ele disse, ”Embora estejamos distantes corporalmente, independente de corpo e espírito, somos uma e a mesma luz. Quer você o veja, quer veja a mim, eu sou ele, e ele sou eu, Ó buscador…” Ele também disse, ”Considerando agora que eu sou ele, para quê eu o procuro? Agora que eu sou sua própria essência, eu posso falar desde o meu próprio eu.”

Após um período de vários anos de muito sofrimento por causa do desaparecimento de Shams, Mawlānā declarou (em 1249) que Shams havia aparecido para ele na forma de um de seus discípulos próximos, chamado Shaykh Ṣalāḥ al-Dīn Zarkôb. Ele incumbiu Ṣalāḥ al-Dīn de treinar seus discípulos, o que deixou os demais quase tão invejosos quanto eles ficaram em relação a Shams.  Mas Mawlānā descobriu isso e ameaçou abandonar seus discípulos completamente, a menos que cessassem de reclamar. Em obras populares sobre Mawlānā, Ṣalāḥ al-Dīn tende a ser retratado como pouco mais do que um comerciante analfabeto. Embora ele evidentemente não pudesse ler ou escrever, ele era na verdade o dervixe mais ‘’sênior’’. Ele tinha sido um discípulo Sufi de Sayyid Burhān al-Dīn juntamente com Mawlānā. Ademais, Ṣalāḥ al-Dīn também foi discípulo de Shams-é Tabrīzī (Sepahsālār, p.134). E, Mawlānā recomendou que seu filho aceitasse Ṣalāḥ al-Dīn como seu Shaykh Sufi (Sulṭān Walad, p.275) e  arranjou para que seu filho se casasse com a filha de Ṣalāḥ al-Dīn, Fāṭima, a quem Mawlānā ensinara a ler e escrever o Alcorão (Aflākī, página 719).

Desde sua nomeação, Ṣalāḥ al-Dīn menteve-se  ensinando e treinando os discípulos para tornarem-se dervixes por um período de dez anos, e faleceu em 1258. Mawlānā então viu o reflexo de Shams em outro discípulo, Ḥusām al-Dīn Chalabī, a quem promoveu para ser o Professor dos discípulos. Foi Ḥusām al-Dīn que inspirou Mawlānā a compor dísticos rimados [mathnawī] à maneira de Farīd al-Dīn al-Dīn cAṭṭār, e foi assim que Mawlānā começou então a compor Mathnawī.

Depois da morte de Mawlānā em 1273, Ḥusām al-Dīn tornou-se seu primeiro sucessor até sua morte em 1283. O filho de Mawlānā, Sulṭān Walad, humildemente aceitou o dervixe mais avançado e sênior dos discípulos de seu pai, Karīm al-Dīn Walad-é Baktamūr , Para ser o guia principal dos discípulos por um período de sete anos (Sulṭān Walad, p.275). Depois da morte de Karīm al-Dīn (cerca de 1291 ou 1292), Sulṭān Walad tornou-se o líder dos discípulos e fundou os primeiros ramos da forma “Mawlawī” de Sufismo para além de Konya. Outras ordens Sufi à época comumente adotavam práticas místicas envolvendo musicas e danças com movimentos extáticos, mas essas práticas se tornaram de importância central para a ordem Mawlawī. O giro extático feito tão frequentemente por Mawlānā durante os “concertos místicos” [samāa] foi formalizado pela primeira vez no famoso ritual de oração dos dervixes giradores por Mawlawī Pīr cĀdil Chalabī, who died in 1460 (Bausani, p. 394; Lewis, p. 444).

De acordo com Aflākī, Mawlānā não se envolveu no “concerto místico” em sua juventude, mas depois foi encorajado a fazê-lo pela mãe de sua esposa, Kerrā. Quando ele começou a participar, fazia principalmente certos movimentos com as mãos, uma prática comum de Sufis em tais sessões. Mais tarde, Shamsé Tabrīzī mostrou-lhe como girar [charkh zadan] (Aflākī, p.671). De acordo com Sepahsālār, por outro lado, Mawlānā não participou nessas reuniões até depois de conhecer Shams-é Tabrīzī, que lhe indicou: “Entre no concerto místico, pois o que você procura será aumentado no concerto místico “(Página 65). Deve-se salientar que os Sufis muçulmanos já haviam se envolvido nos movimentos extáticos do concerto místico por quatro séculos antes do tempo de Mawlānā, desde meados do século IX dC, começando em Bagdá, prática que se espalhou muito rapidamente, especialmente entre os Sufis persas (Durante, página 1018). Há indícios de que Mawlānā compôs poesia especificamente para ser cantada e recitada durante concertos místicos – e que ele compôs a poesia, enquanto envolvido em tais sessões, especialmente quando dançava em giros (Lewis, p.172, pp.)

Muito raramente lê-se em inglês as palavras: ‘’Rumi era muçulmano.” Na grande maioria das versões e traduções popularizadas da poesia de Mawlānā, seu inquebrantável comprometimento com a piedade islâmica é minimizado ou ignorado; versos são alterados ou pulados para evitar referências ao Alcorão ou as tradições (ahadith) do Profta Mohammad, e até mesmo referência a oração e a simples menção de Deus são amiúde evitadas. Tais reducionismos do comprometimento de Mawlānā ao Islam têm ajudado a versões de interpretações poéticas de sua obra para se tornar extremamente popular nos Estados Unidos da América (Muitas vezes mal interpretadas como “traduções” quando os autores não leem persa). Muitos desses livros dão a impressão de que Mawlānā foi tão transformado por Shams-é Tabrīzī que ele transcendeu sua lealdade ao Islam, tornando-se um místico universal que conhecia as outras religiões, era indiferente às distinções entre formas de culto e se preocupava pouco com a adesão religiosa de pessoas que se sentiam atraídas por ele. No entanto, há poucas evidências de que ele sabia muito sobre outras religiões, além do fato de que ele recebeu uma educação islâmica tradicional (Gamard, p. Xv).

Os próximos versos, traduzidos do persa ou adaptados em versões poéticas popularizadas, não ocorrem nas autênticas obras de Mawlānā, mas são frequentemente reivindicadas como suas em livros, artigos e palestras:

“O que deve ser feito, Ó muçulmanos? Pois não me reconheço. Eu não sou nem cristão nem judeu, nem Gabr, nem muçulmano “(trad. Nicholson, 1898, p.125). “Não sou nem cristão, judeu, muçulmano, hindu, budista, sufi ou zen. ‘’Nem de qualquer religião ou sistema cultural”(Barks, p.32). “Cruz e cristãos, de ponta a ponta, estudei; Ele não estava na Cruz. Fui ao templo-ídolo, ao antigo pagoda; nenhum traço era visível lá” (trad. Nicholson, 1898, p.71). “Volte, volte, não importa o que você pensa que é. Um adorador de ídolos? Um não crente? Volte. Neste portão, ninguém sai sem esperanças. Se você quebrou seus votos dez mil vezes, volte. “(Abramian, p.4). “Venha, venha quem quer que você seja, vagabundo, adorador, amante de sair, não importa. A nossa caravana não é uma caravana de desespero. Venha, Venha mesmo que tenha quebrado seu voto mil vezes, venha, venha novamente, venha! ”(Felid, ii). ”Aquele que provou o vinho da união com o Espírito Supremo, em sua fé, a Kaaba e um templo idólatra não são mais que um só.” (trans. Shiva, p. 33).” “Este sou eu: às vezes escondido e às vezes revelado. Às vezes um muçulmano dedicado, às vezes um hebreu e um cristão. Para que eu me encaixe no coração de todos, eu uso um rosto novo todos os dias” (Trans Shiva, p.178). “Entrei na mesquita muçulmana, na sinagoga judaica e na igreja cristã e vejo um único altar” (Barks, p.266).

No entanto, os trabalhos autênticos de Mawlānā mostram que ele era um muçulmano muito devoto e piedoso, bem como um grande místico e poeta muçulmano. Sua poesia está cheia de referências ao Alcorão e às Tradições do Profeta Mohammad.  Por exemplo, como ele descreveu  sua obra-prima, os Mathnawī, “as raízes das raízes das raízes da Religião é o Islam, no que diz respeito a revelar os segredos da união com Deus e certeza espiritual (Da Verdade) …  é o remédio para os corações, o abrilhantador, o polimento para as dores, o revelador dos os significados do Alcorão… “(Livro 1: Prefácio). Ele disse: “Eu sou o servo do Alcorão enquanto tiver vida. Eu sou a poeira no caminho de Moḥammad, o Escolhido. Se alguém cita alguma coisa, exceto isso, de minhas palavras, eu me fasto dele indignado com estas palavras”. (Rubācīyāt, F-1173, trad. Gamard e Farhadi, p.2) E ele também disse: ”Agora você deve saber que Mohammad é o líder e o guia. (Enquanto você não vier a Mohammad, não NOS alcançará) (Fīhi Mā Fīhi, no. 63, trans. Gamard, p. 161).

Por Dr. Ibrahim Gamard

Fonte: https://historyofislam.com/contents/the-classical-period/maulana-rumi/

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