O texto a seguir foi publicado pelo Sheykh Hamza Yusuf no dia 5 de Julho de 2016, durante o Ramadã.
De acordo com um bom hadith, relatado por Ahmad e al-Tabarani, o Mensageiro de Deus (que a paz e as bençãos de Allah estejam sobre ele), disse: ”Vocês nunca irão crer, até mostrarem misericórdia uns para os outros.”
”Todos somos misericordiosos, Oh mensageiro de Deus”, seus companheiros responderam.
O profeta, (que a paz e as bençãos de Deus estejam sobre ele) explicou: ”Eu não estou falando sobre um de vocês mostrando misericórdia para seu amigo; Estou falando de misericórdia universal – misericórdia para com todos!”
Para aqueles muçulmanos e pessoas de outras fés que perderam seus entes queridos nas recentes tragédias em Bagdá dois dias atrás, em Bangladesh na última sexta-feira, em Istambul no dia anterior a este, no Líbano e Afeganistão na ultima semana, e no Iêmen e Orlando no último mês, eu estou profundamente entristecido e posso somente oferecer minhas orações, estando dolorosamente consciente do meu estado de total desamparo sobre o que se abateu sobre a nossa comunidade global. Enquanto escrevo isto, soube de um novo atentado do lado de fora da mesquita de nosso amado profeta em Medina, enquanto crentes estavam prestes a quebrar seu jejum ontem, injustamente matando quatro guardas inocentes. Felizmente, devido a benção do lugar, o som da explosão foi pensado como sendo o ”boom” do canhão usado para anunciar a chegada do momento para quebrar o jejum, então as pessoas na mesquita não se assustaram e não entraram em pânico. O profeta (que a paz e as bençãos de Allah estejam sobre ele) disse: ” Quem aterrorizar o povo de Medina tem a maldição de Deus, dos anjos e de toda a humanidade.” Escusado será dizer que o horror dessas atrocidades é agravado porque elas estão sendo realizadas – intencionalmente- no mês sagrado do Ramadã.
Uma praga está sobre nós, e tem seus vetores. Como as amebas comedoras de cérebro que atingiram as águas quentes dos estados do Sul nos Estados Unidos, uma praga que se alimentam de fé foi se espalhando por todo a comunidade muçulmana global. Esta doença insidiosa tem uma fonte, e sua origem deve ser identificada, para que possamos começar a vacinar nossas comunidades contra ela.
Novas versões de nossa antiga fé tem surgido e infectado os corações e mentes de muitos jovens em todo o mundo. O Imam Adel Al-Kalbani, que liderou as orações no Haram de Meca por vários anos, afirmou publicamente que esta juventude é a colheita amarga de ensinamentos que emanaram dos púlpitos em toda a Península Arábica, ensinamentos que têm permeado todos os cantos do mundo, ensinamentos que incidem sobre o ódio, a exclusividade, provincianismo e xenofobia. Esses ensinamentos anatemizam qualquer muçulmano que não compartilha de sua simplória, literalista, anti-metafísica, primitiva, e empobrecida forma de Islam, e rejeitam o imenso corpo de estudos islâmica dos luminares da nossa tradição.
Devido a sofisticada rede de financiamento, estes ensinamentos inundaram livrarias através do mundo muçulmano e até mesmo na América, Europa e Austrália. Para um estudo de circunstancia do que eles têm gerado, podemos olhar para o Kosovo. Nossas escolas “islâmicas” estão agora cheias de livros publicados por esta seita que atrai as mentes impressionáveis de nossa juventude em uma idade em que eles são mais suscetíveis a doutrinação. Esta seita do Islam, no entanto, não é a única fonte de nossa crise atual, e seria errado colocar toda a culpa sobre ela só; muitos dos seus adeptos são quietistas amantes da paz, que só querem ser deixados em paz para praticar sua fé como entenderem. Seu exclusivismo é uma causa necessária mas não suficiente para o ódio xenófobo que leva a esse tipo de violência. Os os terroristas islâmicos são um híbrido de uma versão takfiri exclusivista do exposto e da ideologia islamista política que permeou grande parte do mundo árabe e sul-asiático nas últimas várias décadas. É esse casamento feito no inferno que deve ser entendido, a fim de compreender completamente a situação calamitosa na qual encontramos nossa comunidade.
Enquanto o papel que as intervenções ocidentais e desventuras da região têm desempenhado na criação deste atoleiro não deve ser posto de lado, diminuído, ou negado, devemos, no entanto, ter em mente que os muçulmanos têm sido invadidos várias vezes no passado, mas nunca reagiram como esses fanáticos. Historicamente, inimigos beligerantes, muitas vezes admiravam a nobreza com a qual os muçulmanos exibiam em sua estrita observância das primeiras regras humanas da história de engajamento que foram estabelecidos pelo próprio Profeta para garantir que a misericórdia não fosse completamente divorciada da insensibilidade do conflito.
Precisamos ver claramente a natureza perniciosa e generalizada desta praga ideológica e como ela é responsável pelo caos e terror que tem se espalhado até mesmo para a cidade de nosso Profeta, que a paz e as bênçãos de Allah estejam sobre ele, em toda a sua inviolabilidade. Suas vítimas mais vulneráveis são os nossos jovens descontentes que vivem muitas vezes em circunstâncias desoladas com pouca esperança para o seu futuro. Promessas de paraíso e estratégias de saída fácil do cansaço do mundo vieram atraindo esses jovens suicidas para expressarem suas patologias nas causas demoníacas enganosas do radicalismo “islâmico”. As imagens que eles deixam para trás – mostrando os sorrisos arrogantes em suas faces, ainda que tenham em suas mãos infelizes seus rifles feitos no Ocidente- são prova da efetiva lavagem cerebral que está ocorrendo.
O dano que esta sendo forjado não é apenas dentro do Islam, mas também para o bom nome do Islã, aos olhos do mundo. Estas ocorrências agora diárias de violência destrutiva, cheias de ódio estão começando a afogar as vozes normativas do Islam, cultivando assim um verdadeiro ódio nos corações daqueles que estão fora das nossas comunidades. Nas mentes de muitos ao redor do mundo, o Islam, que já foi considerado uma grande religião do mundo, está sendo reduzida a uma ideologia política odiosa que ameaça a segurança global; que, por sua vez, está se revelando desastrosa para as comunidades muçulmanas minoritárias, que agora habitam em ambientes cada vez mais hostis nas sociedades seculares.
O que precisamos para combater esta praga são as vozes dos estudiosos, bem como ativistas de base, que possam começar a identificar os verdadeiros culpados por trás dessa ideologia fanática. O que não precisamos é de mais vozes que velam o problema com argumentos vazios, ocos e vagos que esta militância tem pouco a ver com a religião; que tem tudo a ver com a religião: equivocada, fanática, ideológica e religião politizada. É a religião do ressentimento, inveja, impotência e niilismo. E, no entanto, não tem nada a ver com os ensinamentos misericordiosos de nosso Profeta, que a paz e bênçãos de Allah estejam sobre ele. Não contida, vamos ver essa praga fomentar mais desse tipo de violência, até que um dia, Deus me livre, estes adeptos odiosos e vis obtenham um dispositivo nuclear, cuja utilização já tenha sido sancionado por seus “sábios”, incluindo um atualmente preso na Arábia Saudita. Se tal cenário se desenrola, é altamente provável que a ira total das potências ocidentais será desencadeada em cima de um mundo muçulmano impotente que faria até mesmo as invasões mongóis terríveis do século 13 parecerem um passeio no parque.
Invariavelmente, alguns vão observar que o medo de retaliação Ocidental é um sinal de covardia. Para estes fanáticos, eu recomendo que voltem-se para o Alcorão, especificamente para refletirem sobre o inegavelmente bravo mensageiro Moisés, que a paz esteja com ele, que, sem querer matou um egípcio depois de golpeá-lo de maneira forte, só porque ele era considerado um inimigo e, em seguida, pediu perdão a Deus e “Saiu então de lá, temeroso e receoso” (28:21). Este é um conto preventivo, e cabe a todos nós a refletir sobre ele como uma lição do que não fazer quando oprimidos, especialmente quando estamos sem autoridade política ou os meios para corrigir nossas queixas. Imam al-Sahrwardi declarou: “Fugir de calamidades é a Sunnah dos Profetas.” É melhor não deixar que nosso eu-vil e nosso desejo de vingança tire o melhor de nós.
Faríamos bem em reconhecer que muito do que está acontecendo no mundo muçulmano e comunidades muçulmanas no Ocidente é o que nossas próprias mãos fizeram. Os muçulmanos têm estado no Ocidente por um longo tempo e têm feito pouco para educar as pessoas aqui sobre a nossa fé; muitos de nós temos estado ocupados nos nossos assuntos mundanos, enquanto algumas das nossas mesquitas e escolas tornaram-se terreno fértil para um islamismo ideológico em vez do Islam. O Alcorão nos ensina claramente que, quando confrontados com calamidades, devemos olhar primeiro para o que pode ter sido feito para trazê-las sobre nós. Introspecção é uma injunção do Alcorão. Até que cheguemos a um acordo com esta verdade do Alcorão, vamos permanecer atolados na miragem de negação, sempre apontando os dedos em todas as direções, menos em nós mesmos. ”Ele jamais mudará as condições que concedeu a um povo, a menos que este mude o que tem em seu íntimo.” (Alcorão 13:11).
Com o Ramadã chegando ao fim, vamos orar para os oprimidos e pela orientação dos opressores, para aqueles que foram mortos, e para aqueles que perderam os seus entes queridos, e acima de tudo, vamos atender ao chamado do nosso Profeta e querer misericórdia para todos.
Fonte: https://www.facebook.com/notes/hamza-yusuf/the-plague-within/10154210987871544
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