O Qurbani – ou Uḍḥiya como é conhecido em árabe – é a prática do sacrifício de animais para Allah (o Glorioso, o Altíssimo – subḥanahu wa ta‘ala). Todo ano, nos dias de Eid-ul-Adha, do dia 10 ao dia 13 do mês de Dhul Hijjah, os muçulmanos do mundo todo sacrificam animais no fim da Peregrinação (Hajj). Essa prática comemora o sacrifício milenar de Ibrahim (o Profeta Abraão, ‘alayhi s-salam), que estava pronto para sacrificar seu amado filho por Allah.
O Qurbani não é simplesmente o abate do animal e a distribuição da sua carne, e é mais do que um ritual comemorativo. A palavra “Qurbani” é derivada da palavra árabe, qurban, que tem raiz na palavra “qurb” – que significa “proximidade”. O propósito de oferecer o Qurbani é se aproximar de Allah. Ao realizarmos o Qurbani, refirmamos algumas coisas que às vezes esquecemos na correria do dia a dia – que somos completamente submissos a Allah, e que estamos dispostos a sacrificar qualquer coisa que for solicitada de nós para nos aproximar d’Ele e obter a satisfação d’Ele, da mesma forma que o Profeta Ibrahim fez muitos anos atrás.
Portanto, um elemento importante do Qurbani é lembrar de manter as nossas intenções sinceras e nos esforçar para estarmos próximos de Allah durante todo o sacrifício simbólico.
“E, recita, Muhammad, para eles, com a verdade, a história dos dois filhos de Adão quando fizeram ambos oferenda a Allah, e foi aceita a de um deles, e não foi aceita a do outro. Disse este: ‘Certamente, matar-te-ei.’ Disse aquele: ‘Allah aceita, apenas, a oferenda dos mutaqūn (os que têm taqwa – piedade ou consciência de Allah)’”. (Alcorão, 5:27)
Allah nos conta no Alcorão a história dos dois filhos do Profeta Adam (Adão, ‘alayhi s-salam), Habil (Abel) e Qabil (Caim). Para resolver uma disputa entre eles, Adam (as) mandou que cada um deles fizesse um sacrifício; quem fizesse o sacrifício que fosse aceito seria o vencedor.
Como Habil era pastor, ele ofereceu um carneiro como sacrifício. Qabil arava a terra, então ofereceu parte da colheita. Interpreta-se que Habil teve o cuidado de escolher seu melhor animal, que estava saudável e bem alimentado, enquanto Qabil não estava disposto a oferecer a melhor parte da sua colheita. Allah aceitou o sacrifício de Habil, elevando o animal para o paraíso, e rejeitou o sacrifício de Qabil.
Habil explicou para o seu irmão que Allah somente aceita a oferende dos que têm taqwā. Qabil claramente não tinha feito seu sacrifício com sinceridade, e Allah sabia disso. No entanto, Qabil teve inveja da graça que havia sido concedida a Habil, e matou seu irmão.
“Nem sua carne nem seu sangue alcançam a Allah, mas O alcança vossa piedade.” (Alcorão, 22:37)
A história de Habil e Qabil ilustra que a sinceridade e a pureza de intenção são os elementos mais importantes do Qurbani. Faz parte disso selecionar para o sacrifício um animal que esteja à altura do ritual, como fez Habil, e se assegurar de que ele seja bem tratado e sacrificado à maneira islâmica. Também faz parte compreender que, como o Zakat, o Qurbani não é uma tarefa ou um imposto anual que simplesmente assinalamos numa lista ao realizar; é uma atividade profundamente espiritual e uma chance de se aproximar de Allah.
“E, quando (Isma‘il) atingiu a idade de labutar com ele, este disse: ‘Ó meu filho! Por certo, vi em sonho que te imolava. Então, olha, que pensas disso?’ Isma‘il disse: ‘Ó meu pai! Faze o que te é ordenado. Encontrar-me-ás entre os perseverantes, se Allah quiser.’” (Alcorão, 37:102)
Quando Isma‘il (o Profeta Ismael, ‘alayhi s-salam), o primogênito de Ibrahim (as), já tinha a idade para acompanhá-lo no trabalho, foi revelado para Ibrahim (as) em sonho que ele tinha de sacrificá-lo. Isma‘il (as) não questionou essa ordem, da mesma forma que a mãe dele, Harajah (as) não levantou objeções quando Allah ordenou a Ibrahim (as) que deixasse ela e seu bebê no deserto, anos atrás.
Isma‘il disse: “Ó meu pai! Faze o que te é ordenado. Encontrar-me-ás entre os perseverantes, se Allah quiser.” (Alcorão, 37:102)
Pai e filho estavam prontos para o sacrifício, mas o Shaytan (o Satanás) buscava fazer com que eles mudassem de ideia.
Ibn Abbas (ra) narra: “Quando os ritos foram prescritos a Ibrahim (as), Shaytan lhe apareceu no Mas’a (a pista entre as colinas de Safa e Marwa) e apostou corrida contra ele, mas Ibrahim chegou primeiro. Depois, Gibril (o Anjo Gabriel, ‘alayhi s-salam) levou Ibrahim a Jamrat al-Aqaba e Shaytan lhe apareceu, mas ele o apedrejou com sete pedrinhas até que ele tornou a desaparecer. Depois, apareceu em Al-Jamrat al-Wusta e ele o apedrejou com sete pedrinhas. (Ahmad)
Nesse hadith, Ibrahim (as) apedrejou o Shaytan três vezes; em outros hadiths, o Shaytan apareceu em diferentes ocasiões para Ibrahim, Hajarah e Isma‘il (as). Cada vez que apareceu, tentou convencê-los de que Ibrahim (as) estava prestes a cometer um crime hediondo e, cada vez, eles atestaram que, se vinha de Allah, tinham de aceitar. Cada um deles apedrejou o Shaytan. (Tabari e Hakim)
Parece impossível para nós que alguém poderia estar pronto para sacrificar o próprio filho amado, a pessoa mais querida no mundo, ainda mais depois de encontrar obstáculos no caminho em três ocasiões distintas. No entanto, os membros da família de Ibrahim (as) eram tão convictos em rejeitarem desobedecer a Allah, que jogaram pedras no Shaytan. É desse apedrejamento que recordamos no Hajj.
Enquanto Ibrahim (as) preparava a faca para sacrificar seu filho e a mortalha para enterrá-lo, ele não conseguia encarar Isma‘il (as), então virou o rosto de seu filho para o outro lado. Segundo Ibn Kathīr em seu Tafsīr, os dois se recordaram de Allah e testemunharam a fé a Ele – Ibrahim, porque iria fazer um sacrifício, e Isma‘il, pois estava prestes a morrer. Então, quando Ibrahim estava prestes a sacrificar seu filho – com a faca no pescoço dele, escutou uma voz dizendo a ele que parasse.
“E, quando ambos se resignaram, e o fez tombar, com a fronte na terra, livramo-lo e chamamo-lo: ‘Ó Ibrahim! Com efeito, confirmaste o sonho.’ Por certo, assim recompensamos os benfeitores. Por certo, essa é a evidente prova. E resgatamo-lo com sacrifício magnífico. E deixamos esta bênção sobre ele, na posteridade: “Que a paz seja sobre Abraão!” (Alcorão, 37:103-109)
Ibrahim (as) sacrificou um carneiro branco de chifres em vez de seu filho e, da mesma forma que nos recordamos do apedrejamento dos pilares, nos recordamos deste sacrifício todo ano no Hajj. Ele representa a devoção de Ibrahim (as), que estava prestes a sacrificar seu amado filho por Allah, e a recompensa e a bênção que eles receberam de Allah pela submissão. Recordar desta jornada toda vez que realizamos o Qurbani é algo que nos aproxima de Allah. Novamente, o que importa não é o animal, mas a nossa disposição de nos submetermos a Allah sinceramente e completamente.
Como pudemos ver acima, Allah se refere ao carneiro que fez descer pra Ibrahim (as) como um “sacrifício magnífico”. Allah usou a palavra ‘aẓīm para descrever o sacrifício, enquanto um de Seus Nomes é Al-‘Aẓīm. O que havia de especial neste carneiro?
Ibn Abbas (ra) disse que era “um carneiro que pastou no Paraíso por quarenta anos”. (Tabari)
No Tafsīr de Al-Jalalayn, ele relata que o carneiro que Allah mandou para Ibrahim (as) era o mesmo que Habil tinha sacrificado – o que indica que Allah havia feito o carneiro ascender ao Paraíso e depois o mandou de volta para Ibrahim, para que fosse sacrificado.
Curiosidade: os chifres desse carneiro foram preservados pelos descendentes de Isma‘il (as) e eram mantidos pelos Quraysh na Caaba (Ka‘bah) como uma relíquia importante. Depois que o Profeta ﷺ conquistou Meca, os chifres permaneceram na Ka‘bah, mas foram cobertos.
Uthman (ra) disse: “O Mensageiro de Allah ﷺ me disse: ‘Vi os chifres do carneiro quando entrei na Casa (a Ka‘bah) e esqueci de mandar que vocês os cobrissem. Os cubram, pois não deve haver nada na Casa que possa distrair o adorador.’” (Ahmad)
Os chifres do carneiro permaneceram ali até que a Ka‘bah foi danificada num incêndio no Cerco de Meca em 683. Os chifres foram queimados e perdidos na batalha.
Por fim, chegamos na última parte da história do Qurbani – sobre o Qurbani do nosso Profeta Muhammad ﷺ.
Ele é o Qurbani que praticamos até hoje em todo Eid-ul-Adha e é importante para nós que não somente façamos intenções sinceras, mas também que mantenhamos em mente a rica história por trás do Qurbani. Devemos valorizar o legado, da mesma maneira que o Profeta ﷺ fez ao deixar os chifres do carneiro de Ibrahim (ra) pendurados na Ka‘bah. A família de Ibrahim (as) é parte especialmente importante da nossa história, como aprendemos todo ano no Hajj ao comemorar ações deles.
O Mensageiro de Allah ﷺ chegou a dizer: “Sou o filho de duas pessoas sacrificadas” (Hakim), se referindo ao fato de que tanto seu pai ‘Abdullah quanto seu predecessor Isma‘il (as) quase foram sacrificados por Allah, enfatizando a ligação dele ﷺ a Isma‘il (as).
Ele ﷺ também costumava procurar carneiros parecidos com o que Habil e Ibrahim (as) sacrificaram – carneiros brancos com chifres – para oferecer como Qurbani no Eid-ul-Adha. (Ahmad)
O Profeta ﷺ disse: “Quem reviver uma Sunnah minha que tenha sido perdida depois que eu me for, terá uma recompensa equivalente à recompensa daqueles que a realizavam, sem diminuir em nada a recompensa deles.” (Ibn Majah)
Um elemento da tradição profética do Qurbani que deveríamos sem dúvida preservar é a prática de sacrificar um segundo animal para as pessoas que não têm os meios para sacrificar:
“O Profeta ﷺ sacrificava para os membros da sua Ummah que não podiam sacrificar, para aqueles que testemunhavam a Unicidade de Allah e a Profecia [dele ﷺ].” (Tabarani e Ahmad)
Os Companheiros (Sahabah) também costumavam seguir essa Sunnah, como relata Anas bin Malik: “O Profeta ﷺ costumava sacrificar dois carneiros e eu também sacrificava dois carneiros”. (Bukhari)
Neste Dhul Hijjah, podemos revivificar essa linda Sunnah e oferecer um Qurbani a mais. Há sabedoria em tudo que o Profeta ﷺ fazia e uma recompensa imensa na revivificação da Sunnah dele ﷺ. Além disso, oferecer um Qurbani adicional significa que ainda mais famílias necessitadas se beneficiarão. Nas comunidades vítimas da miséria, a carne é um luxo inacessível. É uma ocasião de alegria para eles quando podem usufruir da generosidade de um Qurbani Profético. Então, ao oferecer um Qurbani Profético, não apenas dobrará a sua recompensa, dobrará também o seu impacto.
A Lei Islâmica estabelece quais espécies de animais podem ser abatidas e quais características eles precisam ter para que o sacrifício seja válido:
Eles não podem ter nenhuma doença, mutilação, má formação ou qualquer outra coisa que descaracterize sua perfeita forma física.
Fontes: Muslim Hands e Muslim Aid
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