Um médico americano de origem paquistanesa chamado Muhammad Mohiuddin liderou os estudos de um procedimento que se tornou notícia em vários jornais pelo mundo. Uma cirurgia de transplante de coração, no estado de Baltimore, nos EUA, na última segunda-feira (10), chamou a atenção para um fato excepcional: o órgão enxertado no paciente era de um porco.
O paciente é David Bennett, de 57 anos, que é portador de uma doença cardíaca grave. Os médicos ainda não sabem como seu corpo irá reagir, mas ele passa bem, segundo informações dos cirurgiões do Centro Médico da Universidade de Maryland, que realizaram a cirurgia.
Esse procedimento só pôde ser feito graças às pesquisas do Programa de Xenotransplante Cardíaco da Faculdade de Medicina da Universidade de Maryland, que é dirigido pelo Dr. Muhammad. O programa realiza procedimentos que implantam órgãos de animais em pacientes moribundos, embasado em estudos que ocorrem há várias décadas.
Em uma cirurgia feita ainda no ano de 1984, o cirurgião americano Leonard Lee Bailey colocou o coração de um babuíno em um bebê que estava morrendo por causa de uma doença cardíaca. O corpo da criança acabou rejeitando o coração, mas ela sobreviveu por 20 dias, o que, na época, foi considerado um feito notável do ponto de vista científico.
De lá para cá, embora o xenotransplante fosse um procedimento muito difícil e cheio de barreiras por causa das diferenças genéticas entre as espécies, a pesquisa continuou se desenvolvendo e aperfeiçoando. Em 2014, um experimento feito em um babuíno foi considerado um sucesso após o primata viver três anos com um coração de porco em seu corpo.
O responsável pelo transplante feito no animal foi o Dr. Muhammad Mohiuddin, que há 30 anos pesquisa métodos para aumentar a eficácia dos transplantes de coração. Ele mora nos EUA desde os anos 1990 e se formou na Dow University of Health Sciences, em Karachi. Ele é muçulmano praticante e não vê problema em usar órgãos de porco para ajudar a salvar vidas.
Em entrevista ao jornal turco TRT World, ele disse que a finalidade do procedimento é para garantir que as pessoas consigam um transplante: “Apenas nos Estados Unidos, 150.000 pessoas estão esperando por diferentes transplantes de órgãos. Infelizmente, muitas morrerão esperando porque não há alternativa disponível. Nossa ideia é, de alguma forma, encontrar essa alternativa”, concluiu.
Um dos complicadores para o sucesso do transplante é o sistema imunológico de cada espécie, pois cada uma responde de uma determinada forma aos microrganismos que são prejudiciais ao corpo como, por exemplo, vírus e bactérias.
Para aumentar a eficácia do transplante, foi necessário domar a resposta imunológica dos órgãos. Através de ferramentas capazes de fazer edição de genes, como o CRISPR CAS9, os cientistas conseguem apagar determinados genes do porco aos quais o corpo humano pode resistir. Uma delas é a Gal, uma molécula de açúcar encontrada nas células sanguíneas dos suínos que não está presente no sangue dos porcos desenvolvidos para fins de pesquisa.
Os animais usados para fins médicos têm dez genes editados, sendo que quatro genes dos porcos foram removidos e seis são transhumanos, isto é, genes humanos que foram adicionados aos porcos. A finalidade não é transformar os porcos em humanos, mas sim deixar o organismo do animal mais adaptável para ser transplantado nos pacientes terminais.
Os primeiros transplantes de órgãos de porcos em macacos começaram há cerca de 50 anos e, no início, a vida dos animais nas quais foram feitas as cirurgias durava apenas alguns minutos. Hoje, esse tempo é de vários meses, o que só foi possível graças a uma alta carga de drogas imunodepressoras.
Através da diminuição da resposta imune em todo o corpo, os cientistas são capazes de suprimir a molécula CD40, que fica na superfície das células dos porcos. “O que esse anticorpo (anti-CD40) faz é apenas suprimir uma via que ativa as células T e as células B. Então, suprimindo isso, conseguimos suprimir a rejeição”, diz o Dr. Muhammad.
A células T e B são implantadas quando outras células não conseguem subjugar um patógeno. Se as células T e as células B forem completamente eliminadas, o corpo não será capaz de combater doenças mais graves.
As drogas que o Dr. Muhammad usa bloqueiam a ativação dessas células e impedem que as células B secretem anticorpos que destruam o enxerto.
“Considerando que você usou imunossupressão generalizada, como a que é usada durante transplantes de órgãos de humano para humano, durante um período de tempo a imunidade do receptor não funcionará e ele será suscetível a muitas infecções e outras doenças”, diz o Dr. Muhammad.
As pessoas com sistemas imunológicos muito suprimidos podem apresentar problemas de infecção com o transplante.
É um fato conhecido que o Alcorão considera o porco um animal impuro e, por isso, o uso de substâncias feitas à base do animal são impróprias para os muçulmanos. No entanto, o Livro Sagrado islâmico admite que em situações em que há risco de vida para as pessoas, elas podem recorrer aos suínos para sobreviver.
"Ele só vos vedou a carniça, o sangue, a carne de suíno e tudo o que for sacrificado sob invocação de outro nome que não seja o de Allah. Porém, quem, sem intenção nem abuso, for impelido a isso, não será recriminado, porque Allah é Indulgente, Misericordiosíssimo." (Alcorão, 2:173)
No caso dos xenotransplantes, os animais usados são geralmente porcos porque crescem rápido e possuem órgãos de tamanhos semelhantes aos dos humanos.
“Eu mesmo não quero fazer algo que possa prejudicar os humanos”, disse o Dr.Muhammad. “Eu quero ter cuidado. Não quero desperdiçar 30 anos do meu trabalho apenas colocando o coração e depois descobrindo que não está funcionando.”
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