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Imam al-Dhahabi sobre Sufis, Sufismo e Evolução espiritual

Longe de ser estranho ao Islam, o sufismo – a ciência da excelência espiritual (ilm al-ihsan) e a purificação da alma (tazkiyat al-nafs) – é um aspecto central da religião. Na verdade, é o seu núcleo ou coração. Isso é especialmente verdadeiro quando esse sufismo reflete o espírito dos primeiros tradicionalistas,  ahl al-hadith, ascetas e pietistas ; como Ma’ruf al-Karkhi, Sari al-Saqati, Bishr al-Hafi, Sahl al-Tustari, Junayd al-Baghdadi, Yahya ibn Mu’adh al-Razi, ou outras almas iluminadas mencionadas na Risalah do Imam Qushayri, a “Epístola ortodoxa do Sufismo ”. Esse era um sufismo intimamente ligado à Sunnah; severo contra inovações; avessos ao excesso de racionalização dos praticantes de kalam; e devastador para a metafísica dos filósofos. Era um sufismo “ala tariqat al-salaf -” no caminho dos predecessores “; um tasawwuf al-‘amali ou ‘sufismo prático”. O Imam Al-Dhahabi (1274-1348) esboça os contornos deste sufismo (tasawwuf) e o caminho espiritual (suluk), da seguinte maneira:

العَالِمُ إِذَا عَرِيَ مِنَ التَّصوف وَالتَألُّه، فَهُوَ فَارغ، كَمَا أَنَّ الصُّوْفِيّ إِذَا عَرِيَ مِنْ عِلْمِ السُّنَّة، زَلَّ عَنْ سوَاءِ السَّبيل

“O erudito, se desprovido de sufismo ou prática devocional, é vazio; assim como o sufi, se desprovido de conhecimento da Sunnah (proceder do Profeta), se desviará do caminho correto.

إِذِ اَلقَادِحُ فِي مُحقّ اَلصُّوفِيَّةِ دَاخِلٌ فِي حَدِيثِ «مَنْ عَادَى لِي وَلِيًّا فَقَدْ بَارَزَنِي بِالْمُحَارَبَةِ» وَالتّارِكُ لِإِنكَارِ اَلبَاطِلِ مِمَّا سَمِعَهُ مِن بَعضِهِم تَارِكٌ لِلأَمْرِ بِالْمَعْرُوفِ وَالنَّهْيِ عن اَلْمُنكرِ

”O crítico de um sufi genuíno, se torna o alvo do hadith: ” Quem quer mostre inimizade a um de meus Amigos, eu lhe declaro guerra”. 2 Enquanto alguém que renuncia a toda condenação pelo que está claramente errado no que ele ouve de alguns deles, abandona o manamento do bem e a proibição do mal”.3

فَمَا أَحلَى تَصُوفَ الصَّحَابَة وَالتَّابِعِيْنَ! مَا خَاضُوا فِي هَذِهِ الخَطَرَاتِ وَالوسَاوِسِ، بَلْ عبدُوا اللهَ، وَذَلُّوا لَهُ وَتَوَكَّلُوا عَلَيْهِ، وَهم مِنْ خَشيته مُشفقُوْنَ، وَلأَعدَائِهِ مُجَاهِدُوْنَ، وَفِي الطَّاعَة مُسَارعُوْنَ، وَعَنِ اللَّغو مُعرضون

”Quão belo foi o sufismo dos companheiros do Profeta e dos que os seguiram! Eles nunca adentraram em fantasias  ou sussurros. Em vez disso, eles adoravam a Deus, se humilhavam perante Ele e confiavam nEle. Eles tinham imensa reverência e temor a Ele, se esforçavam contra Seus inimigos, apressavam-se em obediência e evitavam conversas vãs. ”4

بَلَى، السُّلُوْكُ الكَامِلُ هُوَ الوَرَعُ فِي القُوتِ ، وَالوَرَعُ فِي المَنْطِقِ ، وَحِفْظُ اللِّسَانِ، وَمُلاَزَمَةُ الذِّكْرِ ، وَتَرْكُ مُخَالَطَةِ العَامَّةِ ، وَالبُكَاءُ عَلَى الخَطِيئَةِ ، وَالتِّلاَوَةُ بِالتَّرْتِيلِ وَالتَّدَبُّرِ ، وَمَقْتُ النَّفْسِ وَذَمُّهَا فِي ذَاتِ اللهِ ، وَالإِكْثَارُ مِنَ الصَّوْمِ المَشْرُوعِ ، وَدَوَامُ التَّهَجُّدِ ، وَالتَّوَاضُعُ لِلْمُسْلِمِيْنَ ، وَصِلَةُ الرَّحِمِ ، وَالسَّمَاحَةُ وَكَثْرَةُ البِشْرِ ، وَالإِنْفَاقُ مَعَ الخَصَاصَةِ ، وَقَوْلُ الحَقِّ المُرِّ بِرِفْقٍ وَتُؤَدَةٍ ، وَالأَمْرُ بِالعُرْفِ ، وَالأَخْذُ بِالعَفْوِ ، وَالإِعْرَاضُ عَنِ الجَاهِلِينَ ، وَالرِّبَاطُ بِالثَّغْرِ ، وَجِهَادُ العَدُوِّ ، وَحَجُّ البَيْتِ ، وَتَنَاوُلُ الطَّيِّبَاتِ فِي الأَحَايِينِ ، وَكَثْرَةُ الاسْتِغْفَارِ فِي السَّحَرِ ، فَهَذِهِ شَمَائِلُ الأَوْلِيَاءِ، وَصِفَاتُ المُحَمَّدِيِّينَ ، أَمَاتَنَا اللهُ عَلَى مَحَبَّتِهِم

“Ao contrário, a busca perfeita implica em ser circunspecto na comida e na fala; preservar a língua; recordar de Allah continuamente; não socializar demais com as pessoas; chorar pelos pecados; recitar o Alcorão com calma, distintamente, ponderando sobre ele; detestar o ego (nafs) e repreendê-lo pelo amor à Deus; aumentar os jejuns prescritos; orar nas vigílias noturnas regularmente; ser humilde com as pessoas; manter laços de parentesco; ser tolerante e generoso; sorrir abundantemente; gastar com os parentes e dependentes; falar a verdade, mesmo que amarga, moderadamente e sem pressa ou frustração; ordenar o bem; ter uma natureza perdoadora; afastar-se do ignorante; vigiar as fronteiras; travar a jihad; realizar a peregrinação; comer somente o que é lícito, em todos os momentos; bem como buscar o perdão de Deus abundantemente em privado. Tais são as características do awliya (santos) e as qualidades dos Muhammadistas (sifat al-muhammadiyyun). Que Deus nos faça morrer amando-os ”. 5

Falando sobre o desapego da vida material requerido para purificar o ego e afastá-lo do mundanismo;  que é o que conta, e não o mero conhecimento literário, o Imam Junayd disse: “Não tomamos o sufismo de “de acordo com fulano”ou ” como disse tal e tal “; mas da fome, do desapego mundano e do abandono do conforto. ” Depois de citar isso, al-Dhahabi comentou:

هَذَا حَسَنٌ، وَمُرَادُهُ: قَطْعُ أَكْثَرِ المَأْلُوْفَاتِ، وَتَرْكُ فُضُوْلِ الدُّنْيَا، وَجُوْعٌ بِلاَ إِفرَاطٍ. أَمَّا مَنْ بَالَغَ فِي الجُوعِ – كَمَا يَفْعَلُهُ الرُّهبَانُ – وَرَفَض سَائِرَ الدُّنْيَا وَمَأْلُوْفَاتِ النَّفْسِ مِنَ الغِذَاءِ وَالنَّومِ وَالأَهْلِ، فَقَدْ عَرَّضَ نَفْسَهُ لِبَلاَءٍ عَرِيْضٍ، وَرُبَّمَا خُولِطَ فِي عَقْلِهِ، وَفَاتَهُ بِذَلِكَ كَثِيْرٌ مِنَ الحَنِيْفِيَّةِ السَّمْحَةِ، وَقَدْ جَعَلَ اللهُ لِكُلِّ شَيْءٍ قَدْراً. وَالسَّعَادَةُ فِي مُتَابَعَةِ السُّنَنِ، فَزِنِ الأُمُورَ بِالعَدْلِ، وَصُمْ وَأَفْطِرْ، وَنَمْ وَقُمْ، وألزم الوَرَعَ فِي القُوْتِ، وَارْضَ بِمَا قَسَمَ اللهُ لَكَ، وَاصْمُتْ إِلاَّ مِنْ خَيْرٍ، فَرَحْمَةُ اللهِ عَلَى الجُنَيْدِ، وَأَيْنَ مِثْلُ الجُنَيْدِ فِي عِلْمِهِ وَحَالِهِ؟

”Isto é excelente, e o que se quer dizer aqui é renunciar à maioria dos confortos, renunciando ao que é supérfluo do mundo e à fome sem extremos. Quanto àquele que ultrapassa os limites da fome, como os monges, ou renuncia ao mundo e a todos os confortos da comida, do sono ou da família – ele se expõe a uma enorme tribulação que pode até mesmo prejudicar sua mente racional, e pela qual ele perde muito da religião monoteísta facilitada. Para cada coisa Deus fez uma medida; e a felicidade está em seguir os caminhos proféticos. Então, pondere as questões práticas de forma sóbria. Jejue e desjejue, durma e ore, apegue-se à circunspecção com relação ao sustento, fique contente com .o que Deus lhe atribui e fique em silêncio, exceto pelo bem.Que Deus tenha misericórdia de Junayd. Onde estão os próximos a ele em relação ao seu conhecimento e estado espiritual?”

Para não ser, como al-Dhahabi disse, “vazio”; oco; uma mera concha sem substância, cada um de nós deve ter um sério regime de prática espiritual onde a oração, o jejum, a recordação de Allah e outras práticas religiosas são internalizadas; onde a verdadeira sinceridade é cultivada; e onde o ego é domado e treinado. E é e isso que o tassawuf ou o sufismo – o termo acadêmico normativo para essa ciência – está ligado. Naturalmente, a regra a seguir aqui é, como Ibn Taymiyyah escreve, que existem duas tendências extremas em relação ao sufismo: ”Uns afirmam tudo o que é verdadeiro ou falso em relação a ele, e outros rejeitam tudo o que é verdadeiro ou falso em relação a ele – como certos teólogos e estudiosos da lei fizeram. A postura correta, como em relação a qualquer outra coisa, é aceitar o que quer que esteja de acordo com o Alcorão e a Sunnah, e rejeitar o que quer que se oponha a eles.” 7 E, é claro, a outra máxima acadêmica a seguir é: ibrah bi’l-haqa’iq wa’l-ma’ani la bi’l-alfadh wa’l-mabani – ”Consideração é dada às realidades e significados, não a jargões ou terminologias.”

Tentativas de escorraçar todo o sufismo são, portanto, um recuo do Islam normativo e uma digressão da ortodoxia sunita. Um firme compromisso com nossa jurisprudência, com os deveres exteriores do Islã, é admirável e obrigatório. Mas qualquer seguimento do exterior que não seja iluminado por uma vida espiritual sábia e transformadora, produzirá somente aqueles que são severos, hostis, auto-justos, que atacam os inocentes e que prosperam em cismas e controvérsias. Tal tem sido a sabedoria recebida no Islam: nosso atual estado sendo o produto de sua negligência coletiva.

Notas:

1. Siyar A‘lam al-Nubala (Beirute: Mu’assasah al-Risalah, 1998),15:410.

2. Al-Bukhari, no.6502.

3. Al-Muqizah fi ‘Ilm Mustalah al-Hadith (Beirute: Dar al-Bashshar al-Islamiyyah, 1991), 89-90, citando Ibn Daqiq al-‘Id.

4. Siyar A‘lam al-Nubala, 18:510.

5. ibid., 12:90-91.

6. ibid., 14:69-70.

7. Majmu‘ Fatawa (Arábia Saudita: Dar ‘Alam al-Kutub, 1991), 10:82.

Fonte: https://thehumblei.com/2019/04/30/imam-al-dhahabi-on-sufis-sufism-spiritual-wayfaring/?fbclid=IwAR0-iW9VCskMLJzy4EibYKuhdIvVMKF17PxmR8zGBnduCoDiIC35Q_4c0wY

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