A revolução Almorávida foi um dos poucos movimentos de massa genuínos na história islâmica. Cresceu fora do útero da África, envolveu dois continentes e desempenhou um papel decisivo nos desenvolvimentos históricos na África e na Espanha. Enquanto um movimento de massa, estudiosos europeus e muçulmanos o estudaram extensivamente. Ibn Khaldun (Nascido ao norte da África em 1332 d.C, na atual Túnis e falecido no Cairo em 17 de março de 1406 d.C) usou isso como base para sua teoria sobre a ascensão e queda das civilizações. De acordo com Ibn Khaldun, as civilizações se mantêm unidas por asabiyah (coesão primitiva). As características que favorecem a coesão são encontradas em profusão entre os nômades do deserto. Os nômades, atuando como agentes de mudança superam civilizações antigas e trazem sangue novo, bem como as virtudes do deserto: integridade, virilidade, coragem, firmeza e compromisso com a tribo. Com o tempo, eles se estabelecem e se tornam moradores da cidade e sucumbem aos vícios que caracterizam a vida urbana. Em seguida a decadência se instala, que por sua vez é superada por uma nova onda de conquistas do deserto. A perspectiva de Ibn Khaldun era que, no século XI, a muçulmana África do norte, e a Espanha, haviam esgotado sua virilidade cedendo aos vícios de uma vida urbana luxuosa. A revolução almorávida foi uma onda tribal do deserto que superou a corrupção da vida da cidade e a substituiu pela asabiyah do deserto.
Engel (nascido em 1820, e falecido em 1895), um dos arquitetos do pensamento marxista, viu a revolução Almorávida sob termos puramente econômicos. Ele sustentou que as tribos de Zenagas (tribos históricas berbere do sudoeste da Mauritânia) empobrecidas do deserto queriam punir os habitantes ricos e moralmente laxos da cidade e confiscar suas riquezas. Max Weber (nascido em 1864, e falecido em 1920), historiador alemão, considerou que elementos econômicos e religiosos estavam presentes no levante das tribos do deserto.
É nossa tese que as causas para a ascensão e queda das sociedades muçulmanas sejam encontradas na dialética interna da comunidade. A história islâmica gira em torno do eixo da fé. Tem sido um esforço recorrente dos muçulmanos para construir suas vidas de acordo com os ditames de sua fé. Mesmo onde os principais motivos de conflito eram externos, como o exemplo da resistência ao colonialismo europeu na África Ocidental no século XIX ou as lutas contra a dominação estrangeira, elas eram fundamentadas sempre em termos religiosos.
O impulso desta luta global é criar uma sociedade islâmica ideal exigindo o que é certo e proibindo o errado. Este esforço é guiado por um consenso da comunidade com base no Alcorão e na Sunna (tradição do profeta Mohamad). Mesmo onde o estopim de um movimento surge de fontes periféricas, a massa do conflito sempre gravita em direção ao consenso dos crentes. No século XI, o Magrebe estava repleto de inquietação; A região ainda não havia se recuperado das devastações provocadas pelos fatímídas egípcios do século anterior. A maioria dos árabes e berberes, que eram sunitas, tinha concordado com o domínio fatímida, mas nunca o aceitaram de fato. Os kharijitas extremistas estabeleceram um reino no sul da Argélia e fizeram avanços significativos na conversão de um grande número de pessoas a seu ponto de vista. As fontes periféricas Fatímidas e Kharijitas realizaram o impulsionamento para a mudança, mas o centro da massa, baseado no islamismo sunita estava começando a se mexer. A revolução almorávida foi, portanto, uma expressão em massa do desejo de reformar e restaurar o Islã sunita sobre as visões concorrentes oferecidas pelos Kharijitas e pelos Fatímidas.
A região da Mauritânia, habitada pelas tribos de Zenagas, foi o berço da revolução almorávida. A palavra Murabitun (que em português se traduz por almorávida) deriva sua origem da palavra árabe Rabat, que significa, uma fortaleza que protege uma fronteira. No ano 1035, Yahya bin Ibrahimn (nascido em aproximadamente 1048) líder dos Zenagas, realizou seu Hajj. Ao retornar de Meca, ele pausou na grande universidade de Kairouan, uma fortaleza da Escola maliki de fiqh. Yahya bin Ibrahim solicitou ao reitor da universidade, Abu Imran al Farsi (nascido entre 975 e 978 d.C, morreu em 8 de junho de 1039.d.C e era um sábio do madhhab de maliki marroquino nascido em Fez), que enviasse um de seus alunos para a Mauritânia. Abu Imran escolheu um de seus ex-alunos, Abdullah bin Yasin (nascido em 1059 e falecido em 1058). Em sua viagem pelo sul da Argélia, a caravana passou por áreas onde a influência de grupos dispersos, como os Kharijitas, era forte. Profundamente perturbado, Abdullah bin Yasin resolveu lutar para reavivar o Islã ortodoxo na África Ocidental.
O Magrebe estava cheio de descontentamento e os almorávidas rapidamente se consolidaram na região. Em 1051, toda a área a oeste de Kairouan estava sob sua influência. Para fins administrativos, Abdullah bin Yasin manteve a supervisão das regiões do sul, constituídas pelo Senegal, Mauritânia e o sul do Marrocos, sob seu controle direto, enquanto delegava a gestão dos territórios do norte em torno da bacia do Mediterrâneo para seu primo Yusuf bin Tashfin (nascido em 1061, e falecido em setembro de 1106 d.C). Enquanto a consolidação política estava ocorrendo no norte da África, o poder muçulmano na Espanha estava rapidamente se desintegrando. Já faz mais de 300 anos que Tariq ibn Ziyad (nascido em 670, e falecido em 720 d.C) tinha desembarcado suas tropas no estreito de Gibraltar e queimado os barcos que os haviam transportado até onde separa-se a África da Europa, ordenando que avançassem em nome do Tawhid.
A fé que tinha impulsionado Tariq para a Europa em 707 tinha em torno do ano de 1051 se dissipado e cedido à política e ao oportunismo. O califado omíada em Córdoba se dissolveu no ano 1032 e, em seu lugar, surgiram pequenos principados empurrando uns aos outros em direção ao prestígio e poder. A coesão promovida pela fé deu lugar ao oportunismo baseado em lealdades tribais e familiares. Mas a tribo e a família não podem substituir a transcendência da fé baseada no Tawhid. A Espanha era, portanto, como um pedaço de vidro rachado pronto para quebrar.
Enquanto isso, na Europa, o Papa Urbano II (nascido em 1042 em Roma, e falecido em 1099) declarou uma cruzada pela conquista de Jerusalém (em 1095 d.C). O impulso dos cruzados no início do século XII foi em direção à Sicília, ao norte da África, e a Espanha. A desintegração do califado de Córdoba e a regressão simultânea do poder fatímida no Egito foi um convite para que as potências europeias flexibilizassem seus músculos. Roger II (nascido em 1095, e falecido em 1154) capturou a Sicília, fornecendo uma base no Mediterrâneo para a invasão da Palestina. Em 1060, os cruzados invadiram a costa do norte da África, mas não conseguiram manter seus ganhos devido ao ressurgente poder almorávida. No entanto, estas foram apenas exibições laterais. As primeiras batalhas lançadas das cruzadas foram travadas em solo espanhol. Foi aqui que a crescente e a cruz se encontraram em batalha, quase cinquenta anos antes do foco se deslocar para a Palestina, Síria e para a cidade de Jerusalém. E quando os dados ‘’históricos’’ das Cruzadas foram registrados 300 anos depois, foi a Espanha que foi conquistada pela primeira vez e então perdida do alcance do Islã.
As cruzadas começaram com seriedade na Espanha em 1017. Intimados pela Igreja, cavaleiros da França entraram na Espanha para se juntarem aos cruzados locais contra os muçulmanos. Em 1026, Sancho capturou Castela e tornou-a capital do seu reino. Seu filho Ferdinand I(nascido em 1015, e falecido em 1065) capturou León em 1037. Em 1063, ele subjugou a maioria das áreas ao norte do rio Duero, a uma distância que se estende de Lisboa, a Madrid e Barcelona na costa do Mediterrâneo. Quando morreu em 1065, Ferdinand I forçou os principados muçulmanos de Saragoça, Toledo, Sevilha e Badejoz a pagar-lhe tributo. Mas este foi apenas o começo. Foi durante o reinado de seu filho Alfonso VI (nascido em 1047, e falecido em 1109) que os cristãos fizeram grandes avanços. Em 1085, Alfonso VI capturou a antiga cidade de Toledo. As vastas bibliotecas e centros de aprendizagem desta antiga capital caíram em mãos cristãs. O estímulo intelectual de Toledo foi o primeiro de uma série que foi libertar a Europa medieval da Era das Trevas.
Ele foi derrubado de Toledo desencadeando uma reação em cadeia. A Europa estava jubilosa. Os sinos de alarme tocaram na Espanha muçulmana. Mas as pequenas rivalidades entre os principados tornaram impossível uma resistência concreta ao ataque cristão. Enquanto isso, a revolução de almorávida havia varrido a África do Norte e estava batendo nas portas da Espanha. A pureza da fé defendida pelos almorávidas chegou a um comum acordo e que ressoou aos muçulmanos espanhóis. A população andaluza estava trabalhando sob impostos opressivos cobrados pelos emires para apoiar seus próprios tribunais extravagantes e pródigos e para pagar a homenagem anual aos cristãos. Os ulemá (sábios da religião) percebeu que a fé sozinha proporcionaria o escudo contra os cruzados. Eles se reuniram por toda a Andaluzia em Sevilha e exigiram que os emires se aproximassem dos almorávidas para obter ajuda. Em 1086, um ano após a queda de Toledo, os emires de Sevilha, Granada e Badejoz enviaram um emissário a Yusuf bin Tashfin pedindo-lhe para intervir.
Yusuf bin Tashfin, líder da ala do norte do movimento almorávida, estava bem ciente das divisões entre os governantes da Espanha e, no início, hesitou em entrar na briga. Mas ele ficou comovido com as repetidas súplicas dos ulemá. Em 1086, ele avançou com um exército de 80 mil homens. Suas tropas de Zenagas , Berber e África foram endurecidas após campanhas na África e animadas pela fé. Algumas das tropas vieram do extremo sul de Timbuktu e Gao. Ibn Khaldun registra que os almorávidas seguiram as estratégias ensinadas pelo Profeta Mohamed na Batalha de Badr (ocorrida em 13 de março de 624 d.C). Eles estavam lutando pela fé e não desistiram de uma batalha até que a vitória fosse alcançada. Os exércitos de Sevilha, Granada e Badejoz se juntaram aos almorávidas, contabilizando nas fileiras dos soldados muçulmanos mais de 150 mil homens.
Na época, Alfonso VI e seus cavaleiros cruzados estavam devastando Zaragoza no norte. Ao saber da chegada dos almorávidas, ele se retornou e os dois exércitos se encontraram nos campos de Zallaqa, perto de Badejoz. Até essa altura, os cavaleiros europeus gozavam da vantagem da armadura pesada. Mas Yusuf trouxe consigo arqueiros turcos com seus poderosos arcos cossacos. Os soldados africanos, armados com escudos de couro de hipopótamo e longas lanças de aço, marcharam sob os sons ensurdecedores dos tambores africanos. A terra estremeceu quando a batalha despontou. Os cruzados sofreram uma derrota esmagadora com mais de 80 mil soldados de infantaria e mais 20 mil cavalheiros mortos. Alfonso VI foi ferido várias vezes, mas conseguiu escapar com seu protetor na escuridão da noite. Após a vitória, os emires espanhóis brigaram entre eles pelo despojo da guerra. Desgostado, Yusuf bin Tashfin, retirou-se para o Marrocos.
Alfonso VI voltou-se para pedir ajuda à Europa cristã e, dentro de um ano, voltou a agravar-se. Seu poderoso tenente El Cid (do árabe, ya sidi ou al Syed), também conhecido como Rodrigo Diaz de Bivar (nascido em 1043, e falecido em 1099) conquistou Saragosa e Valência. Outro de seus cavaleiros, Garcia Jimenez, devastou os territórios muçulmanos até Sevilha. O Emir de Sevilha, o erudito al Mutamid (Maomé ibne Abade Almutâmide, nascido em 1040, e falecido em 1095), não podia conter os cristãos. Em desespero, ele voltou mais uma vez para o norte da África para pedir ajuda.
Yusuf bin Tashfin cruzou a Espanha pela segunda vez em 1089. Os emires de Sevilha, Granada, Málaga, Almeria, Múrcia e Badejoz prometiam seu apoio. Linhas de batalha foram desenhadas. El Cid se juntou com Alfonso VI e avançou em direção ao campo dos almorávidas. Mas logo antes do acontecimento, querelas emergiram novamente entre os emires. Yusuf bin Tashfin não desejava enfrentar os cruzados com um acampamento dividido e retirou-se para a África. Desta vez, no entanto, ele decidiu depor os emires e absorver Andaluzia no território de almorávida.
Em 1090, Yusuf bin Tashfin cruzou a Espanha pela terceira vez. Seu primeiro ato foi depor os emires de Granada e de Málaga que o abandonaram na hora da batalha. Enquanto isso, Al Mutamid, o emir de Sevilha, certificava-se de que lia os presságios corretamente, de que seguiria em frente para assumir o controle sobre os almorávidas. Para preservar o seu emirado, procurou uma aliança com Alfonso VI. No entanto, os almorávidas interceptaram esta correspondência. Al Mutamid foi deposto no norte da África junto com sua casa. Ele morreu sem um tostão na cidade de Aghmat no ano de 1095. Ele é mais conhecido na história como um grande poeta, cuja expressão de emoção na poesia pressagiava o do último imperador mogol Bahadur Shah Zafar (nascido em 1775 d.C, e falecido em 1862 d.C) da Índia por mais de setecentos anos de diferença.
Os Almorávidas conquistaram Andaluzia desde o norte de Toledo até Barcelona. Alfonso VI e seus cavaleiros cruzados sofreram uma derrota após outra. Mas El Cid continuou a aguentar contra Yusuf bin Tashfin e bloqueou um grande avanço dos almorávidas pela costa do Mediterrâneo. Yusuf bin Tashfin morreu no ano 1106. Alfonso VI morreu no ano 1109.
O confronto entre Yusuf bin Tashfin e Alfonso VI ocorreu enquanto a primeira cruzada se enfurecia na Palestina resultando na queda de Jerusalém em 1099. Os almorávidas representaram um aumento da fé em meio à corrupção e laxismo da Espanha do século XI. Eles mantiveram a península andaluza para os muçulmanos por mais de cem anos e conseguiram repelir os cruzados para além das montanhas dos Pirenéus na França. Se não fosse pelos almorávidas, os guerreiros destemidos e velados do útero da África, os cruzados poderiam ter infligido muito mais dano aos muçulmanos do Mediterrâneo oriental, na Síria, no Egito e na Palestina. Yusuf bin Tashfin, como um dos arquitetos da revolução almorávida, é celebrado como personagem central na defesa islâmica contra as cruzadas espanholas.
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