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Existem Quantos Sufis no Mundo Islâmico?

Os devotos do Sufismo – a interpretação espiritual do Islam – sempre enfrentam problemas onde quer que estejam. No ocidente, muitos autointitulados sufis nunca nem sequer se tornaram muçulmanos, sabem pouco das bases religiosas da via sufi e dão ao Sufismo a reputação de ser simplesmente mais uma moda da nova era, um “misticismo de lazer”. Nas terras islâmicas, principalmente nos países árabes, autores sufis clássicos são louvados, enquanto tutores sufis vivos são menosprezados, considerados charlatães anti-islâmicos. E, em certos locais, os sufis são aprisionados e assassinados.

Contudo, por ser ligado ao Sufismo, me preocupo principalmente com uma outra expressão de menosprezo contra ele, muito presente entre certos especialistas ocidentais amadores, que odeiam o Islam: a alegação de que o Sufismo é irrelevante. Desde os horrores de 11 de setembro de 2001, de quase uma década atrás, o ato de identificar uma forma contemplativa e moderada do Islam que possa se opor às doutrinas extremistas e fundamentalistas aparenta ser de grande importância tanto para a saúde moral dos crentes muçulmanos, quanto para a segurança dos muçulmanos e não muçulmanos. Mas o Sufismo, como alternativa para o extremismo islamista, normalmente é desconsiderado ou mesmo menosprezado pelos críticos muçulmanos e não muçulmanos.

O engano na percepção ocidental sobre a importância dos Sufis na vida islâmica se agrava com falta de clareza quanto a quem eles são e ao que eles são. Os Sufis costumam ser muito prestigiados pela população muçulmana, embasados nos exemplos sufis de humildade pessoal no fervor por Deus e na pregação dos Sufis do amor pela humanidade. Mas os Sufis não são necessariamente indivíduos exóticos e de outro mundo, que passam todo seu tempo absortos no semah (o ato do giro em transe, ou outras formas de dança).

Alguns Sufis se retiram das ocupações da sociedade, outros procuram a satisfação do Criador na busca pela justiça social, por meio do aprimoramento da educação popular e de serviços aos necessitados, como a moradia para os sem-teto e a distribuição gratuita de alimentos. Em vez de desaparecerem numa aura nebulosa de meditação, muitos Sufis do mundo islâmico contribuem ativamente na defesa das vítimas de opressão.

Os Sufis também podem assumir a empreitada arriscada de se comprometerem abertamente com a política. Esse tipo de ação tem sido bastante evidente nos acontecimentos na Turquia dos últimos vinte anos. 

Os Sufis turcos foram oprimidos pelo regime secularista estabelecido na década de 1920, mas prosperaram na obscuridade e agora se revelam na liderança de partidos islamistas e em cargos no governo. Como evoluirão as relações entre os políticos islamistas turcos e os Sufis turcos e curdos, ainda não sabemos.

Entre os princípios essenciais presentes na maioria dos Sufis muçulmanos, está a ênfase nas semelhanças com as outras fés e tradições, o que contribuiu na melhora das relações entre muçulmanos, judeus, cristãos, budistas e praticantes de outras crenças não islâmicas. Alguns críticos, que têm como intenção denegrir o Islam por inteiro, concluíram que os Sufis, mesmo vivendo com moderação e com respeito mútuo com as pessoas religiosas, não chegam a ser nem cinco por cento dos muçulmanos do mundo. 

Já que no ponto de vista de muitos ocidentais a importância do Sufismo é indicada por dados demográficos, perguntemos: Qual a quantidade de Sufis no mundo islâmico?

Primeiramente, eu observaria que os Sufis estão presentes, consistentemente, em todos os grupos populacionais islâmicos, inclusive naqueles onde foram perseguidos por mais tempo: os da Arábia Saudita. Apesar de o Reino Saudita ter proibido e punido as pessoas pela posse de livros de Sufismo e pela prática de atividades sufis, sempre houve uma presença clandestina dos Sufis na Arábia Saudita, que tinham influência sobre os postos mais elevados do poder. Antes de assumir o trono em 2005, o então príncipe saudita e hoje rei, o Rei ‘Abdullah, que defendia os Sufis, conseguiu para eles o direito de se congregarem para a prática do dhikr (a recordação de Deus, com invocações em voz alta ou silenciosas, cânticos e movimentos corporais) em suas casas.

Em alguns países, o Sufismo é louvado como uma tradição magnífica ao mesmo tempo em que é omitido no dia a dia. O exemplo mais óbvio de um contexto desses é o Irã. Não era fácil para conjuntura clerical estabelecida pelo Ayatollah Ruhollah Khomeini agir contra os Sufis, já que muitos Sufis famosos escreviam em persa – um exemplo é Jalal ad-Din Rumi, autor do século XIII, que muitos consideram ser hoje o autor das poesias mais lidas no ocidente. Muitos textos sufis se tornaram a literatura nacional dos iranianos.

Mas, ao passo em que os clérigos de Teerã honram os Sufis do passado, eles coíbem os Sufis da atualidade. Os Sufis servem principalmente como alternativa à autoridade clerical no Islam e grupos sufis iranianos de grande representação, como a ordem dervixe Nimatullahi-Gonabadi e os membros grupo “oculto” Ahl-e Haqq, ou “povo da verdade”, que falam no idioma curdo, representam um desafio complicado para as autoridades iranianas. Os Sufis iranianos vêm sido presos e desaparecendo no esquecimento das prisões e, sem dúvida, alguns foram mortos.

Certos países islâmicos têm atitudes ambíguas a respeito do Sufismo. Já em outras sociedades muçulmanas, podemos notar variações na intensidade do “ativismo” sufi. 

No geral, quando analiso o Sufismo islâmico, costumo categorizar os territórios muçulmanos entre aqueles onde o Sufismo tem uma influência profunda no Islam local, porém informal, e aqueles onde ele possui uma presença institucional e bem-estabelecida.

Nas vastidões eurasianas, o Islam é altamente permeado pelos ensinamentos e costumes sufis. Nas minhas viagens, observações e participações na vida islâmica do mundo, vi e constatei por experiência própria que o Islam orientado ao Sufismo prevalece entre os muçulmanos russos e eslavos da Turquia, é dominante na Ásia central e é muito difundido no sul e no sudeste da Ásia. Por toda essa terra eurasiana, as pessoas estudam os autores sufis, peregrinam em multidões para santuários sufis e também rememoram e celebram as vidas dos santos sufis de outras maneiras.

Em outros locais, a tradição espiritual se mantém com organizações poderosas e organizadas, às vezes chamadas de “irmandades”. Essas ordens são proeminentes no norte, no oeste e no leste da África e na região da Albânia, além de estarem presentes na Síria, no Iraque, no Curdistão e no Irã. 

Na Turquia, a maioria dos muçulmanos são Sufis, ou por se identificarem com o sunismo normativo, que é apoiado pelo estado que, por sua vez, exalta os Sufis e disponibiliza a obra de Rumi em todas as mesquitas turcas; ou por participarem de ordens sufis, de círculos de estudo e outras comunidades voluntárias que ensinam o Islam esotérico – esses círculos de estudo e comunidades voluntárias são muito difundidos na Turquia. Outros se envolvem com manifestações mais singulares, como o movimento Alevi, xiita-sufi-xamanista, turco e curdo. Uma variação da norma entre as comunidades sufis é a Indonésia, que possui um movimento cívico de escala nacional – a organização Nahdatul Ulama (NU). De volta ao sul da Ásia, lá, o Sufismo organizado é representado por uma base mais popular de Sufismo “cultural” e sofre ataques violentos de extremistas.

Ao classificar os muçulmanos que são influenciados pelo Sufismo com os Sufis muçulmanos, do Senegal até Singapura, creio que seja realista constatar que também faz parte dessa categoria uma pluralidade grande, entre os mais de 1 bilhão e 300 milhões de muçulmanos do mundo. Essa ideia deve ser fonte de otimismo para quem busca a conciliação, e não o confronto, entre as religiões do mundo e deve afetar positivamente tanto a direção quanto a imagem do Islam entre os não muçulmanos. 

Por isso, um foco maior nos Sufis, da parte daqueles que têm interesse nas ciências socias e da parte dos outros especialistas, é algo que faz falta e que seria muito bem-vindo.

Fonte: https://www.huffpost.com/entry/how-many-sufis-in-world-i_b_902164

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