Infalibilidade é um dos atributos necessários dos profetas. A palavra árabe traduzida por ‘infalibilidade’ é isma, que significa protegendo, ou salvando e defendendo. A palavra é usada no Alcorão em uma variedade de formas derivadas. Por exemplo, durante o Dilúvio, quando o Profeta Noé convidou seu filho a embarcar em sua arca, ele respondeu: Vou refugiar-me numa montanha; isso irá me salvar da água. Noé respondeu a seu filho usando o particípio ativo da palavra: Hoje não há nenhum ‘salvador’ do comando de Deus (Hud, 11.43)
A esposa do ‘Aziz do Egito, cujo nome é mencionado como Potiphar na Bíblia, usa a mesma palavra em: Eu tentei seduzi-lo, mas ele firmemente ‘salvou a si mesmo’, inocentemente (Yusuf, 12.32). O Alcorão conclama os crentes a segurar firmemente na ‘corda do Senhor’, isto é, o Alcorão e a religião do Islam, usando a mesma palavra de uma forma diferente: Segurem-se firmes todos juntos e se ‘protejam’ (contra serem divididos) com a corda de Deus (Al ‘Imram, 3.103). Novamente, vemos a mesma palavra no verso: “Deus irá defendê-los (proteger) das pessoas” (al-Ma’ida, 5.67).
Uma pequena minoria de sábios muçulmanos afirmaram que os profetas podem ter cometidos pecados de um tipo insignificante chamados zalla, ou seja, ‘erro’ ou ‘lapso’, e dão, em ordem de provar sua afirmação, alguns episódios das vida de, por exemplo, Adão, Noé, Abraão e José, que a paz esteja sobre eles. Antes de elaborar seus casos, deve ser notado que, mesmo se atribuirmos alguns lapsos aos Profetas, eles não são pecados no sentido de desobediência aos Comandos de Deus. Os Profetas tendiam a esperar pela Revelação quando tinham uma questão a julgar. Em raras ocasiões, entretanto, acontecia de eles exercitarem seus próprios poderes de raciocínio, em ordem de passar um julgamento, uma vez que eles eram os maiores dos mujtahids (juristas do mais alto nível que podem deduzir leis dos princípios estabelecidos pelo Alcorão e pela Sunna). Eles podem algumas vezes terem errado em seus julgamentos ou decisões, mas tais erros, que foram imediatamente corrigidos por Deus, não podem nunca ser considerados pecados.
Segundo, os Profetas sempre buscaram o bom agrado de Deus em toda instância de suas vidas, e tentaram obter o que era melhor num assunto. Se, numa hipótese rara, eles não agem segundo a melhor de todas as escolhas, mas segundo alguma das segundas melhores, seu ato não deve ser visto como um pecado. Por exemplo, supondo que um homem tenha que fazer uma escolha: Se ele vai recitar o Alcorão inteiro em dez dias, e dar a devida atenção a cada verso, ou vai terminar a récita em 7 dias, em ordem de expressar seu profundo amor pela Palavra de Deus. Se esse homem escolhe a primeira opção sem saber que o prazer maior de Deus está na segunda, ele obviamente não vai ser considerado como alguém que cometeu um pecado. Assim, a preferência de um profeta por uma das segundas melhores ações, em vez da melhor, não é um pecado, mas, por conta de sua posição em relação a Deus, Ele pode às vezes reprová-lo suavemente.
A infalibilidade dos Profetas é um fato estabelecido, baseado na razão e na tradição.
A Razão postula a infalibilidade dos Profetas, que a paz esteja com eles, porque:
Como já explicado, os Profetas vieram transmitir para as pessoas a Mensagem de Deus. Se comparamos essa Mensagem, ou a Revelação Divina, com a luz ou com água pura (al-Ra’d, 13. 17; al-Nur, 24.35), é necessário e indispensável à natureza da Revelação que tanto o Arcanjo Gabriel, que trouxe a revelação, como o Profeta que a transmitiu às pessoas, sejam absolutamente puros. De outra forma, a luz Divina, a Revelação, teria sido extinta ou ofuscada, essa ‘água pura’ teria sido poluída. Cada queda (do caminho correto) é uma impureza, uma mancha escura no coração. Assim como Gabriel, o coração, ou alma, dos Profetas, é como um ‘espelho polido’, através do qual a Revelação Divina é refletida para as pessoas, ou como uma ‘taça’ através da qual as pessoas matam sua sede dessa ‘água Divina’ pura. Qualquer ponto escuro no espelho absorveria um raio dessa luz; uma única gota de lama seria o suficiente para tornar a água impura. Isso significaria que os Profetas não teriam – Deus proíba tal pensamento! – transmitido a Mensagem de Deus integralmente. A verdade é que eles cumpriram seu dever perfeitamente e não deixaram nada da mensagem sem ser transmitido. Isso é claro nos seguintes versos do Alcorão:
Ó Mensageiro! Transmita o que foi enviado a você pelo seu Senhor. Se você não o fizer, não terá cumprido a missão d’Ele. E Deus o defenderá das pessoas. Certamente, Deus não guia os descrentes. (al-Ma’ida, 5.67)
Hoje Eu aperfeiçoei sua religião para vocês, completei Meus favores sobre vocês, e escolhi e aprovei para vocês o Islam como religião. (al-Ma’ida, 5.3)
Segundo, as pessoas aprenderam dos Profetas todos os comandos e princípios em respeito a crença e conduta. Em ordem de que as pessoas pudessem aprender esses comandos em sua pristina pureza e verdade, e da forma mais perfeita possível para assegurar sua felicidade e prosperidade nos dois mundos, os Profetas deveriam, primeiro, representar e, então, apresentá-los sem nenhuma falta ou defeitos, pois eles são os guias e bons exemplos para as pessoas seguirem, como explicitamente declarado no Alcorão:
Vocês certamente têm no Mensageiro de Deus um belo modelo e um excelente exemplo para qualquer um que aspire a Deus no Último Dia, e que se empenha muito na recordação de Deus. (al-Ahzab, 33.21)
Vocês têm um excelente exemplo em Abraão e naqueles que estão com ele – havia de fato neles um excelente exemplo para vocês – para aqueles que aspiram a Deus e o Último Dia. (al-Mumtahana, 60. 4,6)
Apesar de seu máximo cuidado para não fazer nada contrário ao Islam, e para nem mesmo dizer uma única palavra que não seja sancionada por Deus, se um Profeta pronunciasse uma palavra falsa, ele iria se arrepender por uma vida inteira, ou mesmo mais que isso. É narrado que o Profeta Abraão, que a paz esteja com ele, vai direcionar para Moisés as pessoas que apelarão por sua intercessão no Dia do Julgamento, alegando que não pode fazê-lo pelo fato de ter falado de maneira metafórica três vezes em sua vida ¹. Embora não seja um pecado falar de maneira indireta a verdade quando for mais apropriado do que ser direto, o arrependimento de Abraão por suas três metáforas continuará no Além.
Terceiro, o Alcorão comanda os crentes a obedecer todas as ordens ou proibições do Profeta, sem exceção, e enfatiza que: não é apropriado para um ou uma crente que, quando um assunto for decidido por Deus e Seu Mensageiro, ter qualquer objeção sobre essa decisão (al-Ahzab, 33.36). Ele também alerta os crentes que aquilo que os compete, quando Deus e Seu Mensageiro tiverem passado um julgamento, é dizer: ‘Ouvimos e obedecemos’ (al-Nur, 24.51). Obediência absoluta a um Profeta significa que ele está certo em todos os seus comandos e proibições.
A Profecia é um benefício tão grande que todos os Profetas aguentaram dores insuportáveis no cumprimento do dever de agradecimento, e estavam sempre preocupados em não ter adorado a Deus suficientemente. O Profeta Muhammad, que as bênçãos e a paz estejam sobre ele, frequentemente implorava a Deus usando as seguintes palavras:
Glorificado sejas Tu, nós não fomos capazes de conhecer-Te como Teu conhecimento requer, Ó Aquele que é Conhecido. Glorificado sejas Tu, nós não fomos capazes de adorar-Te como Tua adoração requer, ó Aquele que é Adorado.
Os versos alcorânicos que às vezes são equivocadamente interpretados como repreensão a certos Profetas por algumas falhas deles, ou que indicam que os Profetas buscaram o perdão de Deus por algum pecado cometido, devem ser considerados deste ponto de vista. Além disso, o perdão de Deus nem sempre significa que um pecado foi cometido. As palavras alcorânicas ‘afw’ – perdão, e ‘maghfirah’ – ‘indulgência’, também significam ‘favor especial, gentileza e dispensação Divina em respeito à suavização ou à omissão de um dever religioso’, como nos versos seguintes:
Se alguém é forçado (a comer deles) por fome, sem inclinação para a transgressão, Deus é certamente o Perdoador, o Mais Misericordioso (al-Ma’ida, 5.3)
Se… vocês não encontrarem água, então recorram a areia ou terra limpas, e esfreguem em suas faces e mãos, pois Deus é Perdoador e Indulgente. (al-Nisa’, 4.43)
Quarto, os pecados e o perdão possuem diferentes graus:
Um quarto tipo, que não é um pecado, é realizar algo que seja bom, mas não o melhor, uma falha em fazer perfeitamente o que é requerido pelo amor e proximidade de Deus. Isso é o que alguns dos Profetas podem ter feito, portanto não é um pecado em nosso uso normal da palavra, como algo merecedor de punição Divina.
A Tradição também prova a infalibilidade Profética:
Deus diz no Alcorão, a respeito do Profeta Moisés:
Eu lhes infundi amor para contigo (e lhe fiz agradável e amável), para que fosses criado sob a Minha vigilância. (Ta Ha, 20:39)
O Profeta Moisés, que a paz esteja sobre ele, foi criado pelo próprio Deus, e preparado para a missão de Mensageiro. Assim sendo, é inconcebível que ele possa ter cometido um pecado em qualquer momento de sua vida.
O mesmo é verdade para todos os Profetas. O Mensageiro de Deus, que as bênçãos e a paz estejam sobre ele, disse, por exemplo, sobre Jesus: “Satanás não pôde tocar Jesus e sua mãe no seu nascimento”. Jesus foi protegido desde o nascimento até sua elevação à Presença de Deus, assim como também lemos no Alcorão:
(Maria) apontou para ele [o bebê]. Eles disseram: ‘Como podemos falar com um infante no berço?’ Ele (Jesus) disse: ‘Eu sou de fato um servo de Deus. Ele me deu a escritura e me fez um Profeta. Ele me fez abençoado onde eu estiver, e me recomendou a oração e a caridade enquanto eu viver. Ele me fez gentil com minha mãe, e não um arrogante ou rebelde. Assim, a paz está comigo do dia que nasci, estará comigo no dia em que eu morrer e no dia em que for ressuscitado.’ (Maryam, 19.29-33)
Jesus, como todos os outros Profetas, era protegido de todos os tipos de pecados desde seu nascimento. O Mensageiro de Deus, que a paz e as bênçãos estejam sobre ele, intencionou, em sua infância, comparecer a duas cerimônias de casamento em momentos diferentes, mas, em ambas as ocasiões, ele foi vencido pelo sono, que o impediu de comparecer ². Da mesma forma, em sua juventude, ele ajudou seus tios com a restauração da Caaba ao carregar pedras. Uma vez que as pedras feriram seus ombros, seu tio, ‘Abbas, o aconselhou a içar a peça de roupa que cobre a parte inferior do corpo sobre o ombro, para carregar as pedras. Ele fez aquilo que lhe foi aconselhado, deixando algo da parte superior de suas pernas descoberto. Ele então caiu sobre as costas, com os olhos mirando fixamente. Um anjo apareceu e o alertou de que o que havia feito era impróprio, dizendo: ‘Isso não é adequado para você.’ ³ Isso porque o dia iria chegar quando ele ordenaria as pessoas a serem bem comportadas e a observar padrões de conduta Divinamente ordenados, incluindo manter as coxas cobertas.
O Mensageiro de Deus diz que todos os filhos de Adão cometem falhas e erram, e o melhor desses que cometem faltas e erram é o que se arrepende 4. Isso implica que o homem é falho por natureza, mas não significa que toda a humanidade está ‘condenada’ a errar de toda maneira. Seja pela Vontade de Deus e sua proteção especial ou, como será explicado abaixo, pelo fato de Ele mostrar o caminho para ser livre de erros ou pecados, até mesmo o maior dos santos que continua a missão Profética de guiar pessoas pode ser infalível em algum grau.
Deus promete proteger os crentes que temem-No, e dotá-los com um julgamento saudável, para habilitá-los a distinguir entre a verdade e a falsidade, e entre certo e errado:
Ó vós que credes! Se temerem a Deus, Ele estabelecerá para vós um Critério (para julgar entre certo e errado), os purificará de todos os seus maus, e os perdoará. Deus é possuidor de graça ilimitada. (al-Anfal, 8.29).
Deus fez um pacto com os crentes que, se eles O obedecerem, ajudarem em Sua causa e se esforçarem para exaltar Sua Palavra, proclamando Sua religião, Ele os ajudará e fará seus pés firmes na religião, protegendo-os contra todos os tipos de desvio (Muhammad, 47.7). A proteção de Deus para os crentes, contra seus inimigos e contra o pecado, foi colocada na dependência do suporte deles ao Islam e a seu esforço de divulgá-lo a todo o mundo, para que assim apenas Deus seja adorado, e nenhum parceiro associado a Ele, seja em crença, adoração, ou na criação e regência do universo. Se os crentes cumprirem seu pacto com Deus, Deus cumprirá Seu pacto com eles (al-Baqara, 2.40). Se, ao contrário, eles quebrarem sua promessa, Deus não lhes dará sucesso (al-Isra, 17.8).
Deus protege Seus servos contra o pecado de formas diferentes. Ele pode colocar alguns obstáculos no caminho para que eles não pequem, ou pode estabelecer um ‘alerta’ em seus corações. Ou, ainda, se todos os outros meios se provarem inúteis, Ele pode causar, por exemplo, que suas pernas sejam quebradas, ou suas mãos sejam incapazes de segurar ou agir. Ele pode ainda alertar uma pessoa colocando um verso em sua boca, como fez com um jovem durante o califado de Umar, que Deus esteja satisfeito com ele.
O jovem era tão estrito e atento em sua adoração, que ele fazia todas as suas orações na mesquita. Uma mulher vivia no caminho para a mesquita, e tentou seu máximo, por vários dias, para seduzí-lo a fazer amor com ela. Embora o jovem resistisse a seus gestos sedutores, o momento veio em que ele trilhou alguns passos em direção à casa dela. Exatamente nesse momento ele sentiu que estava recitando este verso:
Quanto àqueles que temem a Deus, quando um pensamento do mal vindo de Satanás os assalta, trazem Deus à lembrança, então, eles conseguem ver por inspiração. (al-A’raf, 7.201)
Em face desse alerta Divino, o jovem ficou tão envergonhado perante Deus pelo que ele estava prestes a fazer, e se sentiu tão sobrecarregado pelo fato de seu Senhor Compassivo impedí-lo de cometer um pecado, que ele morreu. Quando ‘Umar foi informado desse incidente alguns dias depois, ele foi ao seu túmulo e gritou: ‘Ó jovem. Para aquele que teme o momento em que estará de pé perante seu Senhor, haverá dois jardins!’ (ar-Rahman, 55.46). Uma voz vinda do túmulo, que pertencia ou ao jovem ou a um anjo que falava em seu nome, respondeu: ‘Ó Comandante dos Crentes: Deus me conferiu o dobro disso que você falou!’ 5
Esta é a proteção de Deus para Seus servos sinceros. Em uma das revelações fora do Alcorão, Ele diz:
Meu servo não pode se aproximar de Mim por meio de algo mais amável para Mim do que as obrigações que lhe prescrevi. Além dessas obrigações, ele continua a se aproximar de Mim através dos atos de adoração voluntária, até que Eu o ame. Quando Eu o amo, me torno os ouvidos com os quais ele ouve, os olhos com os quais ele vê, as mãos com as quais ele age, e os pés com os quais ele anda. Se ele Me pede algo, darei imediatamente; se ele busca refúgio em mim, concedê-lo hei 6.
Deus guia Seu servo verdadeiro para o bem e o protege de todo tipo de mal. O servo deseja e faz o que é bom e se abstém da maldade. Ele pede a Deus o que é bom, e o que quer que ele peça é conferido a ele; ele busca refúgio em Deus daquilo que é mal, e daquilo que ele busque refúgio em Deus, ele é protegido. Todos os Profetas eram infalíveis. Eles nunca cometeram um pecado, menor ou maior, e suas vidas foram vividas realizando atos virtuosos. Embora Deus tenha enviado numerosos Profetas à humanidade, o Alcorão menciona especificamente apenas vinte e oito deles. Creio que será apropriado aqui contá-los nas palavras de Ibrahim Haqqi, um santo turco e erudito religioso do século XVIII, que era também um especialista em anatomia e astronomia:
Algumas pessoas consideram uma injunção religiosa aprender os nomes dos Profetas.
Deus nos informou à respeito de vinte e oito deles no Alcorão:
Adão, Enoque, Noé, Hud e Salé;
Abraão, Isaque e Ismael, que é um sacrifício a Deus.
Jacó, José, Shu’ayb (Jethro), Ló e João Batista;
Zacarias e Arão, que é irmão de Moisés, que falou com Deus.
Davi, Salomão, Elias e Jó;
Eliseu, um parente de Jesus, que era um espírito de Deus.
Dhul-Kifl e Jonas, que é certamente um Profeta.
O selo deles é o Amado de Deus, Muhammad, Mensageiro de Deus.
Há uma discordância sobre a Profecia de Ezra, Luqman e Dhul-Qarnayn.
Alguns os consideram Profetas, enquanto outros os consideram santos de Deus.
NOTAS
1. Muslim, “Kitab al-Iman,” 326.
2. Ibn Kathir, al-Bidaya, 2.350–1.
3. Bukhari, “Kitab al-Hajj,” 42; Ibn Kathir, al-Bidaya, 2.350.
4. Tirmidhi, “Kitab al-Qiyama,” 49; Ibn Majah, “Zuhd,” 30.
5. Ibn Kathir, Tafsir 3.539.
6. Bukhari, “Kitab ar-Riqaq” 38; Ibn Hanbal, 6.256.
Fonte: https://www.sunnah.org/aqida/infallibility_of_prophets.htm
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