Esta semana (13/02/2015), o presidente Obama se reuniu com líderes muçulmanos em uma reunião política privada pela primeira vez em sua presidência de seis anos. O encontro desencadeou reações iradas da direita política, com o repórter da Fox News, Sean Hannity, dizendo que ele desejava que Obama exigisse que os líderes denunciassem publicamente o Islam radical. Obama aumentou ainda mais a ira da direita cristã, quando ele disse no National Prayer Breakfast que nenhuma religião tem o monopólio da violência, dizendo: “E que não subamos em nosso salto alto e achemos que estes atos são únicos à outros lugares, lembrem-se que, durante as Cruzadas e a Inquisição cometemos atos terríveis em nome de Cristo. A escravidão e Jim Crow, muitas vezes, foram justificadas em nome de Cristo”.
A reação à estes comentários foi apoplético. Rush Limbaugh chamou isso um “insulto” ao cristianismo; as redes de notícias do Tea Party, disse que Obama jogou “os cristãos sob o ônibus”; o Daily Caller supôs que os comentários de Obama foram projetados para “travar” a crítica ao Islam.
Todos esses críticos não se envolvem profundamente com o que Obama estava dizendo. O presidente não estava atacando o cristianismo, ele estava simplesmente observando que, assim como o ISIS pode estar usando o nome do Islam para reunir seguidores para a sua agenda violenta, os extremistas dentro da fé cristã tem feito a mesma coisa historicamente. A violência tem sido algo recorrente no cristianismo ao longo da história.
De qualquer fato, Obama não foi longe o suficiente em suas observações. A violência cristã não é uma relíquia das Cruzadas; ela continua até hoje, e em muitas de suas formas é tão violento como o que estamos vendo do ISIS.
Na primavera de 2013, o historiador do Oriente Médio Juan Cole decidiu comparar as contagem de corpos entre a violência cometida pelos cristãos e as cometidas por muçulmanos no século 20. Ele descobriu que a violência muçulmana já causou a morte de cerca de 2 milhões de pessoas, principalmente durante a guerra Irã-Iraque e da guerra no Afeganistão, enquanto a violência por cristãos custou a vida de cerca de 100 milhões de pessoas. Aqui está o que acontece em um gráfico de pizza:
Parte dessa violência cristã é bem conhecida: as Guerras Mundiais, o Holocausto, as guerras coloniais no sudeste da Ásia e da África. Os críticos desta análise seriam rápidos para dizer que essa violência pode ter sido por cristãos, mas não foi em nome do cristianismo. Mas em praticamente todos os conflitos Cole fez a observação de que os combatentes eram abertamente religiosos, e muitas vezes invocavam a sua religião como parte de suas campanhas militares, assim como muitos dos militantes islâmicos hoje não estão lutando apenas devido a uma queixa religiosa, mas são também organizadas em torno de grupos que partilham uma história religiosa e cultural comum.
Mas a religião desempenhou um papel mais explícito em alguns dos conflitos do século 20, envolvendo cristãos. Por exemplo, em 1990, a guerra sectária nos Balcãs culminou em um genocídio contra os bósnios muçulmanos explícito pelos cristãos ortodoxos sérvios. Como o pesquisador balcã Keith Doubt explicou em um artigo de 2007, a Igreja Ortodoxa da Sérvia foi um dos motores principais na campanha para culpar os muçulmanos bósnios e justificar a eventual limpeza étnica e genocídio que ocorreu. Ele observa que o “papel da Igreja como protetora da nação sérvia deu à Igreja grande controle social, e com este poder o clero fomentou uma atitude xenófoba e intolerante em relação aos muçulmanos na ex-Iugoslávia.”
A Igreja estava tão envolvida nas eventuais atrocidades que efetivamente enviou capelões ortodoxos para abençoarem “as forças sérvias, como a unidade de comandos de elite Panthers, que foi acusada de cometer inúmeras atrocidades, antes de partirem para as operações.” A Igreja viria a oferecer “Comunhão à guerreiros sérvios sem a necessidade de confissão”, dando-lhes a absolvição pelos crimes que cometiam para criar uma “Grande Sérvia”.
Se o papel da Igreja Ortodoxa Sérvia no genocídio da Bósnia foi esquecido por muitos, o papel das igrejas católicas no genocídio de Ruanda é provável ser menos conhecido. Durante esse massacre em massa, “As igrejas tornaram-se locais de abate, ocorrendo os assassinatos até mesmo no altar das igrejas.” Uma das figuras acusadas no genocídio estava o padre Wenceslas Munyeshyaka, que costumava usar uma arma em seu quadril e era conivente com a milícia Hutu que massacrava centenas de pessoas que procuravam abrigo em sua igreja. Depois que o genocídio foi concluído, vários clérigos católicos realmente ajudaram ministros da Igreja que eram culpados de assassinato a fugirem do país e re-estabelecerem-se em outro lugar, incluindo um que permitiu que todos os homens, mulheres e crianças que estavam se escondendo em sua igreja fossem mortos quando a igreja foi demolida. A BBC, na verdade, publicou uma reportagem em 2004 de uma menina de Ruanda que se converteu ao Islam após o genocídio porque as igrejas participaram ativamente nele, mas as mesquitas não o fizeram.
Meses antes das decapitações brutais do ISIS serem transformados em manchetes ocidentais, a Associated Press publicou um único parágrafo sobre uma decapitação, que aconteceu na República Centro-Africano. O parágrafo observou, secamente, que uma milícia cristã havia decapitado um homem muçulmano jovem, um dos últimos muçulmanos no vilarejo em que seus colegas haviam fugido. A história acabou em uma sinopse na página A11 do The New York Times.
A Human Rights Watch aprofunda a situação em uma breve publicado em Dezembro de 2014:
A grande maioria dos muçulmanos na parte ocidental do país fugiram de ataques brutais por cristãos e a milícia anti-Balaka animista no final de 2013 e início de 2014. Aqueles que não foram capazes de chegar ao Camarões ou Chad ficarem presos nos enclaves, onde eles passaram meses vivendo em condições difíceis. Funcionários da ONU, bem como União Africana (UA) MISCA e forças de paz francesa Sangaris ajudaram nas evacuações no final de 2013 e início de 2014, ajudando milhares de muçulmanos em busca de segurança, incluindo nos Camarões. […] Em dezembro de 2014, um número estimado de 415 mil pessoas, a maioria deles muçulmanos, haviam fugido do país e outro 10.500 eram protegidos por forças de paz em um punhado de enclaves ocidentais – Carnot, Yaloké, Boda, e Berbérati, entre outros.
Em outras palavras, o que o ISIS está fazendo para os Yazidis e outros grupos que tem considerado como inimigos, as milícias cristãs na República Centro-Africano estão fazendo para os muçulmanos. Nós simplesmente não estamos ouvindo nada sobre isso, porque as vítimas não são tão fáceis de serem relacionadas como os cativos ocidentais do ISIS.
Até mesmo as execuções do ISIS televisionadas de jornalistas não são particularmente únicas ao terrorismo islâmico. Eles estão copiando uma técnica pioneira por cartéis cristãos mexicanos, que por anos degolaram jornalistas e assassinaram outros de outras formas, que se opuseram à sua agenda. Nós raramente identificamos os cartéis como de natureza cristã, mas existem ligações financeiras profundas entre igrejas mexicanas e as organizações de cartel.
Nada disto é para argumentar que os cristãos são excepcionalmente violentos; isso seria tão equivocado como o argumento da Fox News sobre o Islam. Trata-se apenas de salientar que qualquer grande organização com número suficiente de pessoas é capaz de sucumbir ao tribalismo, à ideia de que o nosso grupo é “bom” e outros grupos são “ruins” e deve ser temido, ou marginalizados, ou até mesmo mortos . Isso é tão verdade no cristianismo, assim como no Islam, ou o judaísmo, ou Budismo, ou qualquer ideologia em grande escala ou religião. O Presidente Obama não estava errado; se ele errou foi por não ter se aprofundado no assunto.
Traduzido de Muslim Village
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