Alguns podem dizer: se o Islam é um sistema divino estabelecido para as pessoas por seu Senhor, isto não significa que os papéis da intervenção humana e razão estão extintos face a este sistema? E que seus esforços são absolutamente negados, pois tudo o que se requer é que se aceite esta mensagem, implementando-a e submetendo-se a ela – tudo sem questionar porquê ou como? Não há então paridade entre razão e revelação – se a revelação é entendida como discurso Divino, o que sobra então para a razão senão obedecer e submeter-se?
O decreto Divino não extingue o papel do arbítrio humano e da intervenção humana ou entre as forças do criador e da criação. De forma similar, a revelação Divina não extingue o papel da razão humana e seu imperativo escritural, seus propósitos de derivação e dedução que completam os assuntos sobre os quais a escritura é silenciosa. A presença de um texto sagrado não obstrui o voo e a criatividade da razão, pois este deixa para a última, várias esferas para se exercitar e se estabelecer.
O Que a Revelação Deixa para a Razão na Esfera do Credo
Na esfera da crença, a revelação deixa para a razão a tarefa de ser guiada para as maiores verdades da existência.
– A primeira destas é a existência de Deus em Sua absoluta singularidade. Uma natureza sólida (al-fitra al-salima) pode ser guiada para o conhecimento da existência de Deus, se exercitar sinceras considerações e correta racionalização – Não é de se admirar que o Alcorão adianta provas da existência de Deus (Glorificado e Exaltado), do universo e da natureza humana: “Por certo, na criação dos céus e da terra, e na alternância da noite e do dia, há sinais para os dotados de discernimento,” (Alcorão 3:190) e “Ou foram eles criados do nada, ou são eles os criadores? Ou criaram os céus e a terra? Não. Mas não se convencem disso.” (Alcorão 52:35- 36). Estas provas racionais são seguidas por menções específicas da unicidade Divina: “Houvesse, em ambos outros deuses que Allah, haveriam sido ambos corrompidos. Então, glorificado seja Allah, O Senhor do Trono, acima do que alegam!” (Alcorão 21:22) e “Ou tomaram, além dEle, deuses? Dize, Muhammad: “Trazei vossa provança.” (Alcorão 21:24). E em outro lugar, é dito: Dize: “Se houvesse, junto dEle, deuses, como eles dizem, esses, nesse caso, haveriam buscado um caminho até O Possuidor do trono. Glorificado e Sublimado, ao auge, seja Ele, acima do que dizem!” (Alcorão 17:42-43) “Allah não tomou para Si filho algum, e não há com Ele deus algum; nesse caso, cada deus haver-se-ia ido com o que criara, e alguns deles se haveriam sublimado em arrogância, sobre outros.” (Alcorão 23:91).
– A segunda estabelece a revelação, a profecia e a mensagem. O intelecto estabelece ambas a possibilidade hipotética e a ocorrência real de cada um delas, e é seu arbitro final dada a ausência de qualquer fonte tradicional independente. (Pois como a tradição poderia prover evidencia sobre o que a precede?) Portanto os eruditos do Islam dizem que o intelecto é a base da tradição. Isto é, após o intelecto estar satisfeito com a existência de Deus Altíssimo, Sua perfeição e Sua transcendência, ele então vem a saber que a sabedoria dO Mais Sábio e a compaixão dO Gracioso não iria em vão lançar seus servos criados à deriva no mar da ignorância e cegueira, quando Ele é capaz de guiar e trazê-los da escuridão para a luz transmitindo para eles um caminho. Mesmo após o intelecto reconhecer esta condição de existência, ele não reconhece imediatamente todos que clamam ser um Mensageiro de Deus; ao invés disso, ele tenta fundamentar esta reivindicação além da sua própria proclamação, de que o mensageiro não representa a si mesmo, mas a vontade de Deus que o enviou.
Aqui o intelecto busca como prova miraculosa sinais que seriam impossíveis a não ser que seja o trabalho de Deus Altíssimo. Ele distingue entre sinais verdadeiramente miraculosos (os quais não se manifestariam exceto nas mãos de um verdadeiro mensageiro de Deus) e truques ilusórios e charlatanismo (que se manifestam nas mãos de mágicos e charlatões). O intelecto reconhece o significado de um evento extraordinário e miraculoso como manifestado de Deus por suas mãos como uma afirmação Divina do chamado profético, como se Ele dissesse, “Meu escravo manteve fidelidade no que ele transmite de Mim.” É claro, Deus não afirma a falsidade, pois isso seria em si mesmo falsidade e portanto, impossível ser de Deus Altíssimo. Todas essas premissas são puramente racionais e são essenciais para que a reivindicação da revelação seja aceita. Da mesma forma, o intelecto examina a biografia de cada reclamante a profecia, considerando suas qualidades e caráter, suas palavras e feitos, suas origens e fim, para questionar se ele exibe os atributos daqueles escolhidos por Deus (e então ser aceito e seguido) ou aqueles, de outro modo (e então serem rejeitados e recusados).
Por estas razões o Alcorão chama a razão para independentemente examinar a profecia de Muhammad, Deus o abençoe e garanta paz. Ele diz, com rigor e clareza: Dize: “Apenas, exorto-vos a uma única questão: a vos manterdes, diante de Allah, de dois em dois ou de um em um,em seguida a refletirdes. Não há loucura em vosso companheiro. Ele não vos é senão um admoestador, que está adiante de veemente castigo.” (Alcorão 34:46) e, o Mensageiro sobre o Alcorão: “Dize: “Se Allah quisesse, não o haveria eu recitado, para vós, nem Ele vos haveria feito inteirar-vos dele; e, com efeito, antes dele, permaneci durante uma vida entre vós. Então, não razoais?” (Alcorão 10:16).
O Que a Revelação Deixa para a Razão na Esfera da Lei
A revelação deixa espaço para o exercício da razão em dois domínios legais. O primeiro destes é a compreensão das fontes, derivar provas delas, conectá-las umas as outras, relacionando seus galhos a suas raízes e seus significados aparentes como seus objetivos, chegando nos objetivos gerais do Islam, guiando textos absolutos por aqueles de escopo mais restritos e específicos por outros gerais, e clarificando textos resumidos com mais expansivos. Esta é a perícia da racionalidade, distinguir entre posições baseadas em tradição, opinião, o significado literal e o objetivo principal, e entre o indulgente e o rigoroso, a prática de Deus na criação.
O segundo domínio é aquele que não obtém nenhuma garantia escritural. Este é um papel feliz totalmente pretendido pelo Legislador. Ele fala para o que chamamos de “escopo da graça” como encontrado no hadith marfu’ narrado por Abu al-Darda’: “o que quer que Deus tenha permitido em Seu Livro é permitido; o que quer que Ele tenha prescrito é proibido; e o que quer que Ele tenha permanecido em silêncio sobre é perdoado, então receba o que Deus perdoou. Pois certamente, Deus não é negligente no atendimento.” Então ele recitou: “E teu Senhor nada esquece.” (Alcorão 19:64). Este domínio está repleto de esforço intelectual, incluindo inferências locais do que realmente recebeu estipulação escritural, a proposta de preferência jurista, o estabelecimento de diretrizes para empregar considerações de interesse público em relação aos costumes, e outros tais esforços. Aqui o erudito se empenha a extrapolar regras acessórias dos princípios, inferir outras de regras acessórias, derivar julgamentos, estabelecer condições para ocorrências, encontrar máximas, reunir interesses públicos, repelir corrupção, remover dificuldades, alcançar a facilidade, julgar apropriadamente necessidades e requerimentos, considerar costumes e atender ao contexto.
Não é de se admirar então que tal fundo divergente, escolas variadas e opiniões diferentes foram proliferadas pelo exercício da racionalidade islâmica sob a luz da revelação. Este enorme tesouro de jurisprudência tem alta classificação na herança jurídica do mundo; de fato, ele é sem paralelos (seja entre comunidades religiosas ou não-religiosas) em seus princípios e evidências propostas, sua aplicação e diversidade, e seu escopo e alcance.
O que a Revelação deixa para a Razão na Esfera da Ética
A Revelação aqui deixa para a razão espaço para consultar suas deliberações em uma série de questões, como quando bem e mal estão entremeados e o que é permitido se assemelha ao que é proibido. Uma fonte de obrigações morais e uma medida de julgamento ético não são negligenciadas, juntamente com a revelação. A lei em si, depois de esclarecer o que é expressamente permitido e proibido, deixa domínio aberto onde as qualidades de cada um são entremeadas e julgamentos são suspeitos. É deixado para cada indivíduo consultar seu coração e agir nisto da maneira a satisfazer sua alma por precaução e prudência. Foi isto que o Profeta ordenou quando ele disse: “O permitido é claro e o proibido é claro. Entre eles existem assuntos ambíguos os quais muitos desconhecem. Então quem estiver cauteloso sobre tais assuntos, preservou seu estado e sua religião.” E ele disse: “Consulte seu coração e sua alma. A retidão é o que dá tranquilidade a alma e ao coração. O pecado é o que perturba a alma e o que oscila no peito.”
O Que a Revelação Deixou para a Razão na Exploração do Universo e da Vida?
A revelação deixa para a razão espaço para explorar o universo à vontade, alcançando alto nos céus de profundamente na terra, e contemplar a si mesmo. “Dize: “Olhai o que há nos céus e na terra.” (Alcorão 10:101) e “E, na terra, há sinais para os que estão convictos da Fé, e há-os em vós mesmos. Então, não os enxergais?” (Alcorão 51:20-21). E da mesma forma a alcançar na passagem na história: “Então, não caminharam eles, na terra, para que tivessem corações, com que razoassem, ou ouvidos, com que ouvissem? Pois, por certo, não são as vistas que se enceguecem, mas se enceguecem os corações que estão nos peitos.” (Alcorão 22:46) “Com efeito passaram, antes de vós, procedimentos exemplares de castigo. Então, caminhai na terra, e olhai como foi o fim dos desmentidores!” (Alcorão 3:137). À razão é deixada a exploração as camadas manifestas da existência na medida que é capaz, e render a isso o que está dentro de seu poder, pois tudo isso foi prestado subserviente a ele por Deus para seu benefício: “E submete-vos o que há nos céus e o que há na terra: tudo é dEle. Por certo, há nisso sinais para um povo que reflete.” (Alcorão 45:13) e “Allah é Quem criou os céus e a terra e faz descer do céu água, com que faz brotar dos frutos sustento para vós. E submeteu-vos o barco, para correr no mar, por Sua ordem, e submeteu-vos os rios. E submeteu-vos o sol e a lua, constantes em seu percurso. E submeteu-vos a noite e o dia. E concedeu-vos de tudo que Lhe pedistes. E, se contais as graças de Allah, não podereis enumerá-las. Por certo, o ser humano é injusto, ingrato.” (Alcorão 14:32-34)
A revelação deixa espaço para a razão inventar e inovar hábitos de vida e matérias mundanas a sua vontade, permanecendo dentro dos limites da verdade e da justiça como no relato Profético, “você sabe melhor dos seus assuntos mundanos.” E “Não te esqueças de tua porção neste mundo.”(Alcorão 28:77). Assim a razão se beneficia das experiências de outros e a herança daqueles que viveram anteriormente: “Então, tomai lição disso, ó vós dotados de visão!” (Alcorão 59:2); “Então, não caminharam eles, na terra, para que tivessem corações, com que razoassem, ou ouvidos, com que ouvissem? Pois, por certo, não são as vistas que se enceguecem, mas se enceguecem os corações que estão nos peitos.” (Alcorão 22:46); “Fazei-me vir um Livro, anterior a este, ou algum vestígio de ciência, se sois verídicos.” (Alcorão 46:4) “Então, perguntai-o aos sapios da Mensagem, se não sabeis.” (Alcorão 16:43) e o relato profético: “Sabedoria é a propriedade perdida do crente. Onde quer que ele a encontrar, ele tem direito a ela.”.
Fonte: http://eng.dar-alifta.org/foreign/ViewFatwa.aspx?ID=8036
Iqara Islam Sua fonte de Islam Tradicional