Pergunta
Qual a diferença entre a razão e a revelação no pensamento Islâmico?
Resposta
Uma das mais singulares distinções do Islam é o equilíbrio mantido entre ‘aql e naql, isto é, entre o pensamento racional humano e escritura revelada.
Certas pessoas acreditam que o intelecto por si só é a fonte do conhecimento, seja no âmbito do manifesto ou do oculto. Outros consideram o conhecimento transmitido ou revelado ser a fonte de todas as verdades. Outros ainda tomam um posicionamento entre estes dois, garantindo cada um deles um status competente. Dado que exporemos estas relações extensivamente, cabe a nós primeiramente notarmos alguns termos e delimitar seu alcance.
Razão (‘aql)
O dicionário al-Mu’jam al-wasit, publicado pela Academia de Língua Árabe do Cairo, define razão como o que responde aos instintos naturais; o que permite pensamentos e racionalizações e composições e ilustrações e certificações; e o que distingue o belo do repulsivo, o bem do mal, e a verdade da falsidade. O termo é derivado da raíz ‘ayn qaf lam, seu significado essencial é prevenção. É assim nomeado porque a razão previne seu portador daquilo que não lhe corresponde, diferentemente das bestas, que agem de acordo com seus apetites.
O dicionário al-Qamus al-muhit define razão (‘aql) como conhecimento, que é da qualidade do bem e mal, perfeição e imperfeição, a habilidade de reconhecer o melhor dos bens e o pior dos males, ou assuntos no geral.
Uma definição precisa claramente delimitada do intelecto é difícil, pois é um termo disputado no léxico do pensamento Islâmico: os filósofos, mutakallimun, teóricos da lei e outros todos contendo conceitos diferentes. Os filósofos, de sua parte, ofereceram uma grande variedade de, algumas vezes, opiniões contraditórias. Seu interesse era focado na própria existência do intelecto, o que é uma questão que não pode ser compreendida de fato, mas sim um mistério entre os mistérios Divinos, como a existência da alma. Cada esforço para buscar uma clara definição do intelecto foi em si afetada por um fundamento e método teórico mais abrangente. Portanto o intelecto foi considerado sensível, de acordo com os mutakallimun, teóricos legais, e juristas e sutil e esotérico, de acordo com os sufis; e ambos de acordo com os filósofos. O grande debate sobre a concepção do intelecto e suas implicações entre os pensadores Muçulmanos incluíram tais questões como o status do intelecto, a diferença entre o intelecto, si mesmo e a alma, e a distinção entre o intelecto e o conhecimento, entre outros.
É evidente que esta definição de intelecto é ativa e não substancial. Consequentemente nós podemos dizer que é o poder que permite distinguir entre o bem e o mal. O autor do Qamus oferece definições adicionais, incluindo a que ela (a razão) é uma luz espiritual pela qual a pessoa percebe as disciplinas necessárias e teóricas e que isto tem origens embrionias e se desenvolve até a maturidade (outros dizem: até a idade de quarenta anos).
Al-Raghib al-Asfahani definiu a razão em seu Mufradat al-Qu’ran como o poder que permite o conhecimento.
O comentarista no Qamus observa: as pessoas diferem em relação ao intelecto: ele tem uma realidade? Se sim, ela é essencial ou acidental? Seu lócus é na cabeça ou no coração? Os intelectos são iguais ou desiguais? Seja poder ou substância, é o grau imaterial pelo qual Deus distinguiu os humanos das bestas. Através disso, os humanos reconhecem e contemplam, internamente e o mundo em volta deles; entendem o discurso e obtém conhecimento; inicia novas coisas e critica as velhas; entendem e se relacionam com o passado, vivem e desenvolvem o presente, e antecipam e planejam o futuro; distinguem o bem do mal, o ato virtuoso do cruel, posicionamento correto do errado, credos verdadeiros dos falsos; distinguem a melhor das boas opções e a pior das más opções; comparam e contrastam coisas e caracteres e pensamentos; e refletem sobre suas vidas e vidas após a morte. Ou deveríamos dizer, através da razão os humanos ponderam sobre as origens e fins da existência, e nossa existência entre elas, e as profecias que recebemos. Em outras palavras, a razão busca respostas satisfatórias para os questionamentos duradouros que humanos tem perguntado desde tempos imemoriais, ou seja: quem sou eu? E para onde estou indo? E por quê?
Revelação (naql)
Este termo pode proveitosamente ser comparado à razão. É o conhecimento que emerge da revelação Divina ou uma fonte Profética. Este conhecimento é herdado através de gerações, sendo transmitido de um ao outro; ele não pode ser obtido através de observação empírica ou experiência ou racionalização teórica ou dedução. É passado de um a outro, através de sólidas cadeias de transmissão, até a sua revelação Divina ao Profeta. Aqueles que o transmitiu afirmaram sua origem sagrada e abraçaram suas fundações incontroversas, mesmo enquanto eles tinham o direito de usar suas faculdades racionais para entender, comentar e explicar suas derivações. Não há dúvidas que as maiores mentes da Ummah (nação islâmica) trabalharam a seu serviço e santificação, graças a seus esforços agora temos várias disciplinas de exegeses, hadith, fiqh, sufismo, teologia e ciências teóricas necessárias para estas, tal como teoria legal, os principio dos comentários e metodologia de hadith.
Este domínio de conhecimento revelado é, às vezes, sinonimamente conhecido como de “obediência”, “legislação divina”, “religião”, ou “fontes textuais”, enquanto o domínio das faculdades racionais é, às vezes, conhecido sinonimamente como “sabedoria” ou “filosofia”. Muitos destes assuntos estão englobados em tais formulações complementares como “lei e sabedoria” (como empregado por Ibn Rushd em seu Fasl al-maql fi ma bayn al-shari’a wal-hikma min al-ittisal) ou a frase “religião e filosofia”, “credo e pensamento”, e “raciocínio e obediência”. O significado intencionado e complementar de cada uma destas frases é claro.
Os Dois Significados do Conhecimento Revelado (Naql) no Pensamento Islâmico
- O significado geral, denotando simplesmente as fontes primárias do Islam: o Alcorão e a prática Profética
- O significado específico elaborando sobre estas fontes, o qual é foco de muitos debates no pensamento Islâmico.
Em verdade, a maioria das polêmicas entre as diferentes metodologias e escolas articulam sobre como interpretar conhecimento revelado, incluindo os assuntos da criação do Alcorão entre os Mu’tazilitas, os elementos gnósticos do Sufismo, o intelecto ativo da filosofia e o Imamato dos Xiitas.
Como entender a prática Profética era mais amplamente discutido do que como entender o Alcorão. Isto pode ser globalmente delineado pelas abordagens Sunita e Xiita, por suas metodologias variantes e autoridades em estabelecer e investigar mesmo o que compreende a prática profética.
Fonte: http://eng.dar-alifta.org/foreign/ViewFatwa.aspx?ID=8039