A Sharia é um sistema de normas, orientações e leis que rege a vida dos muçulmanos, abrangendo aspectos religiosos, sociais, econômicos e morais.
Derivada do Alcorão, dos ensinamentos do Profeta Muhammad (Sunnah) e das interpretações dos estudiosos islâmicos, a Sharia é vista pelos muçulmanos como um caminho para viver de acordo com a vontade de Deus.
No entanto, a aplicação e interpretação da Sharia podem variar amplamente dependendo da cultura, tradição e escola de pensamento.
Este texto explora a origem, os princípios e a aplicação da Sharia, proporcionando uma compreensão mais clara do seu papel na sociedade muçulmana e além.
A Sharia é composta por um conjunto de princípios usados para se obter vereditos para todo tipo de ação, e não é um conjunto de regras redigidas em artigos compilados em um livro que pode ser consultado como uma espécie de manual ou código penal.
A Sharia é derivada de fontes que servem como guias para os muçulmanos em todas as esferas da vida: o Alcorão, a Sunnah, e a opinião dos sábios.
Essas fontes são os fundamentos que formam o alicerce do sistema legal e ético islâmico, por isso, a Sharia embora seja um único conjunto de normas e orientações, ela não é aplicada igualmente em todos os períodos históricos, regiões do planeta ou para todos os indivíduos.
O Alcorão é a principal fonte da Sharia, sendo a revelação divina recebida pelo Profeta Muhammad.
Ele contém os preceitos e mandamentos de Allah, abordando questões de fé, práticas religiosas, relações sociais, e aspectos morais.
É considerado pelos muçulmanos como a palavra literal de Deus e, portanto, a autoridade suprema em matéria de conduta.
A Sunnah complementa o Alcorão e consiste nos ditos, ações e aprovações do Profeta Muhammad.
Documentada nos Hadiths, a Sunnah fornece detalhes sobre como aplicar os ensinamentos do Alcorão na vida prática.
Os estudiosos islâmicos recorrem à Sunnah para interpretar as passagens do Alcorão e para guiar os muçulmanos em situações não diretamente abordadas no texto sagrado.
Com base no Alcorão e na sunna, os sábios e juristas muçulmanos derivam vereditos legais e opiniões jurídicas com base no que diz as revelações sagradas.
No entanto, isso não é feito de forma livre, mas sim utilizando recursos para validar opiniões legais, como a Ijma e o Qiyas.
A Ijma refere-se ao consenso dos estudiosos muçulmanos sobre questões de jurisprudência islâmica.
Quando uma nova questão surge e não há uma resposta clara no Alcorão ou na Sunnah, o consenso da comunidade de estudiosos pode estabelecer um novo entendimento ou prática.
Este consenso é considerado uma importante fonte de legislação na Sharia, garantindo que as normas se adaptem às mudanças ao longo do tempo.
Já o Qiyas é o processo de analogia usado pelos juristas islâmicos para aplicar os princípios da Sharia a novas situações.
Quando uma situação ou problema não é diretamente abordado pelo Alcorão ou pela Sunnah, os estudiosos utilizam o Qiyas para extrapolar uma solução, baseando-se em precedentes e analogias com casos semelhantes já resolvidos pelas outras fontes da Sharia.
A Sharia regula questões de fé, adoração, conduta moral, relações sociais, economia, e direito familiar, fornecendo um guia completo para a vida individual e comunitária.
É um sistema abrangente que legisla praticamente todos os aspectos da vida dos muçulmanos, sendo muito mais do que uma "lei islâmica", embora ela também seja aplicada às legislações jurídicas de países islâmicos.
Ela se aplica a todos os muçulmanos, mesmo aqueles que não vivem em um país islâmico, pois a obediência não é devida a uma autoridade jurídica, mas sim a Allah.
As punições corporais são conhecidas como Hudud. Elas são frequentemente o aspecto mais destacado no discurso público, ele representa apenas uma pequena parte do vasto escopo da Sharia, sendo mais uma orientação moral do que uma prática comum.
A Sharia legisla sobre os pilares do Islam, como a oração (Salat), o jejum (Sawm), a caridade (Zakat), e a peregrinação (Hajj).
Essas práticas são centrais na vida de todos os muçulmano e são vistas como formas de adorar a Deus e purificar a alma.
A Sharia também orienta a conduta ética e moral, incentivando virtudes como a justiça, a misericórdia, a honestidade e o respeito aos pais.
Um dos principais campos de legislação da Sharia é o direito familiar. Ela regula o casamento, o divórcio, a herança, e os direitos e deveres dos membros da família.
A Sharia também orienta as interações sociais, promovendo a coesão da comunidade, o respeito mútuo e a ajuda aos necessitados.
Na Indonésia, país com a maior população islâmica do mundo, os tribunais de Sharia do direito familiar são os mais solicitados do país, superando até os tribunais seculares convencionais.
A Sharia fornece diretrizes detalhadas para atividades econômicas, proibindo práticas consideradas injustas, como a usura (riba), e coibindo investimentos em atividades como apostas, bebidas alcóolicas, comércio sexual
Ela também regula contratos, parcerias e outras formas de negócios, com o objetivo de garantir que as transações sejam realizadas de maneira ética e justa.
A Sharia possui um código penal que prescreve punições para certos crimes graves (Hudud), como roubo, adultério e apostasia.
Embora esse aspecto seja muito enfatizado por pessoas que estranham as diferenças entre a sociedade ocidental e a tradição islâmica, até mesmo por pessoas que odeiam a religião, na verdade, essas punições são aplicadas de forma muito restrita.
De acordo com estudiosos islâmicos tradicionais as penas prescritas pelo código penal da Sharia devem ser vistas mais como um dissuasor moral do que uma prática judicial comum.
Como podemos ver, as punições físicas são uma pequena parte da Sharia, e suas aplicações não são banalizadas.
É justamente pela seriedade das penas envolvidas que a lei islâmica impõe um critério muito rígido aos juízes para julgar esses tipos de casos e por isso esse tipo de pena raramente é de fato executada.
A Sharia prevê diferentes tipos de punições para crimes específicos, que são categorizados em três principais tipos: Hudud, Qisas, e Tazir.
Cada uma dessas punições tem suas próprias condições rigorosas de aplicação, e a imposição das penas é profundamente condicionada por critérios de evidência e circunstâncias atenuantes.
A aplicação das punições na Sharia está sujeita a condições extremamente rigorosas. Para Hudud, por exemplo, a exigência de testemunhas ou confissão voluntária é tão rigorosa que é raro esses castigos serem aplicados na prática.
O Profeta Muhammad disse: “ Evite aplicar punições legais (hadd) enquanto você encontrar uma desculpa para evitá-las. ”(Sunan Ibn Majah), sublinhando que é preferível evitar a punição severa se houver qualquer incerteza.
Por outro lado, os muçulmanos não devem procurar ficar observando a intimidade de outras pessoas para saber o que elas estão fazendo, pois isso também é pecado.
Além disso, os estudiosos islâmicos enfatizam que as punições devem ser aplicadas de maneira justa e com misericórdia, considerando o contexto social e econômico do infrator.
Por exemplo, a punição para roubo pode ser evitada se a pessoa roubou por necessidade extrema, como fome. Isso reflete o objetivo central da Sharia, que é reformar e orientar a sociedade, ao invés de aplicar punições severas indiscriminadamente.
Assim, embora as punições na Sharia possam parecer rigorosas, sua aplicação prática é raramente realizada e sempre sob condições que garantem justiça e compaixão, de acordo com os ensinamentos islâmicos.
Hudud refere-se a punições prescritas para certos crimes considerados graves e que violam os direitos de Deus (Huqúq Allah). Essas punições são fixas e não podem ser alteradas, mas a sua aplicação está sujeita a critérios muito rigorosos de prova e evidência. Os crimes que se enquadram nessa categoria incluem:
Qisas é a lei da retaliação, que é aplicada em casos de homicídio ou lesões corporais graves.
O princípio do Qisas é "olho por olho", onde a punição deve ser equivalente ao crime cometido.
No entanto, a Sharia também oferece a possibilidade de diya (compensação financeira) ou perdão por parte da família da vítima, o que é altamente incentivado.
Em casos de homicídio, por exemplo, a família da vítima pode optar por perdoar o perpetrador em troca de uma compensação financeira, ou até mesmo perdoá-lo completamente, seguindo a orientação islâmica de misericórdia.
Tazir refere-se às punições que não são especificadas no Alcorão ou na Sunnah e são deixadas à discrição do juiz ou governante.
Essas punições podem variar de acordo com a gravidade do crime, as circunstâncias do acusado, e o contexto social.
Exemplos de crimes punidos por Tazir incluem suborno, fraude, e quebra de contrato. As punições podem incluir multas, prisão, exílio, ou outras formas de disciplina que o juiz considere apropriadas para reformar o comportamento do infrator.
A misericórdia é um princípio central na Sharia, permeando todos os aspectos da legislação islâmica. Enquanto a Sharia estabelece punições para crimes graves, ela também enfatiza a importância da leniência e da reabilitação.
O próprio Alcorão descreve Allah como "Ar-Rahman" (O Misericordioso) e "Ar-Rahim" (O Clemente), ressaltando que a justiça divina está sempre equilibrada com misericórdia. Essa abordagem também é refletida na aplicação das leis da Sharia, onde a preferência é sempre dada ao perdão e à clemência, sempre que possível.
Isso pode ser observado em um relato em que um homem veio ao Profeta Muhammad e confessou ter matado uma pessoa acidentalmente.
Ele estava profundamente arrependido e buscava orientação sobre o que fazer. O Profeta orientou-o a expiar o pecado libertando um escravo.
Quando o homem disse que não tinha condições de fazê-lo, o Profeta lhe disse para jejuar por dois meses consecutivos.
O homem novamente disse que não poderia cumprir essa expiação devido à sua fraqueza. Então, o Profeta, com compaixão, pediu que ele alimentasse sessenta pobres com o equivalente ao valor de um escravo, mas o homem ainda alegou que não tinha condições financeiras.
O Profeta finalmente permitiu que o homem levasse uma cesta de tâmaras para alimentar sua própria família, mostrando uma solução misericordiosa e viável. Este hadith está registrado no compilado Sahih Muslim.
No livro Kitab al-Kharaj é mencionado que durante o governo do califa Omar ibn al-Khattab, uma mulher foi trazida a ele por ter cometido adultério.
Após investigação, Omar descobriu que a mulher sofria de um sono tão pesado que ela não estava consciente de si mesma no momento em que o ato ocorreu.
Com base nesse fato, Omar decidiu perdoá-la, afirmando que a responsabilidade pelo pecado não poderia ser imputada a alguém que não estava plenamente consciente.
Isso não significa que não há punições para criminosos de acordo com a Sharia, mas que a pena pode ser evitada ou atenuada de acordo com cada situação, especialmente em casos que as pessoas demonstram arrependimento ou demonstram não ter a intenção de cometer o crime.
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A Sharia, como sistema legal e ético, é interpretada e aplicada de maneiras diferentes em várias culturas e contextos históricos.
Em algumas sociedades, as interpretações restritivas têm levado a práticas que muitos consideram discriminatórias contra as mulheres.
No entanto, em alguns contextos a Sharia é aplicada de maneira que enfatiza a igualdade e a justiça, dentro dos princípios islâmicos.
Portanto, enquanto algumas interpretações da Sharia podem parecer machistas, mas por ser um conjunto de normas que se propõe a ser uma revelação para todas as mulheres desde o século VII até o fim dos tempos, ela garante a dignidade ao sexo feminino para além dos valores do século XXI.
A ideia de que a Sharia persegue cristãos é um mal-entendido comum, mas não corresponde à realidade da aplicação da lei islâmica.
O Alcorão, que serve como a base principal da Sharia, garante a liberdade religiosa aos cristãos e outras comunidades do "Povo do Livro" (Ahl al-Kitab), que também inclui judeus.
Os cristãos em alguns locais podem estar sujeitos a determinadas regras de acordo com a interpretação jurídica aplicada ali ou enfrentarem o preconceito de cidadãos muçulmanos, afinal, isso lamentavelmente é algo presente em qualquer cultura.
O caso mais excepcional, talvez, seja na Arábia Saudita, o único país islâmico onde igrejas não são permitidas, no entanto, vários estrangeiros de origem cristã trabalham no país e não são obrigados a omitir a sua fé e nem se converterem.
Os cristãos não são banidos ou impedidos de terem sua fé pelo estado em nenhum local do mundo islâmico e os casos de perseguição são, em sua maioria, motivados por preconceito e não por estrita adesão aos princípios da fé islâmica.
A Sharia estabelece que os cristãos, como membros do Ahl al-Kitab, têm o direito de praticar sua religião livremente.
O Alcorão menciona: "Não há imposição quanto à religião, porque já se destacou a verdade do erro..." (Alcorão 2:256). Este versículo sublinha o princípio de que ninguém deve ser forçado a abraçar o Islam, garantindo assim a liberdade religiosa.
Além disso, na história islâmica, as comunidades cristãs coexistiram pacificamente com os muçulmanos por séculos em várias regiões do mundo, como no Império Otomano, onde os cristãos tinham permissão para construir igrejas, realizar suas práticas religiosas e viver de acordo com suas próprias leis pessoais.
Essas práticas estavam em conformidade com a Sharia, que estipula a proteção das minorias religiosas.
A Sharia, em sua aplicação tradicional, condena atos específicos como a fornicação (zina) e a sodomia (liwat), que são vistos como transgressões das normas morais islâmicas.
No entanto, é importante entender que a Sharia não condena o indivíduo simplesmente por ser LGBT.
A distinção entre os atos e a identidade pessoal é crucial no entendimento da posição islâmica.
Para comprovar a existência de sexo homossexual, é necessário os mesmos critérios rigorosos exigidos para qualquer fornicação heterossexual, e as penas são idênticas.
A pessoa que já cometeu tais atos é fortemente encorajada a buscar o perdão de Allah, através do arrependimento sincero.
Quanto às pessoas transgênero, a Sharia não prevê apedrejamento ou outras punições simplesmente por causa de sua identidade de gênero.
O hadith em que o Profeta Muhammad (que a paz e as bênçãos estejam com ele) diz que é proibido apedrejar pessoas que oram:
“Um afeminado que pintava suas mãos e pés de rena foi trazido ao Profeta. Ele perguntou: “Qual é o problema deste homem?”, e responderam: “Mensageiro de Allah, ele imita a aparência das mulheres!” Então ele deu a ordem para que o homem se mudasse para an Naqi (uma região próxima de Medina). As pessoas indagaram: “Mensageiro de Allah! Não deveríamos tê-lo matado?, e ele respondeu: “Proibi que matassem pessoas que oram.” (Sunan Abi Dawud)
A Sharia é um sistema abrangente de normas e diretrizes que rege todos os aspectos da vida de um muçulmano, desde a prática religiosa até questões sociais, econômicas e morais.
Derivada do Alcorão, da Sunnah e das interpretações dos sábios islâmicos, ela busca orientar os muçulmanos a viverem de acordo com a vontade de Deus.
Embora a Sharia seja frequentemente mal compreendida, especialmente em relação à sua aplicação em áreas como o direito penal, as relações de gênero, e a convivência com minorias religiosas, seu verdadeiro objetivo é estabelecer justiça, promover a misericórdia e guiar a comunidade muçulmana em uma vida virtuosa.
A aplicação e interpretação da Sharia podem variar amplamente, refletindo as diferenças culturais e contextuais ao longo da história e em diferentes regiões do mundo.
No entanto, no cerne da Sharia está um compromisso com a equidade, a proteção dos direitos individuais e a promoção do bem-estar coletivo.
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