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Entendendo: Quem conhece a si mesmo, conhece o seu Senhor

A alma humana possui uma natureza divina, e aquele que procura conhecer esta essência está buscando uma proximidade com o seu Criador.
  • O espírito da criação pertence a Allah, portanto, sua natureza é divina.
  • Aquele que busca conhecer a natureza divina de seu espírito se aproxima do seu Criador.
  • O refinamento do caráter através das boas ações estabelece a vontade de Allah neste mundo.

O verdadeiro autoconhecimento é essencial para se estabelecer um relacionamento com o Criador. A alma humana contém mistérios que, quando descobertos, revelam a natureza de Allah para nós e nos permite crescer mais próximos d’Ele.

Um clássico provérbio árabe afirma:

“Quem conhece a si mesmo, conhece o seu Senhor” (Hilyat al Awliya 10/208)

Esse dito é, algumas vezes, atribuído incorretamente ao Profeta, mas na realidade é mais provável que tenha sido uma declaração de um dos primeiros muçulmanos. Contudo, esse dito foi amplamente divulgado entre eles e comentado por estudiosos posteriores, demonstrando que a sabedoria ali contida foi reconhecida e apreciada.

Existem muitas interpretações e ideias derivadas desse provérbio e esse artigo não irá abordar todos eles. Ao invés disso, esse artigo irá destacar o modo como esse provérbio relaciona-se com a purificação do coração e da alma.

A natureza da criação

Quando Allah criou a humanidade, Ele colocou uma porção de Seu espírito dentro de nós. O espírito de Allah, nesse contexto, significa o espírito criado por Allah e pertencente a Allah, não parte da essência de Allah. A humanidade foi honrada com essa capacidade única, facilitada por esse espírito, para conectar-se com o Divino a partir da adoração a Ele e submetendo-se voluntariamente à vontade d’Ele.

Allah disse:

“Depois o modelou; então, alentou-o com o Seu Espírito. Dotou a todos vós com a faculdade da audição, da visão e do entendimento. Quão pouco Lhe agradeceis!” (Alcorão 32:9)

Al Baydawi comentou sobre esse verso, escrevendo:

“Isso acrescenta nobreza à humanidade e indica que ela é uma criação maravilhosa, que seu prestígio é adequado o suficiente para entrar na presença do Senhor. Por essa razão, diz-se que: quem conhece a si mesmo, conhece o seu Senhor.” (Tafsir al Baydawi 32:8)

O espírito de Allah dentro dos seres humanos é refletido em nossa motivação de alcançá-lO, de descobrir os mistérios da Sua criação, e para sermos veículos a partir dos quais a vontade de Allah é acompanhada, manifestada em Seus atributos de misericórdia, justiça e sabedoria. Isso está na natureza essencial (fitrah) dos seres humanos de se inclinarem à Sua adoração e aspirar a níveis mais elevados de consciência em nossa jornada em direção a Ele.

Al Ghazali escreveu:

“Quem conhece os mistérios do espírito, conhece a si mesmo. Se conhece a si mesmo, conhece o seu Senhor. Se conhece a si mesmo e seu Criador, sabe que sua matéria é celestial em sua natureza e seu instinto, e que é um estranho em um mundo corpóreo, que sua descida nele não é resultado de sua natureza em si.” (Ihya Ulum al Din 3/382)

Em outras palavras, a humanidade não é meramente um animal glorificado ou um agregado de células. Dentro de cada pessoa está o potencial de se tornar um servo verdadeiro do Senhor Todo-Poderoso, para refletir os Seus atributos, como um espelho de seus corações puros, para o mundo. Por essa razão, aquele que desperta o espírito de Allah dentro de si agirá sob a orientação de Allah, como se fosse o próprio Allah agindo por meio deles.

Aproximação com Allah

Abu Huraira relatou que o Mensageiro de Allah disse:

“Allah disse: Meu servo não se aproxima de Mim com nada mais amado para Mim do que os deveres que impus a ele. Meu servo continua a se aproximar de Mim com boas obras extras até que Eu o ame. Quando Eu o amo, Eu sou a sua audição com que ouve, a sua visão com que enxerga, a sua mão com que golpeia e o seu pé com que anda.” (Sahih al Bukhari 6137)

Quando passamos a conhecer esta verdade fundamental sobre a natureza humana, passamos a conhecer uma verdade corolária sobre o Criador.

De outra perspectiva, o estado de nossos corações e falhas espirituais é uma indicação de nosso relacionamento com o Criador. 

Quanto mais esforço colocamos em nos dedicar na adoração e no refinamento de nosso caráter, mais nos aproximamos de Allah. Em contraste, ceder ao pecado e às partes mais baixas do nosso ego nos distancia de Allah.

Sahl ibn Abdullah disse:

“Se alguém conhece a si mesmo, conhece seu status com o seu Senhor. Se conhece sua mente, conhece seu estado entre si próprio e seu Senhor.” (Hilyat al Awliya 10/201)

Como tal, nós devemos construir nossas identidades pessoais ao redor do que o Criador decreta ser bom. Devemos permitir que Allah defina quem nós somos, e como um resultado, Allah nos recompensará da melhor forma. 

Sahl foi questionado sobre o dito “Quem conhece a sim próprio, conhece o seu Senhor”. Sahl disse:

“Quem define a si mesmo por causa de seu Senhor, o seu Senhor o define por si mesmo.” (Hilyat al Awliya 10/208)

Baseado nesse conhecimento revelado, aquele que sabe verdadeiramente a condição espiritual de sua alma, em um nível pessoal e individual, deve estar atento e praticar a autodisciplina (muhasabah). Devemos aspirar a trazer à tona os aspectos celestiais que estão arraigados na natureza de nossas almas, um objetivo de tremenda importância em nossa religião. 

Al Ghazali escreveu:

“O coração é aquele pelo qual o ser humano passa a se conhecer. Se ele vier a se conhecer, ele conhece o seu Senhor. É aquele pelo qual o ser humano é ignorante dele mesmo. Se ele é ignorante de si mesmo, ele é ignorante sobre o seu Senhor. Quem não conhece o seu coração, para estar atento a ele, ser vigilante sobre ele e observar o que brilha sobre e através dele dos tesouros celestiais, ele é um daqueles sobre os quais Allah, Todo-Poderoso, disse: ‘E não sejais como aqueles que se esqueceram de Allah e, por isso mesmo, Ele os fez esquecerem-se de si próprios’ (Alcorão 59:19). Logo, o conhecimento do coração, de suas realidades e de suas qualidades é o fundamento da religião e a base da busca espiritual.” (Ihya Ulum al Din 3:2-3)

E Al Ghazali escreveu:

“Ó você que busca, você nunca será capaz de estabelecer os comandos de Allah, Todo-Poderoso, a menos que esteja atento ao seu coração, aos seus membros, a cada momento seu e a cada respiração.” (Bidayat al Hidayah 1/28)

Resgatando a essência do espírito

Para inspirar o surgimento de nossa natureza celestial, precisamos estudar a vida dos Profetas e dos predecessores justos, internalizar sua visão de mundo moral e nos realinhar em relação à disposição a que estamos destinados a ter. Uma vez que tenhamos nos centrado suficientemente dentro do conhecimento dessa natureza celestial, podemos realmente começar a colher o conhecimento moral da nossa consciência pessoal dada por Allah.

Al Nawwas ibn Samna relatou que o Mensageiro de Allah disse:

“A justiça é bom caráter, e pecado é o que se renuncia em seu coração e você odeia que as pessoas o descubram.” (Sahih Muslim 2553)

Ibn al Mulaqqin relatou que Al Ahnaf ibn Qays foi questionado: “De quem você aprendeu o conhecimento sagrado?” Al-Ahnaf respondeu: “De mim mesmo.” Foi dito: “E como é isso?” Al Ahnaf disse: 

“Se eu odiei alguma coisa feita por alguém, eu nunca faria o mesmo para outra pessoa.” (al Tawdih li Sharh al Jami al Sahih 2/512)

Em outras palavras, quando nós retornamos para nossa pura e original natureza celestial, nós identificaremos naturalmente o que é bom e o que é ruim pelo modo como nossa própria consciência reage. Isso é porque quando o coração é cheio do espírito de Allah, o espírito guia o coração para o caminho moralmente correto. Abu Talib al Makki também explicou o significado do provérbio clássico, dizendo: 

“A expressão significa que se você conhece as suas qualidades ao lidar com a criação, que odeia o que conta contra você em relação aos seus atos, que o que você faz joga a culpa sobre você, por essa razão você conhecerá as qualidades do seu Criador e que Ele odeia essas más ações, portanto esteja contente com o Seu decreto e O trate como gostaria de ser tratado por Ele.” (al Hawi li Fatawi 2/288)

Allah nos recompensa ou pune da mesma forma como nós tratamos a Sua criação. Se somos para bons para com ela, Allah será bom para nós. Se somos maus, Allah nos punirá com uma justa recompensa. Logo, quando nós acessamos nossa consciência purificada, guiada pelo conhecimento religioso revelado, nós saberemos intuitivamente como Allah quer que nós nos comportemos com a Sua criação, já que nós devemos amar aos outros assim como nós nos amamos.

Por exemplo, a natureza humana sã sente repulsa pela feiura da arrogância. Uma pessoa verdadeiramente introspectiva reconhece institivamente que ela não tem motivos para ser arrogante, nem de estar satisfeita com isso. Quando se percebe que não há justificativa para se vangloriar, também se percebe que só Allah merece ser absolutamente glorificado pela Sua criação. 

Al Bukhari relatou que Ibn Abbas disse:

“Se você pretende mencionar as falhas de seus companheiros, então recorde-se das suas próprias falhas.” (al Adab al Mufrad 328)

E Al Ghazali escreveu: 

“Aquele que conhece a si mesmo, conhece seu Senhor Todo-Poderoso e isso é suficiente para remover a arrogância. Não importa o que ele sabe verdadeiramente sobre si mesmo, ele saberá que é humilhado em todos os sentidos, ele é pequeno em todos os sentidos. Não há nada apropriado para ele exceto ser humilde, manso e despretensioso. Se ele conhece o seu Senhor, ele saberá que a glória e a grandeza não são condizentes a ninguém a não ser Allah. (Iḥya Ulum al Din 3/358)

Conclusão

Em resumo, o conhecimento autêntico da alma humana leva ao melhor conhecimento de Allah. Aquele que conhece a natureza celestial dentro de sua alma, conhecerá os atributos divinos de seu Criador. Cada pessoa tem o espírito de Allah criado dentro de si e podem ativá-lo potencialmente seguindo o caminho da purificação estabelecido pelos Profetas e os predecessores justos.

Aquele que alcança um nível alto de consciência em relação a Allah, que alinha a si mesmo com sua natureza celestial, sob orientação da revelação divina, tem a habilidade de recolher conhecimento moral de sua própria consciência pessoal. Ao mesmo tempo, aquele que sabe as falhas de caráter dentro de si não tem escolha a não ser ter humildade diante do Criador e Sua criação.

Fonte: Abu Amina Elias

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