Uma estimativa da Federação das Associações Muçulmanas do Brasil (FAMBRAS) aponta que no Brasil há mais de um milhão de muçulmanos. Porém, este número está bem espalhado pelo país que, por sua vez, possui proporções continentais, além de uma população total estimada em 200 milhões de pessoas. Apesar de os seguidores do Islam muitas vezes não serem notados, eles ocupam vários espaços, incluindo a política.
Embora nem todos os muçulmanos sejam árabes, no Brasil a comunidade islâmica é, em boa parte, composta por famílias vindas de países do Oriente Médio e também pelos seus descendentes nascidos aqui. Os adeptos da religião que ocupam cargos políticos carregam algumas dessas características.
A religião cumpre um papel importante na vida deles mas, dentro das câmaras, o foco é cumprir o seu papel no processo democrático. Em alguns casos, o engajamento começa dentro das comunidades e até nas próprias mesquitas. Em Guarulhos, o vereador Lameh Smeili (MDB-SP), popularmente conhecido como Lamé, começou a atuar politicamente no ano de 1978 como dirigente acadêmico da universidade. Além disso, como jornalista, ele cobriu comícios pelas Diretas Já.
Lamé foi editor do jornal Jerusalém, Liberdade e Al Urubat, que defendeu a causa palestina, que é bastante apreciada por muçulmanos do mundo inteiro. O gosto pela política está entrelaçado com seus princípios religiosos: em meio aos compromissos na câmara, ele destina parte do seu tempo diário para fazer as cinco orações obrigatórias que os adeptos do Islam deve fazer e também já fez a peregrinação a Meca três vezes.
O vereador, que está em seu quarto mandato consecutivo, construiu uma trajetória política amplamente focada em questões como meio ambiente, defesa aos idosos e questões relacionadas aos direitos humanos, bandeira esta que fez com que ele se tornasse Secretário de Direitos Humanos de Guarulhos entre os anos de 2017 e 2020.
Vereador Lamé (Foto: Câmara Municipal de Guarulhos)
Lamé fala com orgulho de seus projetos, mas também lamenta a forma como a política é tratada no Brasil: "tratam a política como se fosse um crime, da mesma forma que fizeram com os muçulmanos no passado". O vereador enxerga o assunto como algo capaz de oferecer mudanças, assim como ele mesmo já presenciou em seus anos de mandato.
As opiniões contra a classe política não são o único desafio que Lamé enfrenta. O vereador já chegou a presenciar falas preconceituosas contra os muçulmanos por parte de seus colegas da câmara. Em 2012, o vereador Novinho Brasil disse em um discurso na tribuna: “Quem lê o Alcorão vira kamikase, se prepara 15 anos para explodir pessoas em nome de Allah, achando que vai para o Paraíso”.
Na ocasião, Lamé teve um longo debate com Novinho e rebateu suas falas ofensivas. Hoje, ao relembrar casos como esse, Lamé afirma: "Nem todos têm esse sentimento negativo. Tem muita gente esclarecida e são solidários. Infelizmente, a disseminação de falsas informações sobre o Islam induz as pessoas a erros e formação de preconceitos. Por isso, a presença de um Muçulmano é importante para enfrentar a falsidade".
Em Jundiaí, o vereador e presidente da Câmara do município, Faouaz Taha (PSDB-SP), se destaca como o único muçulmano entre os parlamentares. Embora já seja um homem maduro, sua idade também chama atenção - 32 anos - que está abaixo da média que os brasileiros estão acostumados a ver normalmente na política, onde a presença de senhores mais velhos é predominante.
Eleito para o seu cargo em 2017, Faouaz começou a se envolver com política por causa da sua trajetória profissional. Educador físico, ele iniciou estágio enquanto ainda fazia faculdade e ali teve contato com as realidades de regiões mais carentes de Jundiaí, o que despertou seu interesse por políticas públicas. Em seguida, ele teve a oportunidade de trabalhar na prefeitura, em 2010, e esses eventos o levaram a se candidatar pela primeira vez.
Na primeira tentativa, ele não conseguiu. Apenas em 2016 conseguiu ter sucesso em seu objetivo. Através de seus projetos, levantou algumas bandeiras como saúde e bem-estar: "Fui um dos autores (da lei) que proíbe fogos com estampidos na cidade de Jundiaí, fui autor do projeto de lei de prevenção ao suicídio (o vereador foi responsável pela criação do mês de conscientização do setembro amarelo em Jundiaí), alimentação saudável das crianças na merenda (nas escolas municipais)".
Vereador Faouaz Taha (Foto: Divulgação)
Faouaz revela que a religião é algo importante, inclusive para orientar seus princípios políticos: "O Islam é nossa base". Ele pertence a uma família religiosa e seu avô inclusive ajudou a fundar a mesquita do município. Antes da construção do templo, os fiéis se reuniam para rezar na casa onde ele morava quando era mais novo.
Na câmara, ele é o único vereador muçulmano. No entanto, relata nunca ter sofrido nenhum tipo de preconceito. Faouaz acredita que a presença de um adepto do Islam em meio a outras pessoas que não conhecem a religião pode ajudar a desmistificá-la, mas diz que é um processo lento e que precisa de mais pessoas: "Para isso, é preciso ter mais organização, mais pessoas engajadas na política e também desmistificar a política entre aqueles que acham que quem está na política são pessoas ruins".
Durante a conversa com Lamé e, em seguida, com Faouaz, percebemos que ambos destacam a importância de haver mais políticos muçulmanos na política brasileira e os motivos para isso são diversos, como: representatividade, participação na realidade política do país e contribuições com novos valores éticos.
Lamé pontua que a religião islâmica estabelece várias formas de caridade que podem ser utilizadas por qualquer sociedade para fomentar o desenvolvimento e bem-estar social, mesmo aquelas em que os muçulmanos são minorias: "Imagine instituir o zakat como imposto único? Imagine cuidar dos idosos como manda o Islam? No Islam não há asilos, as pessoas devem cuidar dos idosos", afirmou.
Faouaz também ressalta a importância da mobilização dos muçulmanos em torno da política e pensa até em contribuir para que os adeptos da religião possam ter maior participação: "É um papel nosso como políticos. Eu estou muito disposto a ajudar na organização disso, a criar conselhos políticos dentro da comunidade e discutir isso de maneira muito transparente para que, quem sabe, no próximo pleito, a gente tenha algo mais organizado, com mais candidatos nas cidades."
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