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Olho por olho é válido sob a lei islâmica?

Em nome de Allah, o Clemente, o Misericordioso.

A principal justificativa usada por grupos terroristas (ISIS, Al-Qaeda ..) para os seus ataques contra civis é o ”qisas”, termo árabe que significa ”retribuição justa” na lei islâmica (shariah).

Na verdade, o Alcorão aceita o princípio bíblico de “olho por olho”, em casos especiais, como homicídio, mas acrescenta que o perdão é o melhor caminho (1):

”Ó fiéis, está-vos preceituado o talião para o homicídio: livre por livre, escravo por escravo, mulher por mulher. Mas,se o irmão do morto perdoar o assassino, devereis indenizá-lo espontânea e voluntariamente. Isso é uma mitigação e misericórdia de vosso Senhor. Mas quem vingar-se, depois disso, sofrerá um doloroso castigo. Tendes, no talião, a segurança da vida, ó sensatos, para que vos refreeis.”

(Alcorão 2:178-179)

O trecho ”livre por livre, escravo por escravo, mulher por mulher, é o ponto chave que nos interessa.

O Alcorão sempre deve ser estudado à luz da tradição profética, e uma parte importante dos versos corânicos tem textos que explicam os versos para a “causa de revelação” (asbab al nuzul).

Neste caso, a causa da revelação é explicada pelo famoso historiador e comentarista do Alcorão Ibn Kathir , do século 14 (era comum): Antes do Islam, houve uma guerra entre duas tribos árabes e depois de terem abraçado o Islam, argumento-se que o qisas poderia ser aplicado como uma maneira de terminar o último conflito.

A tribo mais rica das duas disseram que iriam aceitar nada menos que para cada escravo morto um homem livre da outra tribo e um homem com uma mulher,  porque segundo eles, por serem uma tribo maior no status social, seu sangue era mais valioso.

Este verso, em seguida, veio a abolir esta maneira de pensar e estabelecer a igualdade entre uma vida e outra vida, independentemente do status social ou gênero masculino e feminino. E especialmente a ideia de que se deve pagar pelo crime de outra pessoa, rompendo com a lógica tribalistas característica do período pré-islâmico em que os crimes de um indivíduo deveriam ser pagos por todo o grupo, cuja lógica gerava guerras intermináveis ​.

Portanto, se um homem mata um homem, só o autor é criminalmente responsável e a tribo não pode pagar o preço por seu crime dando alguém que não seja o assassino. A responsabilidade individual é afirmada no Alcorão e é também por isso que recusa categoricamente o conceito do pecado original no Islam:

”…nenhum pecador arcará com culpa alheia[…]o homem não obtém senão o fruto do seu proceder..”

(Alcorão 53:38-39)

O raciocínio de grupos terroristas se baseia em suas paixões e sentimentos e não no uso adequado da jurisprudência islâmica: o qisas tem suas regras bem definidas e nenhum advogado na história nunca aceitou que se uma pessoa mata o filho de alguém, então o filho do assassino deve ser punido. O outro caso em que é impossível se aplicar o qisas é se isso implica num pecado. Os estudiosos islâmicos disseram que se alguém é vítima de difamação, não pode caluniar o difamador de volta, porque a mentira é um pecado muito sério no Islam. Um exemplo disso é a proibição muito clara que fez o Profeta Muhammad ﷺ de se profanar os corpos dos inimigos após a batalha, mesmo quando os inimigos o fizeram com os corpos dos muçulmanos falecidos.

É permitido represálias contra populações civis?

É por isso que juristas muçulmanos do período clássico, declararam por unanimidade que não-combatentes não podem ser atacados. O famoso jurista e referência da escola Hanafi, Imam Shaybani (segundo século do Islã), especificou isso claramente em seu famoso tratado sobre as regras da guerra no Islam.

Quando perguntaram ao califa Omar Ibn Abd Al-Aziz (2)  o significado do verso:

”Combatei, pela causa de Deus, aqueles que vos combatem; porém, não pratiqueis agressão, porque Deus não estima os agressores.”

(Alcorão 2:190)

O califa respondeu que é proibido lutar contra mulheres e crianças, bem como qualquer pessoa que não esteja envolvido na luta contra os muçulmanos.

É verdade que há textos que mostram a permissibilidade de realizar uma operação militar necessária em que os civis são susceptíveis de perder as suas vidas, como por exemplo durante o cerco de uma cidade. Mas podemos qualificar os ataques terroristas de Paris, Nova Iorque, Madrid ou Londres, desta forma? Obviamente não. Em vez disso, a morte de civis foi o único alvo desses ataques.

Outro verso usado para justificar estes crimes é o seguinte:

“e combatei unanimemente os idólatras, tal como vos combatem; e sabei que Deus está com os tementes.”

(Alcorão 9:36)

Os criminosos usam este versículo para dizer que é permitido usar os mesmos métodos que o inimigo em combate. Se lermos o versículo em sua totalidade, entende-se o contexto (3): na Arábia pré-islâmica haviam 4 meses no qual se era proibido guerrear.

Quando os politeístas de Meca atacaram muçulmanos em Medina durante estes meses sagrados, os muçulmanos não sabiam como reagir: o Alcorão chegou a afirmar o direito de se defender, deslocando a culpa pela transgressão do agressor. Da mesma forma, é proibido a luta na Mesquita Sagrada de Meca, mas se alguém é atacado lá, tem o direito de se defender. Esse é o significado do verso.

Uma das referências em comentários do Alcorão chamado Al-Qurtubi ( al-Andalus do século 13)  disse o seguinte sobre isso (4) :

O Profeta ﷺ disse:” Não traia quem te traiu “.
Quem viola os limites de Deus com você, você tem o direito de devolver, mas dentro de limites aceitáveis: se alguém lhe rouba algo, recupere-o, se o insulta, responda-o da mesma forma, se tomou a sua honra, tome a sua honra de volta, porém não vá além disso. Não vá buscar seus pais, nem seu filho ou seus próximos. Você não tem o direito de mentir se mentirem sobre você. Se alguém te chama “oh devasso!”, você não têm o direito de chamá-lo de “Oh fornicador!”, você tem que dizer “oh mentiroso!” se não é você o mentiroso. “

É muito claro que o qisas se aplica somente às pessoas que cometeram o crime, e foi a opinião de todos os juristas da história do Islã até o século 20.

Até o mufti dos ”salafistas”,  Ibn Uthaymeen (Arábia Saudita) dizer que era permitido atacar civis russos porque o Estado russo atacava civis na Chechênia. Esta fatwa (veredito religioso) foi rejeitada pela maioria dos estudiosos muçulmanos de nosso tempo mas, infelizmente, deu motivos para certos grupos militantes justificarem seus ataques criminosos. A utilização desta fatwa por estes grupos é incorreta pois não se pode realizar qiyas (analogia) com uma fatwa. Então o que disse Ibn Uthaymeen só pode ser limitado a situação descrita por ele, porém, abriu-se uma porta difícil de se fechar.

Para apoiar este argumento, que quebra as regras da guerra do Islam nos últimos 1.400 anos, eles mencionam um argumento pragmático: Se a população de um país agressor viver o que vivem as vitimas dos ataques em nossos países, vão se dar conta do que é a violência, e vão ter medo. Logo, irão pressionar seus governos a pararem os ataques.

A realidade já nos mostrou que é exatamente o oposto que acontece: as partes da população que podem ser críticas ou neutras sobre as ações de seu governo. passam solicitar mais dureza contra o país oprimido, criando um círculo vicioso difícil de conter. E esse é o resultado quando se pretende voltar ao “Alcorão e a Sunnah” abandonando a metodologia tradicional e os pareceres dos salaf (3 primeiras gerações de muçulmanos) e das 4 escolas de jurisprudência islâmica tradicional para fazer as suas próprias regras sobre a nossa religião.

Fonte: https://www.sunnismo.com/preguntas/matar-civiles-porque-matan-civiles-ojo-por-ojo-qisas-valido-segun-la-ley-islamica

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