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O líder Sufi que Tornou-se o "Pai" da Causa palestina

O Imam Al-Qassam junto de seu grupo foram os primeiros a se sacrificarem em combate para enfrentar os britânicos e a emigração sionista na Palestina.
  • Izz ad-Din al-Qassam foi o primeiro homem a propor uma resistência armada pela libertação da Palestina do controle britânico e da emigração judaica.
  • Ele era imam da ordem sufi Qadiriyya e também defendia a proteção dos domínios islâmicos por meio de um revivalismo religioso.
  • Para ele, mais importante que o recrutamento baseado na força, era a conduta e devoção dos homens que lutariam ao seu lado.
  • Embora não tenha tido ganhos militares expressivos, sua luta inspirou os principais grupos ativistas da história contemporânea da Palestina.

Os grupos de resistência palestinos são alguns dos mais notáveis do mundo atual, seja pela longa história de luta ou pela relevância das atividades que desempenham para proteger e representar o país politicamente.

Hoje a Palestina é um país que não possui um exército e que luta constantemente pelo reconhecimento de sua soberania, fazendo com que várias pessoas estejam sujeitas à violência causada pelo conflito com Israel.

Todas essas organizações possuem como referência um homem chamado Izz ad-Din al-Qassam, que foi um imam membro da ordem sufi Qadiriyya.

Sua história começa em um período de declínio do poder religioso na Palestina, quando o Império Otomano perdeu a administração do país para os britânicos.

No entanto, a influência religiosa não chegou ao fim, apenas tomou outra forma segundo os desafios da nova era que se aproximava.

O legado de Izz ad-Din al-Qassam representaria o início de um revivalismo islâmico que seria um dos pilares do nacionalismo palestino.

Vida Pregressa

Izz ad-Din al-Qassam nasceu em 1883 na cidade de Jableh, que hoje é parte da Síria, mas na época era um território do Império Otomano.

Sua família estava intimamente ligada às confrarias sufis. Seu avô era bastante influente localmente na Ordem Qadiriyya e seu pai na Ordem Naqshbandi

O próprio al-Qassam estudou em 1902 na prestigiosa universidade de Al-Azhar, no Egito, uma das mais importantes instituições religiosas árabes e uma das maiores do Islam.

É dito que ele recebeu educação de proto-wahabitas como Muhammad Abduh e Rashid Rida, no entanto, não existem evidências que comprovem que esses homens tenham sido seus professores.

O que se pode afirmar é que naquela época o pensamento wahabita estava em ascenção no mundo islâmico, e al-Qassam pode ter sofrido influências desta corrente revivalista islâmica, embora ele mesmo não possa ser definido como tal.

Seu contexto familiar e formação acadêmica consolidou nele uma visão bastante ortodoxa da religião. Isso se refletiu em seu discurso em seus anos como imam, em que ele se dedicou a destacar o Islam de outros aspectos culturais locais.

Em 1904 ele regressou para sua terra natal, onde começou a ocupar cargos importantes na Ordem Qadiriyya. Sabe-se que já nesta época, as noções de jihad como resistência armada ao colonialismo já era algo que al-Qassam estimava como algo importante.

Aqui cabe esclarecer que a jihad não é necessariamente um conflito armado. Na doutrina islâmica, o esforço que o crente faz pela purificação, para praticar o bem e proibir o mal é também uma luta espiritual, ou seja, uma jihad.

Em 1911 ele começou a se envolver com causas que envolviam defender os domínios islâmicos. Ele apoiou o sultão Mehmed V na defesa dos territórios otomanos no norte da África, ajudando a recrutar 250 homens em sua cidade para lutar contra a invasão italiana.

As autoridades, no entanto, se recusaram a enviar este contingente para a guerra, pois abandonaram a campanha no norte da África. Naquela época o Império Otomano já vivia uma grande decadência.

Quando a primeira guerra mundial veio à tona, al-Qassam se alistou nas forças armadas otomanas, se tornando imam em um destacamento do exército em Damasco. Foi nesta ocasião que ele recebeu treinamento militar e aprendeu a manusear armas.

As Primeiras Causas Militares de Al-Qassam

Após a derrota na guerra e a desintegração do Império Otomano, foi realizado o tratado Sykes-Picot, que dividiu boa parte do Oriente Médio entre a França e a Grã-Bretanha. 

Isso gerou um grande descontentamento, pois os britânicos haviam prometido que um grande reino árabe seria criado, envolvendo Iraque, Síria, Líbano, Palestina e Jordânia.

Isso deu início em 1919 a uma insurgência organizada por aldeões locais, na qual al-Qassam faria parte como um ativo guerrilheiro. 

Ele atuou nas montanhas de Jabal Shaykhoun, em Latakia. Eles fizeram vários ataques contra os franceses, obrigando-os a se retirarem para Aleppo.

Al-Qassam então passou a liderar a sua própria milícia na costa norte da Síria, mas a partir de 1920 os franceses começaram a sufocar a derrota, e o líder sírio foi condenado à morte.

Ele então contou com a ajuda de famílias locais para conseguir fugir para Haifa, na Palestina.

Por isso, al-Qassam foi reconhecido como um líder espiritual, estrategista militar e um homem respeitado pela comunidade local devido ao seu trabalho na resistência.

O Surgimento da Causa Palestina

Quando al-Qassam chega à Palestina, a região estava no centro de uma grande virada histórica. Em 1922 a administração territorial do país foi confiada à Grã-Bretanha pela Liga das Nações.

Em junho daquele ano, os britânicos publicaram o Livro Branco, que era uma declaração política que dava direito aos judeus de permanecerem na Palestina e que eles representavam uma comunidade com aspirações nacionais.

Esta declaração dava direito aos judeus de fazerem da Palestina o seu futuro lar, mas ela não dava garantias de que todo o território iria ficar sob controle deles.

A Agência Judaica, principal órgão sionista daquele período, seria a responsável por estabelecer esses domínios que seriam parte do futuro país dos judeus.

Haifa era uma importante cidade da administração britânica e judaica, tinha uma grande relevância econômica e se tornou um dos principais destinos da imigração sionista.

As fronteiras só foram estabelecidas entre a Síria e a Palestina depois que os mandatos franceses e britânicos foram reconhecidos pela Liga das Nações entre 1920 e 1922, o que na prática configurava um único território com predominante presença árabe.

De 1919 até 1923, estima-se que 37 mil judeus tenham desembarcado no país. Lideranças islâmicas locais como o Grand Mufti de Jerusalém, Hajj Amin Al-Husseini, se opuseram à imigração, mas não puderam fazer nada para detê-la.

Al-Qassam se tornou professor na escola Al-Burj e se tornou imam da mesquita Istiqlal. Mais tarde se tornou pregador na mesquita de Jerena e membro do tribunal de Sharia local.

Seu discurso consistia em três pontos: O retorno ao fundamento da fé, empreendendo uma reforma do Islam institucional e uma luta -metafórica- contra o que chamou de "práticas folclóricas" (Milton-Edwards, 1996: 16).

Em 1924 ele já tinha uma base de seguidores mais receptiva ao seu discurso, a maior parte deles eram pessoas pobres ou que perderam suas terras depois que elas foram adquiridas pelo Fundo Nacional Judaico, que comprava propriedades para judeus. 

A pregação de al-Qassam a princípio tinha um foco social, mas aos poucos começou a falar contra a política britânica, emigração sionista e favorável à jihad armada.

Em 1928 ele contribuiu para a fundação de uma filial da Associação da Juventude Muçulmana em Haifa.

Isso aumentou a influência de al-Qassam, que passou a ter contatos com famílias e clãs importantes da comunidade. 

Em seguida, ele estabeleceu vínculos com o partido nacionalista Istiqlal, o que lhe garantiu maior proteção política. 

Essas relações deram uma projeção ainda maior para seu discurso e isso fez com que ele aumentasse ainda mais os seus apelos por uma resistência armada.

A Revolta Armada

Em 1930, a mais alta autoridade religiosa de Damasco, o clérigo Badr al-Din, emitiu uma fatwa autorizando uma jihad armada contra o Mandato Britânico, considerando o colapso social, político e econômico como fatores que justificavam uma luta por parte dos muçulmanos.

Este parecer foi atendido por al-Qassam, que viria a liderar um grupo chamado Al Kaff Al Aswad, que em português quer dizer "a mão negra".

Eles se estabeleceram no norte de Nablus e não iniciaram os combates imediatamente após a emissão da fatwa, mas sim organizaram-se em grupos secretos para fazer treinamentos.

A organização de grupo consistia em um recrutamento baseado não na força, mas na adoção dos princípios islâmicos.

O guerreiro da causa de Allah, também chamado de mujahid, não entrava na guerra por uma escolha pessoal, mas sim porque Allah o escolhia para o combate.

Por isso, os guerreiros do exército liderado por al-Qassam tinham que ter uma conduta nobre e profunda devoção, respeitando a liturgia e os rituais islâmicos.

O grupo executava muitas práticas da ordem sufi Qadiriyya e chegou a contar com 200 membros regulares, além de 800 seguidores.

Essas pessoas eram divididas em unidades e hierarquias, onde os membros conheciam apenas aqueles que eram do seu círculo.

Os ataques seriam direcionados contra policiais e havia distinção entre judeus e muçulmanos. A milícia, no entanto, durou poucos dias.

Em novembro de 1935, cerca de 20 dias após o início dos ataques, al-Qassam e quatro de seus companheiros foram mortos em combate contra o exército britânico, enquanto outras cinco lideranças foram presas.

O legado do líder paramilitar e religioso, no entanto, estaria bem longe do fim. Em seu funeral, cerca de 3000 pessoas estavam presentes, algumas delas eram pessoas da elite do mundo islâmico.

Entre algumas delas, estava presente o diretor do Banco Árabe, Rashid Al Hadj Ibrahim, e o ex-jurista (qadi) de Meca, Sheikh Yunis Al Khatib. Além disso, jornais árabes o saudaram e celebraram sua memória.

O grupo prosseguiu com suas atividades sob a liderança de Hussein Hamadi, e em seguida por Sheikh Farhim Saadi. Eles continuaram com a guerrilha e fazendo ativismo político até a morte de Farhim Saadi em 1937.

No entanto, a morte de al-Qassam inspiraria uma grande insurgência. Relatórios da inteligência britânica afirmam que até 50 líderes religiosos estiveram envolvidos em atividades rebeldes nos dias que seguiram à sua morte.

Legado

O martírio de al-Qassam o transformou em uma espécie de mito. Ele se tornou a primeira pessoa a mobilizar uma jihad e a se sacrificar pela causa da libertação da Palestina. 

Pesquisadores e outras pessoas que transmitiram a tradição oral sobre o líder afirmam que sua morte foi o estopim para a primeira grande revolta palestina ocorrida em 1936.

Sua conduta foi descrita como um ato de nacionalismo, justiça social e revivalismo islâmico, fazendo com que diferentes grupos dos mais variados espectros políticos e religiosos reivindicassem seu legado.

Partidos como o Istiqlal, Al-Fatah, Hizb ut-Tahir, o Movimento da Jihad Islâmica Palestina e até mesmo o Hamas buscam legitimar suas causas usando a luta de al-Qassam como referência.

Seu legado é constantemente celebrado dentro e fora do país. Ruas e mesquitas em Gaza e Cisjordânia carregam o seu nome, livros de história palestinos relembram sua luta e até obras de ficção e literárias retratam o líder sírio.

Sua luta atingiu tamanha transcendência porque, de algum modo, ele conseguiu reunir alguns elementos que eram comuns a diversos árabes e principalmente palestinos.

Além disso, ele foi o primeiro a tentar buscar ganhos através de uma luta armada com adesão popular, enquanto as elites muçulmanas da época tentavam resistir aos britânicos e judeus apenas através do diálogo e acordo político.

Contudo, é interessante notar que embora o mito em torno de al-Qassam tenha influenciado tantas causas diferentes, o que o motivou foi apenas uma profunda devoção religiosa.

É enganoso achar que seu movimento foi um total fracasso apenas pelo resultado obtido em batalha, pois se até hoje os palestinos são capazes de oferecer resistência ao domínio israelense, grande parte disso se deve à luta de Izz ad-Din al-Qassam.

Conclusão

Al-Qassam é o pai da resistência palestina e o primeiro grande mártir na luta armada contra a colonização britânica e a ocupação sionista que fundou o estado de Israel.

Acabou sendo apropriado por grupos nacionalistas palestinos, pessoas que lutam contra a injustiça e jihadistas salafistas.

No entanto, ele em si era apenas um imam da ordem sufi Qadiriyya que pretendia lutar contra a ocupação dos países árabes através de um revivalismo islâmico.

Seus feitos paramilitares não foram exuberantes, mas seus méritos em convocar pessoas para uma luta armada contra os colonizadores marcou uma grande mudança de paradigma no Oriente Médio.

A luta, que antes era focada em obter ganhos políticos, passou a ser travada por meio de combates e isso é algo que continua inspirando muitos grupos palestinos e árabes até os dias atuais.

Al-Qassam, no entanto, tinha um propósito muito bem definido além da mera agressão sem limites. 

Seus recrutas eram ávidos praticantes da religião islâmica, e seus alvos eram apenas pessoas que tinham papel ativo na opressão dos palestinos.

Referência

  • Gonzalo CARETTI (2021): “La leyenda de Izz Al Din Al Qassam y su influencia en la insurgencia palestina” en Revista de Estudios Internacionales Mediterráneos, 30, pp. 42-61.

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