Quando pensamos no Alcorão, várias coisas podem vir à mente: como um livro, a história dos profetas, os mandamentos de Allah para a humanidade, etc.
Mas como podemos afirmar que o Livro Sagrado do Islam é incriado, sendo que todas as coisas que o abarcam são criadas? Aquilo que não é Allah não deveria ser Sua criação, de acordo com a visão islâmica?
Vamos explicar isso melhor abaixo e veremos que, na verdade, é uma questão bem simples, apesar da enorme complexidade que envolve o tema.
O Alcorão é a Palavra de Allah (kalam), esta Palavra é um dos atributos divinos (Sifat), ou seja, uma característica natural e indissociável do Criador, assim como Sua perfeição, onipotência, onisciência, imortalidade, etc.
Este atributo, por sua vez, é eterno, pois, uma vez que esta é uma qualidade do Criador, ela não é uma criação.
Em sua essência, o Alcorão não possui qualquer forma de fala ou escrita semelhante à definição humana, porém, ele foi revelado pelos anjos ao Profeta da forma como conhecemos e compreendemos.
Ou seja, a pronúncia do Alcorão é criada, nossa escrita dele é criada, e nossa recitação dele é criada, mas o Alcorão, em si, não é criado, pois a Palavra de Allah não é criada.
Rejeitar que este discurso divino é uma das características de Allah é algo insensato para um muçulmano.
Por isso, aquele que não acredita que o Alcorão é incriado não é considerado um muçulmano sunita, pois esta é uma crença fundamental para aqueles que professam esta fé.
Allah nos diz no Alcorão como as coisas são criadas:
"Sua ordem, quando deseja alguma cousa, é, apenas, dizer-lhe; “Sê”, então, é." (Alcorão 36:82)
Ou seja, Allah primeiro deseja uma coisa, e em seguida Ele cria, o que nos mostra que a ordem (ou a Palavra) não é parte da criação; ela é incriada e, portanto, está associada à essência do Criador. O Alcorão nos diz isso com clareza:
"D'Ele é a criação e a ordem." (Alcorão 7:54)
Ou seja, a ordem de Allah, isto é, o Alcorão, não está inserida naquilo que Ele define como criação. Poderíamos parar por aí, mas há outras evidências importantes que refletem a natureza desta Palavra:
"E, se todas as árvores, na terra, fossem cálamos, e o mar – a que se estendessem, além dele, sete mares fosse tinta de escrever, as palavras de Allah não se exauririam. Por certo, Allah é Todo-Poderoso, Sábio." (Alcorão 31:27)
Como podemos ver, a Palavra de Allah é infinita, e somente aquilo que é parte da essência do Criador pode ser infinito, uma vez que todas as criações foram geradas.
"Imutáveis são as palavras de Deus" (Alcorão 10:64)
A Palavra de Allah, ao contrário da criação, não está sujeita a nenhum tipo de oscilação.
Toda criação é mutável e está sujeita àquilo que exerce influência sobre ela (vida e morte; fluxo e refluxo; auge e declínio, etc.), mas como podemos ver, isso não se aplica à Palavra de Allah.
Por fim, Allah não diz em momento algum que o Alcorão foi criado, mas sim ensinado:
"O Clemente. Ensinou o Alcorão. Criou o homem, E ensinou-lhe a eloquência." (Alcorão 55:1-4)
Ao longo da milenar história islâmica, algumas vertentes religiosas acreditavam que o Alcorão era a fala criada de Allah; a principal delas foram os Mutazilah, uma corrente de pensamento que foi muito forte entre os séculos VIII e X.
Outro grupo que partilhava desta crença foram os Jahmitas, que também tiveram influência no mundo islâmico por volta do século VIII.
Para mantermos a coesão do texto, não falaremos muito sobre a teologia destes grupos, apenas iremos situá-los para que o leitor saiba que esta foi uma questão amplamente debatida pelos mais altos intelectuais islâmicos ao longo dos séculos.
Mais do que um tema bastante discutido, também podemos dizer que foi amplamente refutado pelos sábios sunitas, a ponto de se tornar um consenso entre a principal vertente do Islam, sendo uma crença indispensável para os muçulmanos.
Abaixo, podemos ver o que diz o grande sábio da teologia islâmica, Ibn Hazm:
" O Alcorão é a palavra de Allah que emanou d'Ele sem a modalidade de fala. Ele o enviou ao Seu Profeta como uma revelação. Os crentes verdadeiramente o aceitam como tal, e têm total convicção de que é a palavra de Allah (exaltado seja) na realidade. Diferente da fala humana, é eterno e incriado. Quem quer que o ouça e afirme que é fala humana descrê." (Aqidah Tahawiyyah, Ibn Hazm)
Outro exemplo nos é dado pelo Imam Abu Hanifa, um dos grandes formuladores da jurisprudência e teologia sunita:
“Os atributos de Allah são eternos, não são novos ou criados. Quem disser que os atributos de Allah não são eternos, ou que são criados, ou tiver dúvidas sobre eles, é um descrente em Allah (kafir). O Alcorão é a fala de Allah. Nos exemplares (mushafs) está escrito, nos corações está protegido, nas línguas é recitado, e ao Profeta. foi revelado. Utilizar nossas palavras para dizer o Alcorão, nossa escrita dele ou utilizar nossas palavras para sua recitação é criação, mas em sua originalidade, o Alcorão não é criação.” (Fiqh Al Akbar, Imam Abu Hanifa)
E como um último exemplo, destacamos um dos principais sábios e teólogos da história sunita, Imam Bukhari, que narra em seu livro Khalq Afaal al-Ibaad:
Sufyan ibn Uyayna narrou: Conheci nossos professores por setenta anos, entre eles Amr ibn Dinar, todos eles costumavam dizer: "O Alcorão é a fala de Allah, e não foi criado." (Khalq Afaal al-Ibaad, Imam Bukhari)
O Alcorão é incriado, pois é a Palavra de Allah revelada, e esta Palavra não é como uma simples fala humana, mas sim um atributo eterno do Senhor.
O Livro Sagrado do Islam nos mostra que esta Palavra não sofre mutações, o que significa que ela não é parte da criação.
Por fim, Allah nos mostra que o Alcorão foi ensinado e não criado e, portanto, não está nas mãos de um sunita escolher se acredita ou não nisso, pois é algo indispensável para a fé muçulmana.
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