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Como o Imam al Ghazali pode ajudar os muçulmanos brasileiros

Conversamos com a tradutora Maria Christina, e falamos sobre o livro “Nicho das Luzes” de Imam al Ghazali, que está disponível para download.
  • Maria Christina, uma muçulmana notável da comunidade brasileira, que dedicou anos de sua vida à produção de conteúdos islâmicos no Brasil.
  • Visando solucionar algumas dificuldades da comunidade islâmica brasileira, ela escolheu traduzir a obra “Nicho das Luzes”, de Imam al Ghazali.
  • A obra fala da importância em seguir o Islam não somente através das leis, mas principalmente na espiritualidade.
  • Imam al Ghazali foi um dos maiores pensadores da história islâmica, reconhecido pelo renome jurídico e pela busca da aproximação com a presença divina.

A comunidade islâmica no Brasil sempre foi carente de bons conteúdos literários e, embora existam alguns títulos explicando fundamentos da religião e o que é básico para o muçulmano, buscar entender a crença com profundidade é sempre um desafio para os leitores brasileiros.

Em um cenário como este, poder contar com uma tradução do livro “Nicho das Luzes” do Imam al Ghazali é um ganho enorme. O título foi disponibilizado pela primeira vez neste ano, no site do projeto Al-Tasnim, que visa traduzir obras que possam agregar valor à crença dos muçulmanos brasileiros.

A responsável pela tradução é uma figura notável da comunidade islâmica brasileira, Maria Christina Moreira, que é engenheira civil, tradutora e fundadora de um dos primeiros sites de conteúdo islâmico no país, o Islamic Chat. 

Trajetória até a tradução

Se, por um lado, converter-se ao Islam no Brasil é uma decisão difícil, por outro, esta decisão era quase inviável para muitas pessoas em 1989, quando Maria Christina Moreira abraçou a religião. A história de como ela aderiu à crença seria improvável se não fosse um fato: ela era agnóstica e não tinha simpatia por nenhuma espiritualidade, mas seu encontro com alguns muçulmanos mudou tudo.

Ela estava bastante acostumada a se esquivar de conversas com cristãos que tentavam convertê-la mas, ao conversar com muçulmanos, não teve a mesma facilidade porque por mais que houvessem semelhanças entre as duas religiões, ela descobriu que também havia diferenças importantes. Então, decidiu estudar o Islam para poder responder aos questionamentos de seus conhecidos. Mas o que ela não esperava é que terminaria se encantando pela religião.

Durante alguns anos, ela conciliou sua carreira de engenheira com o seu aprendizado sobre o Islam. Depois de algum tempo de conversão se mudou para o Egito e lá, ao contrário de como era sua vida no Brasil, não conseguiu se manter intelectualmente ativa.

Ao visitar bibliotecas e ter acesso a materiais não disponíveis no Brasil, além de pesquisar informações que começavam a ficar disponíveis em inglês em sites islâmicos no início da internet, ela aproveitou esse momento e criou um site para compartilhar este conteúdo com outras pessoas. O Islamic Chat é hoje o site mais antigo do Brasil voltado para este segmento, com mais de 20 anos de funcionamento.

O caminho até al Ghazali

Durante muitos anos, Maria Christina traduziu textos de forma amadora mas, com o tempo, ela teve contato com pessoas experientes do ramo, o que a levou ao aperfeiçoamento de suas traduções até que, por fim, começou a ser contratada para este ofício. Depois, ela fez uma pós-graduação em língua inglesa.

A trajetória de Maria Christina no Islam também nos conta o motivo de sua escolha pela tradução do livro “Nicho das Luzes”. Ela sempre teve uma ligação muito especial com a 24ª sura do Alcorão, a Luz (Al Nur), e este vínculo foi reforçado ao longo de sua trajetória, de acordo com as suas vivências. 

“Se você fala que vai fazer algo por Allah, você não pode contar com sua esperteza, tem que deixar que Ele te guie. Eu tinha um outro livro em mente mas, por não ter conseguido autorização, pensei em qual livro iria traduzir. Eu fui para internet, entrei em um site e tinha nele o Nicho das Luzes”, contou. “Não foi uma proposta lógica (…), as coisas foram acontecendo”, completou.

Lições para religiosidade no Brasil

Conviver por tanto tempo na comunidade islâmica brasileira permite ter uma visão privilegiada do comportamento dos religiosos do país, incluindo as fragilidades, que merecem ser aperfeiçoadas. “A religião tem o lado material e o espiritual, (…) o que acontece aqui no Brasil é um foco exacerbado nos atos externos”, diz a tradutora. 

A história do Imam al Ghazali se assemelha em alguns aspectos ao atual contexto do Islam no Brasil. O erudito, que vivia em Bagdá no século XI, enfrentou um conflito espiritual por volta dos seus 35 anos e abandonou sua carreira de professor-chefe, em que ele dava aula para cerca de 300 alunos. Ghazali renunciou suas posses materiais e partiu em peregrinação em direção a Meca, em uma jornada profundamente introspectiva. 

O Imam teve contato com a realidade espiritual do Islam, o tasawwuf, e em sua obra ele se esforçou para mostrar que a espiritualidade e a lei são partes complementares da religião, e não distintas. Esta vivência é um exemplo para os muçulmanos e mostra que o que sustenta a religião não é a lei, mas um contato íntimo e profundo com Deus, cujos mandamentos servem para orientar esta relação.

“A gente tem que confiar na Sabedoria Divina e que existe um limite para a capacidade do nosso entendimento, e quando a gente vai purificando o nosso coração e vai se aproximando de Deus, esse entendimento começa a vir naturalmente. E quando não vem o entendimento, vem a aceitação”, afirma Maria Christina.

Um livro sobre o caminho do coração

Imam al Ghazali era um jurista excelente. No entanto, seu status serviu para tornar-lhe uma pessoa arrogante e não o transformou em um muçulmano melhor. “O principal aprendizado que o muçulmano precisa extrair deste livro é que o Islam é material e espiritual. Os materiais são meios para que nos purifiquemos. Quando Allah fala para nós que temos que orar cinco vezes por dia, não é porque Ele precisa da nossa oração, mas porque nós precisamos desta oração para purificar os nossos corações. Mas nós precisamos saber como faz, não é mesmo? Por isso, precisamos da jurisprudência”, concluiu Maria Christina. 

No entanto, a virtude de al Ghazali ao lidar com seus conflitos foi mostrar sinceridade para Allah. Ao perceber que usava seu status de uma forma que lhe afastava dos princípios da religião, ele recorreu à espiritualidade para resgatar a essência dos ensinamentos do Alcorão e do Profeta Muhammad. O Imam mostra em Nicho das Luzes que nada disso é uma inovação, e sim a pura essência da espiritualidade islâmica. 

Esses ensinamentos, vindos de alguém com a importância histórica de al Ghazali, que recebeu o título de “A Prova do Islam”, sugerem uma leitura contemplativa, sobretudo para os muçulmanos, que podem extrair aprendizados profundos com um dos maiores sábios que já destrinchou a lei e a fé islâmica.

“Dizer que a pessoa que recebeu o título de A Prova do Islam é um inovador, ou que não tem conhecimento, ou que está inventando, é complicado. (…) Então eu acredito que, não só pelo conteúdo, mas principalmente pela reputação dele, é muito importante esta tradução”, afirma Maria Christina.  

Sobre o livro

A versão em português de Nicho das Luzes foi traduzida do inglês a partir da edição de 1924, do autor William Gairdner que, por sua vez, foi traduzida a partir do idioma árabe.

A edição em português está disponível gratuitamente em PDF no site do Al-Tasnim, que pretende lançar futuramente grande tradução de outro livro de Imam al Ghazali: “A Alquimia da Felicidade”.

Para baixar o livro Nicho das Luzes, clique aqui.

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