“Enquanto alguns admiravam o Japão à distância, outros tiveram a iniciativa de ir até lá.”
No decorrer da história, o Japão foi o “fim do mundo” distante e misterioso para os viajantes, cartógrafos, comerciantes e sábios dos diversos locais do mundo.
Isso gerou um interesse intenso de aprender sobre o país e visitá-lo em algumas pessoas (ou, ao menos em um caso, um interesse em conquistar o território). Para muitos – inclusive para muitos dos próprios japoneses – o “esplêndido isolamento” do Japão era um motivo para o mundo focar em outras nações, mais fáceis de alcançar e mais abertas a interações.
Os muçulmanos não foram exceção. Apesar do fato de que o Islam se espalhou e floresceu próximo ao Japão, na China continental e no sudeste da Ásia por séculos, os muçulmanos e os japoneses só vieram a expressar interesse mútuo no final do século XIX.
É claro que os muçulmanos haviam ouvido falar de “al-Yāban” (ou Chāpun), e as ilhas tiveram sua primeira aparição num mapa de origem islâmica em 1430 – parte do trabalho de um erudito persa, Hāfiz-i Abrū, sobre o oriente distante.
No século XVII, um historiador otomano descreveu os japoneses (ou o povo de “Caponya”) como pessoas que “amam banhos frios e têm uma moral elevada”. Os japoneses provavelmente tinham impressões básicas semelhantes sobre os muçulmanos, e devem também ter interagido com comerciantes e diplomatas muçulmanos no decorrer dos séculos.
A possibilidade de indivíduos muçulmanos terem passado a viver no Japão nesse período também não pode ser descartada. No entanto, no final do século XIX, duas tendências paralelas estimularam de uma hora para outra o interesse mútuo entre muçulmanos e os japoneses:
Reconhecendo isso, o Sultão Abdul Hamid II do Império Otomano – o único estado muçulmano que ainda tinha controle sobre suas relações exteriores – mandou a embarcação bélica imperial Ertugrul para o Japão em 1889, carregada de 609 marinheiros otomanos e de presentes para o Imperador Meiji (r. 1867-1912), cujo irmão havia visitado Istambul dois anos atrás.
A Ertugrul chegou ao Japão, onde sua tripulação foi recebida com grande hospitalidade. Na viagem de volta em 1890, contudo, o navio foi atingido por um tufão no sul do Japão e apenas 69 homens sobreviveram. Apesar do final trágico, a missão benevolente estabeleceu um relacionamento positivo entre o Império Otomano e “a estrela em ascensão do oriente”.
Dois anos depois, 1892, Yamada Torajirō chegou em Istambul. Um homem jovem e de boas maneiras, ele havia organizado uma campanha de captação de fundos nas maiores cidades japonesas para coletar dinheiro para as famílias dos marinheiros otomanos que haviam perecido.
A reação dos japoneses foi tão inacreditável que o governo japonês solicitou que Yamada levasse pessoalmente a quantia (equivalente a cerca de 100 milhões de dólares nos dias de hoje) para Istambul. Yamada visitou o Egito no caminho e, depois de terminar a missão em Istambul, decidiu passar os próximos 20 anos lá, fazendo tudo o que podia para promover as relações políticas e culturais entre o Japão e o Império Otomano.
Durante esse período, o mundo islâmico havia se fascinado com o líder de Yamada, o Imperador Meiji, principalmente após 1905, quando os japoneses derrotaram de maneira humilhante os russos na vitória da Guerra Russo-Japonesa. Os observadores muçulmanos assistiam estupefatos o pequeno e desconhecido Japão esmagar o Império Russo, que vinha atormentando os muçulmanos da Ásia Central por gerações.
Abd al-Amīn Sāmī, um sábio da corte em Bukhara, espalhou que Meiji (“pādshāh-e Chāpun”) havia aceitado o Islam em segredo, que ele era um descendente dos árabes Qahtānī e que a vitória dele sobre os russos indicava que o Dia do Juízo estava próximo.
O poeta otomano Mehmet Akif e o historiador Abdurreçid Ibrahim expressaram admiração pelas conquistas japonesas; no Irã, Adib Pishāvari escreveu um poema épico em homenagem a Meiji, chamado Mukado-nāmeh.
Enquanto alguns admiravam o Japão à distância, outros tiveram a iniciativa de ir até lá. Um oficial militar egípcio, Ahmad Fadhli, se alistou numa academia militar em Tóquio em 1905 e ficou lá por muitos anos, durante os quais ele se casou com uma esposa japonesa.
Em 1907, o sábio egípcio muçulmano chamado Ali Jaljawi visitou o Japão e supostamente compareceu a uma conferência sobre as religiões do mundo em Tóquio. No ano seguinte, Maulvi Barkatullah chegou da Índia, indicado como professor na Escola de Línguas Estrangeiras de Tóquio, onde lecionou por cinco anos.
Em 1909, Abd al-Rashid Ibrahim, tártaro nascido no Império Russo, fugiu para o Japão em busca de refúgio das autoridades russas, que estavam atrás dele por causa de sua luta pela independência dos tártaros. Um homem piedoso, ele foi o primeiro pregador muçulmano no Japão, e muitos nativos japoneses aceitaram o Islam por meio de seu trabalho.
Os próprios japoneses também tomaram algumas iniciativas. Em 1451, um emissário do Japão à dinastia Ming da China encontrou uma delegação de muçulmanos hui (de etnia chinesa), que o presenteou com 20 cavalos. No entanto, o desenvolvimento da relação entre os muçulmanos e os japoneses era muito lento.
Em 1715, um sábio de Tokugawa chamado Arai Hakuseki publicou um livro que abordava o Islam; muitas outras publicações descreviam com detalhes o mundo de população majoritariamente muçulmana. No final da década de 1870, um livro sobre a vida do Profeta Muhammad ﷺ foi traduzido para o idioma japonês.
E foi somente em 1920 – depois da chegada súbita de cerca de 600 imigrantes muçulmanos da Ásia Central no Japão durante a Primeira Guerra Mundial – que a primeira tradução do Alcorão no idioma japonês foi publicada por um sábio budista, Sakamoto.
A primeira mesquita do Japão foi construída em 1905 por prisioneiros de guerra russos. Outra mesquita foi construída em 1914 (e reconstruída em 1935) em Kobe por empreendedores Indianos e Árabes. Em 1938, uma mesquita também foi inaugurada em Tóquio, contando com uma escola islâmica, uma gráfica e uma publicação periódica.
Dignitários do Egito, da Arábia Saudita e o Iêmen compareceram à grande inauguração. Novas traduções do Alcorão em japonês continuaram a surgir nas décadas seguintes e mais de 100 livros e revistas foram publicados no Japão entre 1935 e 1943.
O governo japonês cooptou o Islam durante a Segunda Guerra Mundial para fazer propaganda no sudeste da Ásia de maioria muçulmana – que era ocupado pelo Japão. Numa conferência em abril de 1943, o Japão se declarou um protetor verdadeiro da fé islâmica contra as potências cristãs europeias imperialistas na região, uma alegação que foi apoiada pelos líderes e sábios muçulmanos que estavam presentes.
O imã da mesquita de Tóquio, Abdurreshid Ibrahim, afirmou em 1942 que “A causa do Japão na Grande Guerra da Ásia Oriental é uma causa sagrada e, em sua severidade, é comparável à guerra do Profeta Muhammad contra os infiéis do passado.”.
A comunidade muçulmana no Japão continuou a se espalhar após a guerra e o interesse no Islam foi revivido por dois eventos em particular: a crise do petróleo de 1973, que puxou a atenção dos japoneses para as nações muçulmanas produtoras de petróleo e a Revolução do Irã de 1979.
O advento da televisão também possibilitou aos japoneses que vislumbrassem a cultura islâmica. A Universidade de Al-Azhar no Egito proporcionou bolsas de estudo para os que se interessavam pelo Islam, para que pudessem viver e estudar a religião no Cairo. E as organizações islâmicas, como o Jama’at Tablighi da Índia e do Paquistão, começaram a visitar o Japão para propagar a mensagem do Islam entre os nativos japoneses.
Hoje, a minoria muçulmana no Japão enfrenta muitos desafios. No entanto, isso é de se esperar – o Islam chegou no “fim do mundo” relativamente tarde, mas a comunidade é ativa, está crescendo e tem um contato cada vez maior com muçulmanos do mundo todo. Em muitas regiões do planeta, a chegada do Islam faz parte da história antiga; já para os japoneses, a história está se desenrolando.
[1] Anis, Bushra. “The emergence of Islam and the status of the Muslim minority in Japan.” Journal of Muslim Minority Affairs 18, no. 2 (1998): 329-345
[2] Saitoh, Abdul Karim. “The historical journey of Islam eastward and the Muslim community in Japan today.” Journal of Muslim Minority Affairs 1, no. 1 (1979): 117-126
[3] Adhami, Siamak. “The Conversion of the Japanese Emperor to Islam: A Study of Central Asian Eschatology.” Central Asiatic Journal 43, no. 1 (1999): 1-9
[4] Esenbel, Selçuk. “A ‘fin de siècle’ Japanese Romantic in Istanbul: The Life of Yamada Torajiro and His ‘Toruko gakan’.” Bulletin of the School of Oriental and African Studies 59, no. 2 (1996): 237-252
[6] David Motadel, Islam and Nazi Germany’s War (Cambridge, MA: The Belknap Press, 2014), p. 5-6
Fonte: https://themuslimvibe.com/faith-islam/at-worlds-end-islams-long-journey-to-japan
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