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Quem foram al-Albâni e Ibn Bâz? – Sh. Nûh Hâ Mîm Keller

Pergunta: Os salafistas alegam que tanto Ibn Bâz quanto al-Albâni têm ijâzas (autorizações de domínio dum livro, etc. em conhecimento islâmico, do sábio com o qual se estudou) de grandes shuyûkh. Dizem que al-Albâni tem uma ijâza de alguns shuyûkh da Síria. Você tem alguma informação sobre isso?

Resposta:

Nosso professor em hadîth, Shaikh Shu‘aib al-Arna’ut, conta para minha esposa e eu que o Shaikh Nâsir al-Albâni aprendeu seu conhecimento de hadîth de livros e manuscritos da Biblioteca Dhâhiriyya em Damasco, assim como seus longos anos trabalhando em livros de hadîth. Ele não obteve nenhuma parte significante de seu conhecimento de sábios de hadîth vivos, de acordo com o Shaikh Shu‘aib, pela razão muito boa de que não havia ninguém em Damasco naquele tempo que soubesse muito sobre hadîth, e ele não viajou para nenhum lugar mais para aprender. Ouvi salafistas dizerem que ele tem uma ijâza de uma pessoa na Síria, mas só poderia ser (de acordo com Shaikh Shu‘aib) de alguém com bem menos conhecimento do que ele. Eu creio no Shaikh Shu‘aib sobre isso, porque sua família, como a do Shaikh Nâsir, era de albaneses que emigraram para Damasco no colapso do Império Otomano, e eles se conhecem um ao outro bem intimamente. A impressão que se tem é que o pai do Shaikh Nâsir, Shaikh Nûh al-Albâni, era um hanafi de tamanha severidade que ele produziu algo como uma super-reação no Shaikh Nâsir não só contra Abu Hanîfa e seu madhhab, mas contra shuyûkh muçulmanos tradicionais também. De acordo com Shaikh Shu‘aib, Shaikh Nâsir estudou tajwîd ou “recitação alcorânica” e talvez o manual básico de fiqh hanafi Marâqi al-Falâh [As Ascenções ao Sucesso] com seu pai Shaikh Nûh al-Albâni, e possivelmente outras lições de fiqh hanafi do Shaikh Muhammad Sa‘îd al-Burhâni, que ensinava na Mesquita Tauba, no bairro dos turcos do lado do Monte Qasiyun, próximo da loja do pai do Shaikh Nâsir. Shaikh Nâsir subsequentemente descobriu que seu tempo poderia ser melhor aproveitado gastando com livros e manuscritos na Biblioteca Dhahiriyya e lendo obras para os alunos, e ele não assistiu as aulas de ninguém.

Quanto a sua ijâza ou “certificado de aprendizado”, o Shaikh Shu‘aib nos conta que isso veio quando um sábio de hadîth de Aleppo, Shaikh Raghîb al-Tabbâkh estava visitando a Biblioteca Dhâhiriyya em Damasco, e o Shaikh Nâsir o apontou como um estudante promissor de hadîth. Eles se encontraram e conversaram, o shaikh o autorizou “em todas as correntes de transmissão que foi autorizado a relatar” — isto é, uma ijâza geral, embora Shaikh Nâsir não tenha assistido nenhuma aula com o shaikh nem lido livros de hadîth com ele. O Shaikh Raghîb al-Tabbâkh tinha correntes de shuyûkh que vão até as principais obras de ahâdîth, tais como Sahîh al-Bukhâri, as Sunan de Abu Dâwûd, e daí tinha uma corrente contígua até o Profeta (s.a.w.s.) por esses livros. Mas essa foi uma autorização (ijâza) de tabarruk, ou “pela bênção da coisa”, não um “certificado de aprendizado” — pois o Shaikh Nâsir não foi a Aleppo para aprender dele, e ele não veio a Damasco para ensiná-lo. Esse tipo de autorização (ijâza), essa de tabarruk, é uma prática de alguns sábios tradicionais: dar uma autorização para encorajar o aluno que eles encontraram e gostam, o qual eles acharam com potencial de aprendizado ou esperam que se torne um sábio. A razão pela qual eu conheço tal tipo de ijâzas é porque eu tenho uma, do sábio mecano de hadîth o Shaikh Muhammad ‘Alawi al-Mâliki, que me autoriza a relatar “todas as correntes de transmissão que eu [Muhammad ‘Alawi al-Mâliki] fui autorizado a relatar por meus shuyûkh,”, inclusive correntes de transmissão chegando até os ahâdîth dos Imâms Mâlik, al-Bukhâri, Muslim, Abu Dâwûd, al-Tirmidhi, al-Nasâ’i, Ibn Mâja (Meca: Muhammad ‘Alawi al-Mâliki, 1412 h./1992). Embora meu nome esteja na autorização e ela é assinada pelo shaikh, isso não me faz um sábio de hadîth como ele é, porque fora algumas das suas aulas públicas, meu conhecimento de hadîth não é vindo dele, mas do Shaikh Shu‘aib, com quem realmente estudei. Em vez disso, o Shaikh al-Mâliki conhece meus shuyûkh em Damasco, que eu sou o tradutor do ‘Umdat al-Sâlik [Reliance of the Traveller] em fiqh shâfi’i, que nos conhecemos há algum tempo e ele aprova minha maneira. O valor erudito de tais ijâzas é meramente para estabelecer o que encontramos.

Quanto a Ibn Bâz, não sei com quem ele estudou, embora pelas suas transmissões no rádio, ficaria muito surpreso se ele alguma vez teria estudado com alguém não comprometido com o que ele e seus colegas simplesmente chamam de da‘wa ou “propagação”, isto é, das revisões do Islã advogadas por Muhammad ibn ‘Abd al-Wahhâb. É proibido dizer qualquer coisa detestável sobre um muçulmano, exceto o que for um interesse defendido pela LeI Sagrada. A discussão seguinte não excede (a) se essas revisões constituem uma ênfase sectária diferindo do Islã tradicional; e (b) se sectário, como isso influencia assuntos que o Shaikh Nâsir e Ibn Bâz poderiam de outra maneira ser atribuídos. Menciono isso a você pois, como pode saber, algumas pessoas tomam como ofensa a palavra wahhâbi — e com uma boa razão, se queremos sugerir que eles não amam o Islã ou não estão tentando praticá-lo no melhor de seu entendimento e capacidade. Sinto que isso e verdadeiro de virtualmente todos os grupos separatistas, desde o começo do Islã. Desde que eles não neguem algo necessariamente sabido ser da religião (o significado necessariamente sabido de que qualquer muçulmano saberia se questionado), todos esses grupos podem ser ditos que tentaram entender e aplicar o Alcorão e a Sunna, muito embora seu entendimento os levou a uma conclusão equivocada. É por isso que os manuais de Sharî‘a dizem coisas do tipo: Eles [aqueles que se insurgem contra o califa] estão sujeitos às Leis Islâmicas (porque eles não cometeram um ato que os põe fora do Islã que deveriam ser considerados não muçulmanos. Nem eles sendo considerados moralmente corruptos (fâsiq), pois rebeldes não é um termo pejorativo, mas antes eles só têm um entendimento equivocado), e as decisões de seu juiz muçulmano são consideradas legalmente efetivas (desde que ele não declare que as vidas de muçulmanos corretos são justamente penalizáveis) se ele for tal como seria efetivo se feito por seu próprio julgamento (Reliance of the Traveller, 594).

O fato de que tais pessoas possam considerar outros muçulmanos não de sua seita como não muçulmanos — a marca das seitas heterodoxas (batil) de todos os tempos e lugares — não muda as regras acima, e o califa ou seu representante pode somente usar força suficiente para cessar o conflito. Encontramos na Hashiya Radd al-Muhtâr ‘ala al-Durr al-Mukhtâr Sharh Tanwîr al-Absar [Comentário (de Ibn ‘Âbidîn): o guia do perplexo, sobre As Pérolas Escolhidas (de Haskafi), uma exegese da Iluminação dos Olhos (de Tumurtashi)], do qual toda palavra é considereda uma evidência decisiva (nass) na Escola Hanafi: (al-Haskafi:) Aqueles que se revoltam contra a obediência ao imâm [significando o califa ou seus representantes] são de três tipos:

(1) salteadores, e sua regra é conhecida [i.e. pena de morte se eles não se renderem antes de serem capturados];

(2) rebeldes (bughat) contra o califado, cuja regra será discutida abaixo [ i.e. eles serão combatidos com a força que seja necessária para fazê-los desistir, como no Reliance acima];

(3) e kharijitas, significando homens com força militar que se revoltam contra o imâm por causa de uma interpretação equivocada das escrituras (ta’wil), crendo que ele está na falsidade da descrença (kufr) ou desobediência a Allah (ma‘siya) que necessitam que se combata, de acordo com a interpretação escritural equivocada deles, e que consideram permitido tomar nossas vidas, nossa propriedade e tomar nossas mulheres como escravas, que consideram os Companheiros do nosso Profeta (s.a.w.s.) serem descrentes. A regra deles é a mesma que a dos rebeldes (bughat) contra o califado por consenso dos sábios de fiqh. (Ibn ‘Âbidîn:) Suas palavras e quem considera os Companheiros do Profeta (s.a.w.s.) serem descrentes não são uma condição para que alguém se torne um kharijita, mas antes é um mero esclarecimento do que aqueles que se revoltaram contra ‘Ali (r,a,a,) de fato fizeram. De outro modo é suficiente ser convencido da descrença daqueles que se combateu, como aconteceu nos nossos tempos com os seguidores de [Muhammad ibn] ‘Abd al-Wahhâb, que veio do Najd em revolta e tomou os santuários de Meca e Medina. Seguiam o Madhhab Hanbali, mas criam que eles eram os muçulmanos e aqueles que criam diferente deles seriam politeístas (mushrikîn). Com isso, tornaram permitido matar muçulmanos sunitas (Ahl al-Sunna) e seus sábios religiosos, até que Allah o Altíssimo dispersou suas forças, e os exércitos dos muçulmanos atacaram suas fortalezas e as subjugaram em 1233 h. [1818 d. C.] (Hashiya Radd al-Muhtâr, 4.262).

O mufti shâfi’i de Meca, Ahmad ibn Zaini Dahlân (morto em 1304 h./1886 d.C.), um historiador assim como um sábio, registrou a história da tomada pelos wahhâbis dos lugares sagrados em um número de livros, um dos quais o seu livro de história em dois volumes al-Futûhât al-Islâmiyya [As Conquistas Islâmicas] dá a seguinte descrição do que se tornaria talvez o seu mais famoso e certamente seu mais letal ijtihad; isto é, que a sunna do tawassul ou “suplicar a Allah através dum intermediário” seria shirk: Muhammad ibn ‘Abd al-Wahhâb alegou que seu objetivo nessa escola de pensamento que ele inovou era tornar sincera a crença na unicidade de Allah (tauhîd) e rejeitar a adoração de falsos deuses (shirk), e que os muçulmanos estavam adorando falsos deuses por seiscentos anos, e que ele tinha revivido sua religião para eles. Ele interpretou versículos alcorânicos revelados sobre adoradores de falsos deuses (mushrikîn) como se referindo àqueles que adoram a Allah somente, tal como a palavra de Allah o Altíssimo:

“E quem está mais desviado do que aquele que suplica além de a Allah a outro que não lhe responderá até o

Dia da Ressurreição, enquanto eles são esquecidos da sua súplica.” (Alcorão 46:5),

e Sua palavra,

“Não suplique além de Allah o que não lhe beneficiará nem o causará dano.” (Alcorão 10:106).

Há muitos versículos do tipo no Alcorão, então Muhammad ibn ‘Abd al-Wahhâb disse que quem quer que busque a ajuda do Profeta (s.a.w.s.) ou de outros, dos profetas, dos amigos de Allah (auliyâ’), ou dos justos; ou lhes invoque ou lhes peça para interceder — seriam como tais, adoradores de falsos deuses, e seriam os referidos pela generalidade de tais versículos. Ele creu a mesma coisa sobre visitar a tumba do Profeta (s.a.w.s.) e todas as outras dos profetas, amigos de Allah, ou dos justos. Ele falou sobre a palavra de Allah o Altíssimo, que cita os idólatras sobre adorar seus ídolos: “Somente os adoramos para que eles nos tragam mais para perto de Allah.” (Alcorão 39:3) que as pessoas que rezam para Allah por meio de um intermediário (tawassul) seriam como esses adoradores de falsos deuses que dizem: “Somente os adoramos para que eles nos tragam mais para perto de Allah.” Ele disse que os adoradores de falsos deuses não criam que seus ídolos criaram nada, mas antes o que o Criador foi Allah o Altíssimo, como mostrado pela palavra de Allah “E se lhes perguntar quem os criou, dirão: ‘Allah’” (Alcorão 43:87) e, “E se você perguntar-lhes quem criou os céus e a terra, dir-lhe-ão: ‘Allah’” (Alcorão 31:25), de tal modo que Allah não os julga por terem cometido descrença e adorado falsos deuses senão pelo seu dito: “que eles nos tragam mais para perto de Allah,” e por consequência essas pessoas [muçulmanos que fazem tawassul] são como eles.

E isso está simplesmente errado, pois crentes muçulmanos não tomam os profetas (a.s.) ou os amigos de Allah como deuses ou os fazem como coparticipantes (shurakâ’) com Allah, mas antes eles creem que são escravos criados de Allah e não merecem qualquer adoração.

Quanto aos adoradores de falsos deuses sobre os quais esses versículos alcorânicos foram revelados, eles criam que seus ídolos fossem deuses e os reverenciavam com a reverência de divindade, mesmo se eles reconhecessem que eles não criaram nada — enquanto os crentes não sustentam que os profetas ou os auliyâ’ merecem adoração de divindade, nem os reverenciam com a reverência devida somente ao Divino. Em vez disso, creem que eles são os servos de Allah e Seus amados, os quais foram eleitos e escolhidos, e através de Suas bênçãos a eles (baraka), Ele mostra misericórdia a Seus escravos. A intenção deles de buscar bênçãos através deles é a misericórdia de Allah o Altíssimo, e muito atesta a validez disso no Alcorão e Sunna.

O credo dos muçulmanos é que o Criador — Aquele que Aflige, Aquele que Beneficia, Aquele que Merece Adoração — é Allah somente. Não creem que qualquer outro tenha qualquer efeito que seja; e creem que os profetas e auliyâ’ não criam nada, não possuem qualquer capacidade de beneficiar ou causar dano, mas meramente que através da graça de Allah a eles (baraka), Ele mostra misericórdia a seus servos criados. Era a crença dos adoradores de falsos deuses que seus ídolos mereciam adoração e divindade que os tornaram culpados de associar coparticipantes com Allah (shirk), não meramente seu dito “Somente os adoramos para que eles nos tragam mais para perto de Allah.” Pois foi só quando lhes foi provado que seus ídolos não merecem ser adorados — como eles criam que mereciam — que disseram como meio de desculpa: “Somente os adoramos para que eles nos tragam mais para perto de Allah.”

Assim como poderia Ibn ‘Abd al-Wahhâb e seus seguidores considerar crentes que reconhecem a unicidade do tauhîd serem comparáveis àqueles adoradores de falsos deuses que criam na divindade de seus ídolos? Pois todo os versículos mencionados acima e aqueles como eles se referem especificamente a não muçulmanos e adoradores de falsos deuses, enquanto sequer um único crente cai nessa categoria. Al-Bukhâri relata de ‘Abdullah ibn ‘Umar (r.a.a.) que relataram do Profeta (s.a.w.s.) que na [previsão da] descrição dos kharijitas, ele disse que eles “procederiam aos versículos alcorânicos revelados sobre não muçulmanos e os interpretariam como se se referissem aos crentes.” E em outro hadîth, também de Ibn ‘Umar, o Profeta (s.a.w.s.) disse: “O que temo mais para minha Umma é um homem que interprete o Alcorão o tirando de contexto”; ambos os ahâdîth sendo aplicáveis a esta seita. Se a oração para Allah através dum intermediário (tawassul) e coisas do tipo fossem como a adoração de falsos deuses, não teria sido feita primeiramente pelo Profeta mesmo (s.a.w.s.), seus Companheiros e a Umma muçulmana, do primeiro ao último (Dahlân, al-Futûhât al-Islâmiyya[Cairo: al-Maktaba al-Tijâriyya al-Kubrâ, 1354 h./1935 d.C,], 2.258–59). Essa passagem nos mostra o porquê dos wahhâbis serem considerados como os kharijitas, homens que, como al-Haskafi nota acima, se revoltaram contra o imâm “por uma interpretação equivocada das escrituras (ta’wil),” crendo que ele estava “sobre a falsidade da descrença (kufr) ou desobediência a Allah (ma‘siya) que necessitava que o combatessem.”

A principal dificuldade com a teoria deles de que tawassul conta como adorar falsos deuses era o fato de que isso foi ensinado à Umma pelo Profeta (s.a.w.s.), que foi talvez o motivo de ninguém nos últimos onze séculos de erudição islâmica antes de Muhammad ibn ‘Abd al-Wahhâb ter sequer notado que seria uma descrença.

A esse respeito, é peculiar que Ibn ‘Abd al-Wahhâb não pôs suas mãos sobre seu próprio Imâm, Ahmad ibn Hanbal, que se juntava a seu mais esplêndido aluno, Abu Bakr Ahmad ibn Muhammad al-Marrudhi (morto em 275 h. /888 d.C.) para fazer tawassul através do Profeta (s.a.w.s.). Al-Marrudhi relata o tawassul do hadîth do Companheiro (Sahâbi) ‘Uthmân ibn Hunaif contendo as palavras: “Ó Allah, verdadeiramente me volto a Você através do Seu profeta Muhammad, o Profeta da Misericórdia (s.a.w.s.); Ó Muhammad, verdadeiramente me volto através de você a meu Senhor, que Ele possa atender minha necessidade” — que al-Marrudhi relata de Ahmad ibn Hanbal no “Cápitulo sobre a Súplica” de seu Kitâb al-Mansak [Livro do Hajj e ‘Umra]. Isso é mencionado por Ibn Taimiyya (Qâ‘ida Jalîla fi al-Tawassul wa al-Wasîla [N.d. Reimpr. Beirute: al-Maktaba al-‘Ilmiyya, n.d.], 98), no qual eu tendo a crer, já que é algo cujo caráter de sunna ele tenta provar contra seu Imâm, embora sem o conceber ser idolatria (shirk) ou incredulidade (kufr), como os wahhâbis o fizeram mais de quatro séculos atrás.

Muhammad ibn ‘Abd al-Wahhâb se foi hoje, junto com as fatwas que emitiu que resultou nos ataques em Meca, Ta’if e Medina começando em 1205 h./1790 d.C. pelos “reformadores” que criam que as vidas, mulheres e dinheiro dos muçulmanos sunitas comuns que não sentiam que o tawassul fosse shirk poderiam ser legalmente tiradas por aqueles que sentiam isso. Não há mais wahhâbis nesse sentido. Como o Rei Fahd (que, no geral, teve uma influência positiva e moderada) disse há alguns anos num discurso: “Não somos wahhâbis, somos hanbalis.”

Mesmo que a “revolta” (nas palavras de al-Haskafi) já se foi, a “interpretação equivocada das escrituras” continua; e sua influência intelectual é ainda forte em todos os aspectos do sistema religioso na Arábia Saudita. Muitas das questões que você perguntou tem a ver com ideias agressivamente empacotadas e exportadas para outros países muçulmanos sob a égide de Ibn Bâz e divulgada com o apoio do Shaikh Nâsir e seus seguidores. Essas são revisões do Islã Tradicional, e se muitos muçulmanos comuns esqueceram isso, é devido à extensão a qual eles sucederam, instigado pelo pesado subsídio e a falta de sábios tradicionais (‘ulamâ’) no presente para ensinar aos muçulmanos a verdade. Apesar disso não se pode senão sentir que eles marcam uma fase transitória, pois Allah prometeu proteger o dîn, e se as refutações de sábios clássicos forem ouvidas, essas inovações se dissipariam. Nesse meio tempo, “reformas” foram repreendidas severamente por todos os três pilares do dîn: Islâm (Sharî‘a), Îmân (‘Aqîda) e Ihsân (Tarîqa), e podem ser melhor resumidas sob esses três títulos:

(1) Islâm (Sharî‘a): A seu crédito, o movimento do qual estamos falando reviveu o interesse em hadîth entre os sábios muçulmanos de maneira geral. Mas a ênfase em hadîth e suas disciplinas auxiliares em exclusão de outras ciências islâmicas igualmente essenciais ao entendimento da revelação, tais como a metodologia de fiqh ou o condicionamento de hadîth pelos princípios gerais expressos no Alcorão criaram a falsa dicotomia em muitas mentes de muçulmanos tanto de fiqh quanto de hadîth. E essa foi uma bid’a intelectual do tipo mais sinistro para o Islã, que nunca aceitou ijtihad de não mujtahids ou qualquer coisa carente de fiqh (literalmente “entendimento dos pontos sutis”) do hadîth. Um resultado triste de dicotomizar fiqh e hadîth é o reavivamento do pensamento dhâhiri do qual falamos acima, com sua “falácia do literalismo mal posicionado” quanto a interpretar os textos primários das escrituras. Tal literalismo necessariamente é forçado em quem se treinou sozinho em hadîth (como o Shaikh Nâsir) se ele tenta deduzir as regras da Sharî‘a sem dominar as ferramentas interpretativas necessárias para se deparar com os desafios que encara o mujtahid, por exemplo, juntando um número de ahâdîth sobre uma questão específica que parece conflitar ou muitos outros problemas intelectuais envolvidos no fazer ijtihad. Esse dhâhirismo estridente — especialmente entre os seguidores do Shaikh Nâsir — fez alguns muçulmanos contemporâneos crerem seriamente que era uma questão de ou seguir “a Alcorão e a Sunna” ou uma das escolas dos Imâms mujtahids. Agora, a grande mentira só ganhou credibilidade hoje porque tão poucos muçulmanos entendem o que é o ijtihad ou como é feito. Creio que isso pode ser curado familiarizando os muçulmanos com exemplos concretos de como os imâms mujtahids derivam regras particulares da Sharî‘a a partir do Alcorão e hadîth, um exemplo que primeiro, demonstra a amplitude de seu conhecimento de hadîth (Muhammad ibn ‘Ubaid Allah ibn al-Munâdi (morto em 272 h./886 d.C.) relata que Ahmad ibn Hanbal disse que ter memorizado trezentos mil não era o bastante para ser um mujtahid), e segundo, demonstra seu domínio dos princípios dedutivos que capacitam para que se junte todos os textos primários. Até que se faça isso, os advogados desse movimento provavelmente continuarão a seguir o ijtihad dos não mujtahids (os shuyûkh que lhes inspiram a confiança), sob a frase de efeito “Alcorão e Sunna” simplesmente como se os mujtahids de verdade não fossem familiares com a obrigação de se seguir ambos. Os seguidores talvez não possam ser culpados, já que “para alguém que nunca viajou, sua mãe é a única cozinheira.” Mas eu culpo de verdade os shuyûkh que, seja quais forem suas motivações, escrevem e falam como se fossem os únicos cozinheiros.

(2) Îmân (‘Aqîda): A aceitação acrítica e subsidiadora das opiniões de Ibn Taimiyya e Ibn Qayyim al-Jauziyya em ‘aqîda tiveram um número de resultados: Um deles é que a negação de Ibn Taimiyya de toda expressão figurativa (majaz) no Alcorão, o que chamamos acima de “literalismo mal posicionado”, causando o antropomorfismo que isso traz à maioria das mentes até o limite do horizonte, sob o slogan de “retornar à ‘aqîda dos primeiros muçulmanos” que, como explicado acima, muito certamente não é nada disso. Nessa conexão, estava falando recentemente com Maulana ‘Abdullah Kakakhail, um sábio de crença islâmica (usûl al-dîn) de Islamabad, que me contou que se graduou na Universidade Islâmica de Medina em 1966 e logo depois, quase voltando para casa, foi convocado no escritório do vice-reitor da universidade, que exprimiu seu desapontamento de que o aluno não aproveitou mais de seus estudos de fé islâmica (‘aqîda). O vice-reitor disse que sabia que ‘Abdullah estava voltando ao Paquistão com os mesmos princípios de fé que tinha quando veio. Ficaram falando das mutashabihât ou versículos alcorânicos e ahâdîth “não aparentes em significado”, e a discussão se voltou para a “mão” de Allah (Qur’an 48:10). “Você diz”, o jovem disse para o vice-reitor, “que ‘a mão é conhecida, mas o como é desconhecido.’ O que o desconhecimento desse como quer dizer?” O vice-reitor disse: “Quer dizer que não sabemos se a mão é branca ou negra, se é longa ou curta.” O nome do vice-reitor era Ibn Bâz, e isso era o que estava sendo oferecido no tempo da da‘wa ou “convite” — aparentemente para a fé (‘aqîda) que inspirou o teto da Capela Sistina.

Segundo, o bocejo entre esse tipo de antropomorfismo e a literatura de tafsîr alcorânico inteira necessitou a explicação de que alguém (nomeadamente a Escola Ash’ari) rastejou pela Umma e alterou a “‘aqîda dos primeiros muçulmanos” que é alegada ter estado lá antes (mas agora não pode ser encontrada). Isso por outro lado dividiu o campo da ‘aqîda em dois campos, pró- e antiash‘ari, enquanto pelos mil anos precedentes os muçulmanos sunitas concordaram sobre a ortodoxia das Escolas Ash‘ari e Mâturîdi. Por que algo que não estava quebrado foi consertado? De fato, quando um comerciante saudável de Jedda trouxe de volta à vida a ‘aqîda já há muito ida de Ibn Taimiyya no começo desse século financiando a impressão no Egito do Minhâj al-Sunna al-Nabawiyya de Ibn Taimiyya e outros trabalhos, o Mufti do Egito Muhammad Bakhit al-Muti‘i, encarando novas questões sobre a validez do antropomorfismo, escreveu: “Era uma fitna (conflito, tentação) que estava adormecida; que Allah amaldiçoe quem a acordou.”

Mas talvez o legado de ‘aqîda mais desastrado do movimento wahhâbi histórico é algo hoje praticado do Najd ao Subcontinente indiano, do Oriente ao Ocidente; isto é, a facilidade com a qual os muçulmanos chamam uns aos outros de “descrentes”. Seja sobre uma questão de fiqh como o tawassul ou uma questão de ‘aqîda como a acima, esse é precisamente o sectarismo que Allah proíbe no Alcorão com as palavras: “E não seja como aqueles que se separaram em facções e diferiram entre si mesmos.” (Alcorão 3:105).

Sectarismo desse tipo é algo que não existe no Islã sunita tradicional nos últimos mil anos, mas antes representa uma ruptura com essa tradição. Se justificarmos isso em nome duma “reforma islâmica” ou um “retorno ao Islã mais antigo”, o sectarismo é e permanece sendo o tipo de bid’a de desvio do qual o Profeta (s.a.w.s.) disse no hadîth de Muslim: “Quem quer que inove algo nesse assunto nosso que não tem procedência deste, deve ter isso rejeitado” (Muslim 3.1343).

(3) Ihsân (Tarîqa): A terceira das reformas, e entre o mais agressivamente buscado hoje está a tentativa de terminar com o tasawwuf ou “sufismo” como uma das ciências islâmicas, embora não há dúvida de que foi considerado como tal por virtualmente todos os sábios clássicos desde que as ciências religiosas começaram a ser registradas. Nossos tempos viram a impressão e reimpressão de obras como passagens do Talbis Iblîs [A Enganação do Diabo] de ‘Abd al-Rahmân ibn al-Jauzi que criticam “os sufis” (significando grupos deles em seu tempo) sem mencionar que uma grande quantidade das biografias do seu Sifa al-Safwa [Descrição do Eleito] de cinco volumes são os mesmos sufis citados por extenso na obra clássica de al-Qushairi sobre sufismo, al-Risâla al-Qushairiyya.

Embora o sufismo exista pela boa razão de que a sunna que fomos ordenados de seguir não é somente as palavras e ações externas do Profeta (s.a.w.s.), mas também seus estados, tais como a confiança em Allah (tawakkul), sinceridade (ikhlâs), resignação (hilm), paciência (sabr), humildade (tawadu‘), lembrança perpétua de Allah e assim por diante. Muitos, muitos ahâdîth e versículos alcorânicos indicam o caráter obrigatório de se ater a esses e centenas de outros estados do coração, tal como o hadîth relatado por Muslim de que o Profeta (s.a.w.s.) disse:

“Não entrará no paraíso ninguém que tenha uma partícula de arrogância no seu coração.” (Muslim, 1.93), ou o hadîth sahîh nas Sunan de Abu Dâwûd sobre a obrigatoriedade de se ter presença de coração na reza (salât), que ‘Ammâr ibn Yâsir ouviu o Profeta (s.a.w.s.) dizer:

Verdadeiramente, um homem parte e nada da sua reza foi registrada para ele exceto um décimo dela, um nono dela, um oitavo dela, um sétimo dela, um sexto dela, um quinto dela, um quarto dela, um terço dela ou metade dela.” (Sunan Abi Dâwûd [N.d. Reimpr. Istambul: al-Maktaba al-Islâmiyya, n.d.] 1.211).

Uma reflexão de meio minuto deveria mostrar para cada um de nós onde que ficamos nesses aspectos do nosso dîn e por que em tempos clássicos ajudar os muçulmanos a obter esses estados não era deixado para amadores, mas antes delegado aos ’ulamâ’ do coração, os sábios do sufismo islâmico. Como em outras ciências islâmicas, historicamente erros de fato ocorreram no sufismo, a maioria deles começando de não se reconhecer a Sharî‘a e os princípios da fé (‘aqîda) do Ahl al-Sunna como sendo acima de todo ser humano. Mas esses erros não foram diferentes em princípio, por exemplo, das Isrâ’îliyyât (contos sem base dos Bani Isrâ’îl) que se rastejam para dentro da literatura de exegese alcorânica (tafsîr), ou as maudû‘ât (forjas de ahâdîth) que se rastejam para dentro do corpo dos ahâdîth proféticos. Esses não foram tomados como prova de que o tafsîr era ruim, ou que hadîth era desvio, mas antes, em cada disciplina, os erros eram identificados e alertados para os Imâms de tais campos, porque a Umma precisa do descanso. E tais correções são precisamente o que encontramos em livros como a Risâla de al-Qushairi, a Ihyâ’ de al-Ghazzâli e em outras obras do sufismo.

Em contraste, os reformistas de nossos tempos atingiram o expediente de criar dúvidas de existir qualquer ciência islâmica para adquirir sinceridade espiritual de uma maneira sistemática e baseada em conhecimento. Mas talvez hoje eles estão começando a perceber que se se termina com toda aspiração espiritual, produzir-se-á somente uma quantidade de muçulmanos agressivos com nenhum outro meio de se sentirem mais religiosos do que discutir para provar que seus irmãos muçulmanos são menos assim — uma situação invejável descrita no hadîth do Profeta (s.a.w.s.): “Ninguém se desviou depois de ser guiado, exceto que tenha sido afligido pela discussão.”

Resumindo, o movimento para reformar nosso dîn ataca a autoridade da erudição que foi tradicionalmente o suporte de seus três pilares: no Islâm, voltando o coração dos muçulmanos contra os madhâhib que são nossa Sharî‘a; no Îmân, apresentando o antropomorfismo de Ibn Taimiyya como o “caminho dos primeiros muçulmanos”; e em Ihsân, tentando fechar a porta da espiritualidade tradicional islâmica de uma vez por todas.

O Shaikh Nâsir e Ibn Bâz estão entre os principais luminares do movimento, e a carreira inteira desse último mostra uma ênfase nessas reformas, as publicações impressas sob seus auspícios e distribuídas pelo globo, o financiamento de graduados universitários wahhâbis para voltarem de Medina para suas terras natais para disseminar os ensinamentos da seita, incansavelmente recontando como poucos sábios muçulmanos pelos últimos mil e quatrocentos anos realmente entenderam o Islã como ele foi entendido pelo Profeta (s.a.w.s.) e eles mesmos.

Então talvez a melhor resposta para sua questão sobre as ijâzas desses dois homens em questão é perguntar por sua vez: qual relevância para tais reformistas deveria o sistema tradicional de ijâza ter, quando sua função era preservar intacto o entendimento do Islã pelos sábios tradicionais com o passar dos séculos, um entendimento que eles desejam mudar?

 

© Nûh Hâ Mîm Keller 1995

Fonte: https://masud.co.uk/do-ibn-baz-and-al-albani-have-ijazas/

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